“Na Nicarágua, um regime de terror, prisão e ameaças foi estabelecido, muito mais severo do que o que existiu em El Salvador”. Entrevista com José María Tojeira, SJ

Daniel Ortega, ditador da Nicarágua (Foto: Ismael Francisco | Cubadebate | Flickr CC)

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25 Agosto 2023

  • “Tivemos que transferir os jesuítas idosos (99, 91 e 85 anos) para El Salvador. Três outras pessoas jurídicas permanecem ativas e com os jesuítas trabalhando nas obras que representam. Jesuítas trabalhando neles"

  • “Estamos estudando possíveis denúncias em organismos internacionais, na ONU e na OEA, que zelam pelos direitos humanos, dada a impossibilidade de fazer reivindicações ou demandas legais dentro da Nicarágua. O problema não é apenas dos Jesuítas, mas da Igreja em geral”

  • “A escalada contra a Igreja é motivada pela defesa dos direitos das pessoas, pelos apelos da Igreja à paz e ao diálogo social e pela denúncia profética da repressão brutal às manifestações de protesto que ocorreram em 2018”

  • “Em relação ao Papa Francisco, sabemos da sua solidariedade conosco. Em relação às palavras públicas, o Papa procura sempre que as suas palavras não tenham repercussões negativas nos países que mantêm dura repressão”

A entrevista é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 24-08-2023.

O jesuíta espanhol José María Tojeira foi nomeado porta-voz oficial da Companhia relativamente à dissolução da congregação na Nicarágua. O ex-reitor da UCA de El Salvador nos recebe prontamente, preocupado com o destino de seus colegas e de suas obras. “A preocupação fundamental é a da expulsão ou mesmo da detenção. Dada a ausência praticamente total do Estado de direito na Nicarágua, tudo pode ser esperado”, diz-nos, nesta entrevista exclusiva ao Religión Digital.

Sem querer comparar a situação atual com o massacre dos jesuítas em El Salvador em 1989, Tojeira é enfático: “Na Nicarágua foi instalado um regime de terror, com prisões, confisco de bens, ameaças de vários tipos, expulsões do país muito mais severo do que em outros países. Certamente menos pessoas foram mortas, mas o controle do pensamento livre e da crítica, com seus mecanismos de banimento e confinamento, tem sido muito mais opressivo para a consciência do povo".

José María Tojeira, padre jesuíta e porta-voz da Companhia de Jesus na crise na Nicarágua (Fonte: Religión Digital)

Eis a entrevista.

Você esperava que Ortega e Murillo dissolvessem a Companhia de Jesus na Nicarágua? O que significa esta decisão?

Primeiro um esclarecimento. A Companhia de Jesus tinha várias pessoas jurídicas na Nicarágua. Neste momento o governo anulou duas, uma relacionada com a Universidade e outra denominada Asociación Compañía de Jesús, proprietária do imóvel onde viviam os jesuítas que trabalhavam na Universidade e outro imóvel mais utilizado como residência de estudantes bolsistas. Esse estatuto jurídico também serviu para enviar fundos para a manutenção da enfermaria para idosos jesuítas que temos na Nicarágua. Como resultado disso, tivemos que transferir os jesuítas idosos (99, 91 e 85 anos) para El Salvador. Permanecem ativas e com os jesuítas trabalhando em suas respectivas obras outras três entidades jurídicas. Dois colégios e a organização Fe y Alegría continuam ativas, com os jesuítas atuando nelas.

Como estão os jesuítas que vivem na Nicarágua? Preocupado com sua segurança?

A preocupação fundamental dos Jesuítas é a da expulsão ou mesmo da detenção. Dada a ausência praticamente total do Estado de direito na Nicarágua, tudo pode ser esperado. Mas os jesuítas continuam no seu trabalho no meio das dificuldades. Neste momento, além dos idosos, há um jesuíta nicaraguense que foi impedido de regressar à Nicarágua (ex-reitor da UCA), o atual reitor da UCA, também nicaraguense, deixou o país, e um pároco jesuíta, assediado e ameaçado, também se saiu do país. Os restantes, cerca de 11, continuam trabalhando nas referidas mencionadas.

Quais passos serão dados a partir de agora?

Além de denunciar os acontecimentos ocorridos, estamos estudando possíveis denúncias em organismos internacionais, na ONU e na OEA, que zelam pelos direitos humanos, dada a impossibilidade de fazer reivindicações ou demandas judiciais dentro da Nicarágua. O problema não é apenas dos Jesuítas, mas da Igreja em geral. Dom Rolando Álvarez preso, as irmãs de Madre Teresa expulsas, padres e outro bispo, todos eles nicaraguenses privados da sua nacionalidade, ameaças contra congregações religiosas e apropriação dos seus bens, são parte da perseguição à Igreja. Tudo isto num contexto de perseguição também contra opositores políticos, defensores dos direitos humanos e jornalistas independentes.

Qual é a razão da escalada de violência e perseguição contra a Igreja na Nicarágua?

A escalada contra a Igreja é motivada pela defesa dos direitos das pessoas, pelos apelos da Igreja à paz e ao diálogo social e pela denúncia profética da repressão brutal às manifestações de protesto ocorridas em 2018.

Quando soubemos do confisco da UCA, muitos de nós pensamos no drama da UCA em El Salvador em 1989. Aconteceu-lhe o mesmo?

A situação da UCA de El Salvador em 1989 era diferente. Lá ocorreu mais um dos muitos massacres perpetrados pelo exército. Na Nicarágua, várias manifestações foram dissolvidas a tiros em 2018, mas depois se instalou um regime de terror, prisão, confisco de bens, ameaças de vários tipos, expulsões do país muito mais duro do que existia em outros países. Certamente menos pessoas foram mortas, mas o controle do pensamento livre e da crítica, com os seus mecanismos de banimento e confinamento, tem sido muito mais opressivo para a consciência do povo.

Você está esperando uma palavra do Papa Francisco?

Em relação ao Papa Francisco, sabemos da sua solidariedade conosco. No que diz respeito às palavras públicas, o Papa procura sempre que as suas palavras não tenham repercussões negativas nos países que mantêm dura repressão. Defendeu muito claramente Dom Álvarez, mas entendemos que para ele é difícil intervir publicamente nos conflitos, pelas consequências que podem ter para os outros. Para nós é suficiente saber que ele nos apoia, mesmo que não o diga em público.

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