10 Abril 2025
Enquanto o mundo assimila a ampliação generalizada de tarifas de importação dos Estados Unidos, economistas se questionam se a aceleração do protecionismo americano em 2025 será o evento o histórico que marcará o fim da globalização tal como conhecemos desde os anos 1990. Com o recuo dos americanos, protagonistas e propulsores do livre mercado, abre-se um período de incertezas sobre os rumos do comércio internacional e o modelo econômico que poderá emergir.
A reportagem é de Lúcia Müzell, publicada por RFI, 09-04-2025.
No dia 2 de abril, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a adoção de taxas de pelo menos 10% sobre uma longa lista de produtos vindos de praticamente todos os países do globo. A China é o alvo número 1, chegando, após o anúncio de novas tarifas, a 104%, à frente dos 26% aplicados sobre as importações da Índia, 20% à União Europeia ou 10% ao Brasil.
Para Vincent Vicard, professor de Economia Internacional na Universidade de Paris 1 Panthéon-Sorbonne e diretor-adjunto do Centro de Estudos Prospectivos e Informações Internacionais (CEPII), a retraída americana no livre comércio representa o "choque mais importante da história da globalização", como jamais visto desde o período entre guerras.
“Ainda faltam muitos aspectos a serem esclarecidos sobre qual vai ser a amplitude deste choque, mas ele é muito mais abrangente do que foram as medidas do primeiro mandato de Trump. Lembremos que as importações americanas correspondem a 13% de todo o comércio mundial”, disse.
Apesar de ser um business man, Trump não parece se importar com o impacto negativo da sua guerra comercial sobre mercados financeiros e os investimentos, mergulhados na instabilidade desde a sua volta ao poder.
Laurence Nardon, diretora do programa Américas do Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri), avalia que o presidente americano moldou à sua maneira o fim da globalização, um processo iniciado já no seu primeiro mandato e continuado por Joe Biden – e do qual o Brexit, no Reino Unido, também foi um marco importante.
“Essa percepção nos levou ao Brexit e à primeira eleição de Trump. Hoje estamos vivendo a confirmação de um grande movimento de volta atrás da globalização”, constata a autora de "Géopolitique de la puissance américaine" ("Geopolítica da potência americana", em tradução livre).
O componente ideológico de Trump acrescenta uma grande incerteza sobre este processo, salienta Vincent Vicard. O presidente defende a retirada dos Estados Unidos da cena internacional para se concentrar exclusivamente no povo americano – o que pode significar, por exemplo, cortar o apoio logístico americano que garante a segurança de grande parte do transporte de mercadorias ao redor do planeta.
Qual o futuro da globalização sem o seu maior promotor? O pesquisador do CEPII afirma que a maioria dos países do globo apoia a continuidade do sistema de livre mercado, mesmo que muitos endossem as críticas sobre o peso que a China adquiriu no comércio.
“Os outros países vão poder continuar no mesmo sistema, apesar da virada protecionista americana? O risco hoje é de uma escalada comercial no conflito, em relação aos Estados Unidos, mas também ao resto do mundo, porque teremos reorientações do comércio em meio a um choque violento, que vão criar tensões”, adverte Vicard.
Outra fonte de incertezas é o impacto da guerra tarifária sobre a própria economia americana. A alta da inflação é inevitável, uma recessão é dada como provável e os efeitos positivos das medidas protecionistas levarão anos a aparecer, numa combinação que pode fazer ruir o apoio interno ao presidente.
“Ele tem o apoio, na sua coalizão, dos chamados libertários da tecnologia, como Elon Musk, e republicanos tradicionais que são liberais, no sentido econômico do termo, e que não concordam nem um pouco com o que o presidente está fazendo”, indica Nardon. “Eles querem continuar fazendo negócios, importar, exportar. A maioria está calada neste momento, mas acho que ainda terão o que falar.”