Procura-se um antídoto para a extrema-direita. Destaques da semana

Arte: Marcelo Zanotti | IHU

12 Outubro 2024

Em semana de pós-eleições municipais, em meio à ressaca, as análises buscam compreender os fracassos e as vitórias do pleito. As mulheres seguem disputando um lugar ao sol nos espaços eclesiásticos e na política, ao mesmo tempo, um grande número de candidatos LGBT+ chega às Câmaras Municipais. Se abrem luzes no Sínodo católico para esse grupo, mostrando que há esperança. A guerra total e a ameaça nuclear continuam em nosso radar. Ainda vimos o papa surpreender com a nomeação de novos cardeais da periferia e cidades americanas esvaziadas à espera do furacão Milton. Esses e outros assuntos nos Destaques da Semana do IHU.

Confira os destaques na versão em áudio.

Prévia

As eleições municipais mostraram uma extrema-direita se apoderando das massas e podem ser uma prévia do que está por vir em 2026, mas ainda não sabemos se o Bolsonaro saiu fortalecido. Esse extremismo ainda pode contar com a entrada em cena de mais um ator, a depender das eleições norte-americanas em novembro próximo. Em muitos lugares, este foi um pleito marcado do continuísmo, como pontuou Luiz Marques. O professor acredita que “cabe à esquerda superar a selva de pedra neoliberal” para retornarmos à “cidade que queremos” . No mesmo sentido, Richard Sennett defende que, para superarmos os autocratas, “precisamos recuperar a experiência da vida pública, o reencontro direto com pessoas que não são como nós. É um aspecto social da performance, a ideia de se expor, de se deixar ver pelos outros. Isso não vai solucionar a política irracional que sofremos atualmente, mas dará às pessoas uma visão diferente dos outros”. Estaria nas propostas de Marques e Sennett o antídoto capaz de nos livrar da extrema-direita? 

Pós-bolsonarismo

A pesquisadora Esther Solano assinalou que o domingo marca a era “pós-bolsonarismo”, cuja identidade conservadora é mais ampla e depende apenas parcialmente do ex-presidente. Seria um mix de “denúncia do Estado corrupto, a defesa da ‘liberdade’, o empreendedorismo e a meritocracia”. A mudança na base social brasileira e adesão dos pobres à extrema-direita, mostra que “as esquerdas estão sem estratégia [...] não têm alternativas programáticas para a teologia da prosperidade dos evangélicos e para o discurso do empreendedorismo nas periferias a la Marçal”, advertiu o sociólogo Aldo Fornazieri

Parentesco

Celso Rocha Barros definiu bem quem é Pablo Marçal ao tentar compreender o que aconteceu na capital paulista: “Pablo Marçal, o neto que Jair teria se Carluxo tivesse engravidado Satã”. Ironias à parte, Rosana Pinheiro-Machado pesquisa há anos essas figuras e até ela se diz surpresa com o crescimento do coach na política e traça um retrato desses novos atores políticos: “O novo perfil da extrema-direita tem mais uma face de mercado do que de ditadura”. Segundo ela, trata-se de “um fenômeno global de populismo conservador alinhado com o que chamo de ideologia do mercado livre, que é uma lógica de empreendedorismo que se distancia do autoritarismo e do fundamentalismo religioso. Pablo Marçal se afasta do bolsonarismo tanto no sentido religioso quanto no sentido político”, destacou a pesquisadora.

Violência política e ambiental

Com sete casos de violência política por dia no primeiro turno no país, a Baixada Fluminense é o exemplo da vida política real.  Essas eleições também ficaram marcadas pela vitória de negacionistas do clima e criminosos ambientais. Tem prefeito multado por crimes ambientais e reeleito no Mato Grosso e no Pará. Há deputados que aprovaram projetos antiambientais e que passaram para o segundo turno. Na Amazônia, a esquerda ficou de fora das prefeituras e este é mais um sinal dos desafios que se impõe aos progressistas.

Em contrapartida...

