29 Mai 2020
"A crise epidemiológica parece assim mais reforçar do que provocar mudanças em direção a uma globalização menos intensa. Ela contribui para o surgimento de uma nova fase, menos liberal, da economia internacional sem provocar o retorno a um nacionalismo exacerbado", analisa Christian Chavagneux, economista, em artigo publicado por Alternatives Économiques, 28-05-2020. A tradução é de André Langer.
A pandemia “mudará a natureza da globalização como a conhecemos nos últimos quarenta anos (...), esse tipo de globalização esgotou o seu ciclo”. Ao propor esse prognóstico em meados de abril em uma entrevista ao jornal britânico Financial Times, o presidente Emmanuel Macron não assumiu muito risco. Nos últimos dez anos, a globalização das economias já mudou. Se não no sentido de uma desglobalização, pelo menos no de uma globalização menos intensa. A epidemia do coronavírus reforçará este movimento?
Para Dani Rodrik, professor da Harvard, a crise atual não representa um elemento revolucionário, ela “age principalmente no sentido de fortalecer e ancorar várias tendências que já estavam em vigor”. A principal delas diz respeito às famosas “cadeias globais de valor agregado”, a organização de uma cadeia de produção distribuída em diferentes territórios, espalhada por todo o mundo, para aproveitar os custos mais baixos. Medimos o desenvolvimento com o peso dos produtos intermediários no comércio internacional, aqueles que são importados para serem montados com outros e depois reexportados.
A China desempenhou um papel fundamental nesse processo; sua entrada gradual na economia de mercado a partir de 1979 foi um dos pilares do desenvolvimento da globalização. No entanto, nos últimos anos o país vem se concentrando em sua demanda doméstica. “Em 2004, o valor das importações chinesas destinadas à reexportação representou 29% do total das exportações. Em 2019, essa proporção caiu para 13,2%”, indica Patrick Zweifel, economista-chefe da Pictet Asset Management. O país está gradualmente saindo das cadeias globais de valor, está se desglobalizando.
E não é o único. Desde 2008, a participação do comércio mundial vinculado à participação nas cadeias de valor diminuiu em decorrência de mudanças nas estratégias das empresas e praticamente todos os setores foram afetados. “A crise do coronavírus, portanto, não constitui um ponto de inflexão deste ponto de vista. Por outro lado, pode ser um acelerador, mas devemos permanecer cautelosos”, explica Stéphane Déo, da La Banque Postale Asset Management.
Quanto à globalização financeira, também houve um recuo. Entre o início de 2008 e o final de 2019, as atividades internacionais de empréstimos e de depósitos entre bancos diminuíram 35% em todo o mundo. O mercado internacional de produtos financeiros especulativos derreteu em dois terços desde 2008. A parcela das dívidas governamentais detidas por não residentes também está em grande parte em declínio. Isso vale para o maior mercado do mundo, o dos Estados Unidos, onde os estrangeiros detinham 40% da dívida pública no final de 2019, contra quase metade em 2008. Mas também na zona do euro: por exemplo, no caso de um grande emprestador como a França, os não residentes detêm agora não mais que 54% de sua dívida, em comparação com 70% em 2010.
É provável que a pandemia atual acelere a tendência dos últimos dez anos em direção ao recuo da globalização? Devemos observar que menos globalização não significa necessariamente mais relocalizações de atividades e empregos. No caso da França, o motivo é simples: houve poucas saídas de empresas. Segundo dados do INSEE, apenas 5% das empresas francesas transferiram sua produção para outros países.
A Covid-19 apontou como a dependência de fornecedores baratos, mas distantes, poderia se tornar um obstáculo. Isso poderia levar as empresas, se não a se desglobalizarem, pelo menos a diversificar seus fornecedores, privilegiando uma organização mais regional de seus processos de produção. Mas, novamente, isso apenas acentuaria uma tendência já em andamento. Por exemplo, o comércio intra-asiático representou 46% das exportações dos países da zona em 2018, contra 28% em 1998. Dá-se o mesmo para as outras regiões: a globalização é de fato cada vez mais uma regionalização. No caso da França, dois terços das importações de bens intermediários já provêm do resto da Europa, menos de 10% dos Estados Unidos e cerca de 5% da China, destacam os pesquisadores do Cepii (Centre d'Études Prospectives et d'Informations Internationales) Guillaume Gaulier e Vincent Vicard.
A epidemia vai reduzir ainda mais a internacionalização das cadeias de valor?
No curto prazo, isto é certo, com uma queda de pelo menos 30% nos investimentos estrangeiros das empresas neste ano, de acordo com o cenário mais otimista da OCDE. E talvez também a mais longo prazo, explicam os especialistas da UNCTAD. Porque eles antecipam os efeitos duradouros da crise sobre as políticas dos Estados em relação aos investimentos estrangeiros. Isso se tornará mais restritivo para setores que agora são considerados estratégicos, como produtos de saúde e alimentos. A instituição internacional também prevê menos novos tratados que facilitem os investimentos entre países e uma aceleração das renegociações dos tratados existentes, em um sentido mais restritivo.
Enquanto o Japão já está oferecendo subsídios às suas multinacionais para incentivá-las a deixar a China e se reinstalar no país, a União Europeia pode continuar sendo a idiota útil desta nova globalização, como ilustra a assinatura do acordo União Europeia-México, de 28 de abril passado. As Organizações Não Governamentais (ONGs), por iniciativa da Stop Ceta, apontam que “aí onde a União Europeia deveria implementar imediatamente políticas destinadas a reduzir nossa dependência de importações de energia e agrícolas, este acordo visa aumentá-las”…
Por fim, vários estudos mostram que, para alguns países, entre um terço e a metade dos fluxos de investimento correspondem a transações artificiais vinculadas a estratégias de evasão fiscal. Um grupo de mais de 130 países está atualmente negociando os termos para questionar esses comportamentos com um resultado esperado para o final de 2020. Se bem-sucedido, iríamos para um mundo em que as fronteiras fiscais nacionais seriam mais respeitadas.
A crise epidemiológica parece assim mais reforçar do que provocar mudanças em direção a uma globalização menos intensa. Ela contribui para o surgimento de uma nova fase, menos liberal, da economia internacional sem provocar o retorno a um nacionalismo exacerbado. Um cenário ideal.
Observação complementar: no setor da alta tecnologia, entre 2007 e 2017, a participação dos bens produzidos destinados às cadeias de valor globais teve uma queda de 1,9% do valor agregado do setor e a dos bens comprados caiu 2%.
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A globalização como a conhecemos esgotou seu ciclo. Emerge uma globalização em menor grau - Instituto Humanitas Unisinos - IHU