09 Junho 2023
"Vocês já são a verdade na cruz e a ciência na profecia. E é total a companhia, companheiros de Jesus. O juramento cumprido, a UCA e o povo ferido ditam a mesma lição das cátedras-valas e Obdulio cuida das roseiras da nossa libertação. Em 5 de junho último, 34 anos após o massacre, o Procurador-Geral citou os nomes ao apresentar a acusação contra Alfredo Cristiani e os oito assassinos", escreve Francesco Strazzari, cientista político, professor de Relações Internacionais na Scuola Universitaria Superiore Sant’Anna, em Pisa, na Itália, em artigo publicado por Settimana News, 07-06-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em 5 de junho, o Procurador-Geral da República de El Salvador apresentou a acusação contra oito pessoas - militares de alta patente - supostamente envolvidas no massacre de seis jesuítas da Universidade (UCA), da cozinheira e de sua filha de 16 anos. O primeiro acusado é o ex-presidente Alfredo Cristiani, que teria organizado o plano posto em prática em 16 de novembro de 1989.
O pai de Alfredo era imigrante de Bagnaria, província de Pavia, e sua mãe Marghot Burkard era descendente de imigrantes suíços.
Alfredo, nascido em 22 de novembro de 1947, foi educado na "escola americana" em San Salvador, continuou seus estudos de economia em Washington, na famosa Universidade de Georgetown. Voltando a San Salvador, trabalhou para a rica família, que operava principalmente no comércio de café e algodão. Casou-se com Margarita Llach em 1970.
Ficou fora da política até 1980, quando o conflito armado com o movimento FLMN (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional) atingiu um ponto crítico. Envolveu-se com a Aliança Nacionalista Republicana (ARENA), fundada pela "escola das Américas", liderada pelo oficial Roberto D'Aubuisson que, em 1985, renunciou após o resultado desastroso das eleições presidenciais.
Cristiani tornou-se líder do partido em 1988. Em 1989 foi eleito presidente de El Salvador com 53,8% dos votos.
Anos atrás, ouvi o testemunho do conhecido teólogo Jon Sobrino, que não estava em casa em 16 de novembro de 1989. Outro jesuíta da comunidade tinha ido pousar em outra comunidade. Dos oito jesuítas, seis estiveram presentes e foram assassinados.
Os soldados do presidente Cristiani chegaram à noite, forçaram a porta de entrada da casa, os obrigaram a sair para o jardim e atiraram em suas cabeças. Os cérebros se espalharam por todo lado. Enlouquecidos, os soldados derrubaram máquinas de escrever, computadores, registros, vídeos e roubaram documentos e registros. Entrando na capela de Mons. Romero, assassinado em março de 1980, tomaram de mira a grande foto e atiraram no coração.
O poder da direita se enfureceu contra a Universidade dos jesuítas porque eram pessoas que incomodavam. Os jesuítas eram chamados de comunistas e marxistas, antipatriotas e até ateus. O regime de Cristiani queria silenciá-los, expulsá-los do país, dispersá-los, garantir que estivessem mortos.
Acusações concretas foram feitas contra a Universidade e contra os Jesuítas: apoiavam a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional, eram a sua fachada ideológica, responsáveis pela violência e pela guerra civil.
O teólogo Sobrino conhecia bem seus colegas e amigos. Ele disse no dia seguinte ao cruel assassinato que eles eram cristãos por inteiros, convencidos de que estavam seguindo Jesus de Nazaré na luta pela libertação da injustiça e dos abusos. Conheciam bem o marxismo para analisar a situação de opressão no chamado terceiro mundo, mas também estavam cientes das sérias dúvidas da análise marxista.
O marxismo nunca foi sua principal fonte de inspiração, como também se afirmava na Cúria Romana. O reitor, Ignacio Ellacuria, era uma celebridade como filósofo e teólogo, ainda recorda o teólogo Sobrino. Era o evangelho de Jesus que inspirava a ação dos jesuítas. Repetiam continuamente que não apoiavam nem um partido político, nem um governo específico, nem um movimento popular específico.
Eram fiéis às palavras do bispo massacrado Romero: "Os processos políticos devem ser julgados conforme beneficiem ou não o povo". Por isso apoiavam tudo o que havia de positivo nos movimentos populares e também na FMLN, mas criticavam suas ações terroristas e os assassinatos de civis. Eram a favor do diálogo e da negociação com as lideranças do movimento. Conversaram sobre isso com o presidente Cristiani, com os membros do governo, com políticos e diplomatas, inclusive alguns militares, mantendo-se firmes na denúncia de abusos e violações de direitos humanos por parte do exército e dos esquadrões da morte, denunciando seus crimes hediondos.
É uma idiotice - disse-me Sobrino - afirmar que eram a fachada ideológica da FLMN. Em vez disso, eram a fachada das maiorias populares, dos pobres e dos oprimidos do país. Sofriam quando a Igreja não era evangélica; quando olhava mais para si mesma e para a instituição do que para a dor das pessoas; quando vários eclesiásticos da hierarquia mostravam incompreensão e indiferença diante do sofrimento do povo e quando mandavam calar o Bispo Romero.
No dia 22 de março de 1990, às 7 horas da manhã, o bispo de São Félix (Brasil), o místico e poeta Pedro Casaldáliga, dirigiu-se ao centro pastoral “mons. Romero” para visitar o local do massacre. Encontrou-se por acaso com Obdulio, marido de Elba, a cozinheira, e pai de Celina, ambas crivadas de balas. Obdulio estava concentrado em seu trabalho. Ele estava colocando roseiras no lugar do martírio. Os dois se abraçaram. Queria dar algo para o marido e pai. Tinha um rosário e o deu a ele. Ele colocou em volta do pescoço. No dia seguinte, Casaldáliga, poeta já conhecido, escreveu estes versos dedicados à UCA e ao povo ferido:
Vocês já são a verdade na cruz e a ciência na profecia. E é total a companhia, companheiros de Jesus. O juramento cumprido, a UCA e o povo ferido ditam a mesma lição das cátedras-valas e Obdulio cuida das roseiras da nossa libertação. Em 5 de junho último, 34 anos após o massacre, o Procurador-Geral citou os nomes ao apresentar a acusação contra Alfredo Cristiani e os oito assassinos.
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El Salvador: os acusados do massacre dos jesuítas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU