Do ovo da serpente nasce o fascismo e a incerteza deixa o mundo em suspenso. Destaques da Semana

Arte: Marcelo Zanotti | IHU

Por: Cristina Guerini | 12 Abril 2025

Donald Trump é a representação de um império em crise profunda. Por isso, atiça o dragão e mergulha o mundo no buraco da incerteza e o coloca no caminho da desglobalização. Ele não mede as palavras e age de forma imprudente e desrespeitosa contra outras nações. Junto ao tarifaço que pode levar o mundo a experimentar, além da guerra comercial, a guerra bélica, adota medidas para acabar com ações de mitigação ao colapso climático. Nesse mundo obtuso, plataformas sociais flertam com o autoritarismo e o fascismo. Gaza continua massacrada e depois de 40 dias sem ajuda humanitária, a fome destrói a esperança. Do Sul do mundo, emerge mais uma vez o exemplo de resistência dos povos indígenas. Essas e outras notícias nos Destaques da Semana do IHU.

Confira os destaques na versão em áudio.

Show de Trump

No dia 02 de abril, Donald Trump, mais uma vez colocou o mundo apreensivo ao anunciar um tarifaço global aos produtos importados pelos Estados Unidos. Desvalorização da moeda americana e a queda das bolsas e dos lucros das empresas marcaram os primeiros dias que se seguiram à notícia. Uma medida que usou uma fórmula errada e absurda, segundo avaliaram os analistas econômicos do mundo. Apresentação feita em uma lista com cartazes foi mais uma cena dantesca do show de Trump. Mas ao longo dessa semana recuou da decisão, interrompendo por 90 dias as sobretaxas aos países que, em suas palavras, estavam na “fila para beijar sua bunda”. A China, no entanto, ficou de fora, acirrando ainda mais a guerra comercial. Não sabemos exatamente o que fez o presidente norte-americano voltar atrás, mas Elon Musk brigou publicamente com o mentor do plano, Peter Navarro, e outros aliados criticaram o governo pelas insanas medidas. Além disso, a retaliação dos Estados e a resposta do mercado financeiro aflito, mostraram a fragilidade das bravatas da extrema-direita. Não obstante, o mandatário, antes de revogar o tarifaço, fez um anúncio nas redes sociais, que seria um “bom momento para comprar”, em uma clara manobra de manipulação do mercado, que fez com que alguns ricaços faturassem bilhões com alta recorde das bolsas de valores e a valorização do câmbio.   

Fim da Globalização

Nesse cenário de extrema incerteza, Trump coloca em xeque um dos pilares do capitalismo internacional, que pode culminar no fim da globalização, do livre comércio e do livre mercado. Um retrocesso que não só coloca o mundo no caminho de uma recessão, como no crash de 1929, mas com impactos que vem afetar a economia global. As sobretaxas de Trump podem desestabilizar mercados e abalar confiança de consumidores e empresas. A expectativa dos analistas financeiros é de estagnação econômica, com aumento do desemprego e da inflação. “Uma guerra em que todos perderão”, como bem pontuou o economista Jeffrey Sachs

Atiçando o dragão

A guerra comercial declarada mais especificamente à China é um teste de resiliência, mais à economia americana do que à chinesa. Isso porque, além da China deter o segundo maior percentual em títulos do tesouro americano (dívida pública), os EUA dependem muito dos bens - produzidos com mão de obra barata chinesa - importados do gigante asiático. Pequim não se dobrou e a cada nova aposta de Trump jogou pesado, chegando nesta sexta, 11 de abril, a elevar suas tarifas em relação aos Estados Unidos para 125%, dizendo que “não vai se curvar”. Xi Jinping, em seu primeiro pronunciamento sobre o assunto, declarou: essa guerra comercial não terá vencedores. Mesmo sem ganhadores, ela pode ser uma oportunidade para os BRICS frente ao futuro do Dólar. A tendência de desconfiança dos investidores em relação ao mercado e à moeda estadunidense, pode levar a concretização do sonho dos países membros do grupo, de uma moeda independente e fortalecida, para competir com os EUA. E, a ideia de que o mundo está em uma transição de poder do Oceano Atlântico para o Pacífico, cada vez mais salta aos olhos e aproxima a China de se tornar a principal potência mundial.

Resistiremos?

Não sabemos até quando o mundo vai suportar essas loucuras que, ao fim e ao cabo, são o um “novo manifesto de desumanidade”. Isso porque, por exemplo, Lesoto, na África do Sul “tem uma economia fortemente dependente da venda de jeans para grandes marcas americanas, como Levi's e Wrangler. Apesar de ser um dos países mais pobres do mundo, foi o mais taxado por Trump, com uma tarifa de 50%”. Como o país vai sobreviver? Na América Latina e no Caribe, o peso não é só tarifário, mas também colonial. "O segundo governo de Donald Trump transformou a América Latina e o Caribe em um 'laboratório de controle' para a política internacional MAGA (Make America Great Again)", avaliaram os autores do artigo “Trump e América Latina e Caribe: Um laboratório de controle?”. Mas, o maior problema pode vir de uma virada, com a saída da guerra do campo comercial para a eclosão de conflitos reais. Uma nova guerra mundial bélica, diante à incerteza e a loucura de Trump e seus céticos apoiadores, não pode ser descartada.

Psicose americana

Muito preocupado com seu “lindo cabelo”, Trump dá mais uma marcha à ré climática ao eliminar as regulamentações sobre chuveiros para evitar desperdício de água. Isso em meio à guerra tarifária e às deportações. Falando nisso, assistimos a mais uma semana de imigrantes acorrentados forçados a embarcar em um avião com destino à Guatemala, enquanto ao fundo se ouve uma canção de despedida. A revogação da residência temporária humanitária e da autorização de trabalho colocou de cerca de meio milhão de migrantes cubanos, haitianos, nicaraguenses e venezuelanos no limbo e, claro, no desespero. E eles se perguntam, e agora, como vamos sobreviver? Não obstante, mais novos fatos aumentam o drama dos migrantes. Um acordo com a “receita federal” americana coloca fim na confidencialidade de dados para ajudar a localizar imigrantes indocumentados; o plano para multar migrantes que violarem ordens de deportação em US$ 998 por dia e um 20 de abril ainda mais sombrio com a possibilidade de Trump declarar a lei marcial. Gestos em que a banalidade do mal se repete.

Cruzada fascista

Vivemos um tempo em que a “suspensão sistemática da democracia levou ao triunfo da nova direita. Não se trata de um golpe de Estado, nem de uma ditadura, mas do fechamento da democracia, que está ocorrendo diante de nossos olhos quase sem percebermos”, asseverou a filósofa italiana Donatella Di Cesare. Na avaliação do professor Eugênio Bucci, essa escalada fascista e autoritária encontra companhia fiel nas plataformas sociais. Segundo aponta, “a lógica das plataformas sociais e da autocracia é a eliminação dos pontos de vista discordantes, a hipertrofia da obediência e da submissão, de tal maneira que a política deixa de ser a política porque ela deixa de ser dialogada. E no lugar da política que a modernidade nos legou, vai crescendo o fanatismo onde não tem espaço para o diálogo, ele é fechado, compacto, unidirecional e disciplinado como um pelotão militar”.

Ovo da serpente

Ainda falando sobre o mesmo assunto, o filósofo da Unisinos, Castor Bartolomé Ruiz, publicou uma longa análise tecendo paradoxos de como essa crise generalizada traz de volta o fascismo e o estado exceção. “Surpreendentemente, em pleno século XXI, uma nova ninhada de serpentes, metamorfoseadas sob diferentes vestes autoritárias, está prestes a eclodir dentro das democracias ocidentais. Inspirados em teóricos da soberania como Carl Schmitt e Thomas Hobbes, os atuais movimentos autoritários produzem o medo sistematicamente e o disseminam com o apoio do algoritmo das redes sociais”, assinalou. “Ao compreenderem a política como desdobramento da guerra - continua o autor -, valendo-se do binômino amigo-inimigo para fabricar culpados pelas mazelas de cada uma das sociedades, tais expressões neofascistas convertem estrangeiros, migrantes e refugiados em bodes expiatórios, indivíduos perigosos que devem ser contidos, deportados e até exterminados, a quem se voltam ódios que conduzem as massas nos mais diferentes contextos nacionais”, evidenciou. 

