18 Agosto 2023
A UCA, administrada pela Companhia de Jesus, qualifica as acusações sandinistas como infundadas e suspende suas atividades após mais de 60 anos de funcionamento.
A reportagem é de Wilfredo Miranda, publicada por El País, 16-08-2023.
Os trabalhadores da Universidade Centro-Americana da Nicarágua (UCA) apressaram-se em retirar o Cristo crucificado do altar-mor de sua capela imediatamente depois que as autoridades da instituição de ensino jesuíta confirmaram nesta quarta-feira que o regime de Daniel Ortega e Rosario Murillo abriu uma causa penal contra eles pelo crime político de "terrorismo". O processo judicial é acompanhado pela apreensão de todos os bens móveis, imóveis e dinheiro do local privado de maior renome neste país centro-americano, que havia se tornado o último reduto de liberdade de pensamento em meio a uma contextos de brutal repressão.
A consternação e o medo de uma eventual ocupação policial levaram à evacuação dos trabalhadores universitários e estudantes que estavam se matriculando para o próximo ano letivo, que começaria nesta segunda-feira, 21 de agosto. No entanto, o futuro de mais de 5.000 alunos e 546 professores fica "suspenso" por essa medida repressiva.
O centro informou que recebeu a notificação na terça-feira, 15 de agosto, às 17h29. "Recebemos um ofício do Décimo Distrito Penal de Audiências da Circunscrição de Manágua, sob a responsabilidade da juíza Gloria María Saavedra Corrales, no qual fomos notificados da apreensão de bens imóveis, móveis, dinheiro em moeda nacional ou estrangeira de contas bancárias congeladas e produtos financeiros em moeda nacional ou estrangeira de propriedade da UCA", denunciou a alma mater em um comunicado. "Em virtude disso, a UCA suspende a partir de hoje todas as atividades acadêmicas e administrativas, até que seja possível retomá-las de maneira normal, o que será informado através dos canais de comunicação oficiais da Universidade."
Horas antes, o meio de comunicação Divergentes havia informado sobre a acusação penal que é o corolário de uma longa perseguição contra a UCA desde 2018, quando estudantes e cidadãos que protestavam contra o regime sandinista encontraram refúgio e apoio na universidade. Nos últimos dias, o governo cercou a instituição com a imobilização de seus bens imóveis, o congelamento de suas contas bancárias e a revogação da acreditação de seu Centro de Mediação Legal, um serviço gratuito para a sociedade.
O ofício da justiça orteguista alega que a UCA operava "como um centro de terrorismo, organizando grupos criminosos". A alma mater jesuíta classifica essas alegações como "infundadas". Embora os líderes da UCA tenham tomado conhecimento da notificação judicial no final da tarde de 15 de agosto, a situação foi comunicada aos trabalhadores na manhã desta quarta-feira. Além disso, o meio de comunicação digital também informou que vários líderes acusados deixaram o país para garantir sua liberdade.
"Isso é um golpe para a Companhia de Jesus, para a Igreja Católica, para o conhecimento e para o pensamento livre. Você acha que eles perdoariam que houvesse um monumento para Alvarito Conrado [adolescente assassinado em 2018 com um tiro na garganta] no Colégio Loyola? De jeito nenhum, eles não perdoam!", disse uma fonte ligada à UCA ao EL PAÍS. E essa fonte não descarta que seja uma represália contra o próprio Francisco, o primeiro Papa pertencente à Companhia de Jesus, que chamou o regime Ortega-Murillo de uma "ditadura grosseira e hitleriana".
Com essa ordem judicial, a UCA é confiscada e se une a outras 26 universidades privadas que agora estão nas mãos do regime de Ortega e Murillo, que desmantelou o pensamento crítico na Nicarágua. As justificativas para o fechamento das instituições - que começou em 2021 - vão desde acusações de lavagem de dinheiro à Universidade Hispano-Americana (Uhispam), "falsificação de informações", não reportar suas demonstrações financeiras e não se registrar como agentes estrangeiros. Nos últimos meses, as justificativas são de que a oferta acadêmica é inconsistente ou que não possuem infraestrutura adequada. Agora, essa nova modalidade de "terrorismo" é adicionada.
Atualmente, há 13 universidades aguardando acreditação pelo Conselho Nacional de Avaliação e Acreditação (CNEA), incluindo a própria Universidade Centro-Americana (UCA), a Universidade American College (UAC), a American University (LAU), a Universidade Central da Nicarágua (UCN) e a Universidade de Administração, Comércio e Alfândega (UNACAD).
O controle das universidades é um dos alvos mais recentes do casal presidencial em seus esforços para silenciar qualquer voz crítica. As primeiras medidas consistiram em expulsar centenas de estudantes e eliminar seus registros acadêmicos. Além disso, aumentou a vigilância nas instalações públicas por meio da União Nacional de Estudantes (UNEN), o braço sandinista nas universidades públicas.
Desde abril de 2018, a repressão do regime contra a UCA aumentou como represália após o papel desempenhado pela instituição e seus estudantes na rebelião na Nicarágua. O regime primeiro tentou asfixiá-la financeiramente e depois a assediava por meio de auditorias do Conselho Nacional de Universidades (CNU). Em março do ano passado, foi ordenada a retirada do 6% constitucional, quando ela foi separada do CNU, e uma reforma na Lei 89, Lei de Autonomia das Instituições de Ensino Superior, foi aprovada.
O ex-reitor José Idiáquez e o vice-reitor, Jorge Huete, foram expulsos em 2022, tendo a entrada no país negada após viagens ao exterior. A liderança da instituição passou para o Padre Rolando Enrique Alvarado López, que é o atual reitor da UCA. O Padre Idiáquez denunciou em 2018 que havia sido ameaçado de morte e responsabilizou o governo de Ortega por qualquer coisa que pudesse lhe acontecer. "Ortega vai acabar como um assassino", disse o jesuíta ao EL PAÍS.
A Província Centro-Americana da Companhia de Jesus emitiu um comunicado condenando o ataque à sua instituição de ensino superior na Nicarágua. "Este novo ataque governamental contra a universidade não é um fato isolado; faz parte de uma série de ataques injustificados contra a população nicaraguense e outras instituições educacionais e sociais da sociedade civil, que estão gerando um clima de violência e insegurança e agravando a crise sociopolítica do país", afirmam. "Trata-se de uma política governamental que está sistematicamente violando os direitos humanos e parece estar voltada para consolidar um estado totalitário".
As fontes consultadas temem que agora o ataque contra os jesuítas possa se estender às escolas administradas por eles na Nicarágua. O professor Ernesto Medina considera que o fechamento da UCA é "catastrófico". "Uma universidade que, em 60 anos de história, prestou um serviço inestimável à Nicarágua em termos de formação, projeção social e imagem, está sendo ameaçada", disse o professor, que foi expulso e despojado de sua nacionalidade pelo regime.
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Ortega e Murillo acusam a universidade dos jesuítas de terrorismo e ordenam a apreensão de todos os seus bens - Instituto Humanitas Unisinos - IHU