Gaza: campo de concentração

Na semana em que lembramos a libertação do campo de concentração Buchenwald, na Alemanha, em 11 de abril de 1985, Gaza se torna cada vez mais um campo de concentração a céu aberto. Confinados por Israel, os palestinos já estão há mais de 40 dias sem receber ajuda humanitária e a fome é o aspecto mais brutal do genocídio israelense. Os relatos que chegam da Palestina não nos permitem esquecer o sofrimento persistente: “Este é o segundo Ramadã em que jejuamos o dia inteiro apenas para quebrar o jejum com comida enlatada, se conseguirmos pagar por ela, ou com arroz doado pelas cozinhas comunitárias (...) Às vezes, meus filhos vão dormir chorando de fome, e eu não tenho nada para dar a eles. Você consegue imaginar o que uma mãe sente nesse momento? Não é só dor, é uma agonia da alma”. O silêncio e a anuência da comunidade internacional só aumentam em relação ao Oriente Médio. No mundo dominado pelo financismo, as vozes só ecoam quando o assunto é dinheiro.

Papel teológico

As “teologias críticas e, em particular, a Teologia da Libertação têm ou ainda deve assumir a tarefa de ajudar a interpretar, a partir da perspectiva da fé cristã, o que está acontecendo no mundo, mais do que focar nas questões internas das igrejas”, salientou o teólogo Jung Mo Sung. Na mesma perspectiva de que a teologia já não se conecta mais ao mundo real, Flávio Lazzarin, vê na física quântica a possibilidade de reverter a irracionalidade econômica ocidental, cujo papel também cabe aos teólogos. Para o padre italiano, a física “contesta o status quo aristotélico-cartesiano, paradigma que sustenta não só a física clássica, mas também a insanidade da economia capitalista”. Por isso, “a importância da nova compreensão cientifica da totalidade do real, da nova ontologia surgida da física quântica: ondas de energia em lugar de partículas atômicas inertes; visibilidade das partículas só através dos artifícios da observação; um universo dinâmico em lugar de um universo estático; cosmogênese em lugar de cosmologia; relações em lugar de identidades; energia e razão em lugar da mera materialidade da res extensa; falência da analítica aristotélica; informação, comunicação como linguagem do cosmo”, resume.

“A resposta somos nós”

A maior mobilização indígena do Brasil, o Acampamento Terra Livre – ATL, aconteceu essa semana em Brasília. Na pauta das reivindicações, a demarcação de terras como política climática para COP30, mesma igualdade de peso para líderes indígenas que os chefes de Estado e participação direta na conferência do clima em Belém. Além disso, o tema mais importante, foi o fim do famigerado marco temporal e a mesa de conciliação no STF, que serve, diga-se de passagem, para tratar do que já foi transitado em julgado e tem repercussão geral: marco temporal é inconstitucional. Umas das plenários que discutiu a questão teve como tema “O Acordo sem Voz: A Câmara de Conciliação no STF e a Reconfiguração da Política Indigenista no Brasil”. No final do ATL 2025, a marcha pacífica dos indígenas, “A resposta somos nós”, foi recebida pela polícia com bombas e gás lacrimogênio na casa do povo, isto é, no Congresso Nacional.

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Testemunho

Essa semana também lembramos os 80 anos do assassinato pelos nazistas do pastor alemão da igreja protestante, Dietrich Bonhoeffer. Faltando poucos dias para o fim da guerra e já sabendo que estava perdida, Hitler ordenou a execução de todos os chamados "conspiradores" da tentativa de assassinato de 20 de julho de 1944. A sentença de morte de Bonhoeffer foi executada na madrugada de 9 de abril de 1945, no campo de concentração de Flossenbürg. Segundo sua família, ele "lutou contra a estreiteza de espírito, a opressão e a exclusão ao longo de sua vida". Um exemplo de testemunho de alguém que não se dobrou ao totalitarismo. Ao fazer memória ao pastor, o teólogo Paolo Naso lembrou o papel das igrejas de ontem e hoje. "As igrejas não atenderam a esse apelo na época. Elas podem - e devem - fazê-lo hoje, diante das guerras em andamento e de outras que, com intolerável leviandade, são propostas e ameaçadas todos os dias", advertiu. 

Desejamos uma boa semana a todas e todos!