...à adesão social ao Centrão, que ficou com mais da metade das prefeituras do país, e à extrema-direita, que ganhou em cidades importantes, houve a eleição de 241 pessoas LGTB+ em 190 municípios, o que equivale a um aumento de mais de 400% em relação a 2020. Porto Alegre apesar de deixar todos atônitos com a votação em Sebastião Melo, responsável em partes pela dimensão da tragédia das enchentes, elegeu as três primeiras travestis para a Câmara. 120 candidatos ligados ao MST foram eleitos e contou com um aumento nas candidaturas afrorreligiosas. Mas, em relação à presença feminina, o Brasil continua ocupando a modesta 132ª posição no ranking de igualdade de gênero.

Lá e cá

Uma boa notícia saiu no Diário Oficial. Lula aprovou o aumento da pena de reclusão para os crimes de feminicídio. A violência de gênero, em 2024, matou uma mulher a cada seis horas. Ainda sobre as mulheres, essa semana diferentes discussões abordaram a questão da presença feminina na Igreja Católica, principalmente depois da repercussão da apresentação desastrosa do prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé no começo do Sínodo da decisão de um “grupo de estudo” de negar o diaconato às mulheres. O teólogo Andrea Grillo classificou como raso e ironizou dizendo esse documento poderia ter sido escrito “meia hora”. 

Igreja mulher

O assunto repercutiu bastante nos últimos dias, por causa do freio ao diaconato feminino no Sínodo e também em decorrência das “derrapadas” do papa Francisco na Bélgica, quando ele “atacou” as mulheres e o aborto. “A Igreja Mulher”, como o pontífice aborda, esconde conceitos teológicos discriminatórios. O Vaticano até volta atrás em algumas questões, o que era impensável no passado recente da igreja, e agora o papa vai se reunir com as mulheres do sínodo no dia 19 de outubro. Para aquecer ainda mais o debate, os dados da pesquisa do Pew Research Center indicam que os católicos latino-americanos preferem mulheres padres do que padres casados, segundo o artigo do jesuíta Thomas Reese. Até porque, nos lugares mais remotos, a ordenação diaconal das mulheres não é necessária, pois são elas que estão à frente dos ministérios.   

Processo complexo

Muitas são as discussões e polêmicas postas à prova na segunda sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade, que traz à tona muitos outros temas complexos. Em meio aos burburinhos sobre os grupos de estudo, alguns defendem a aprovação de mudanças estruturais , enquanto o cardeal Schönborn diz que não há tempo para mudanças significativas. Tem participante cansado e quem defenda uma abordagem paciente ao longo do processo. A recente conversa  do papa com os jesuítas da Bélgica pode nos dar sinais do que Francisco pensa a respeito do papel da sinodalidade na Igreja hoje, algumas das tensões inerentes entre o uso dos sínodos e o poder do papado no catolicismo moderno. 

Desilusão

O retiro sinodal alimentou o entusiasmo dos membros sinodais, porém, bastou começarem as discussões, a desilusão bateu à porta de quem ansiava por transformações concretas. Caso do padre Thomas Schwartz. A teóloga Consuelo Vélez fez uma síntese do processo até agora. O teólogo espanhol José Arregi evocou Francisco de Assis para sensibilizar os participantes do Sínodo a caminhar rumo a uma igreja menos clerical.

Apelo generalizado

As questões de gênero se tornaram imperativas em todos os cantos do mundo. Aqui ou em Roma, elas não são diferentes. Tem chamado a atenção a inclusão dos LGBT+ no Sínodo com pequenos, mas importantes gestos. Como, por exemplo, a presença do futuro cardeal Timothy Radcliffe e do padre James Martin, ambos defensores da causa dos católicos LGBT+.

Da nobreza à periferia

A cor púrpura, que era utilizada desde a Roma antiga para simbolizar a nobreza e o poder, agora reflete o “sangue de Jesus” que se espalha nas periferias do mundo. Com as novas nomeações do colégio cardinalício, o Papa mais uma vez coloca os pobres e os excluídos no centro da missão da Igreja. Entre as novas indicações, Timothy Radcliffe, antes marginalizado, Jean-Paul Vesco, de Argel, Argélia, incansável defensor do diálogo-inter-religioso no país de maioria muçulmana, Carlos Gustavo Castillo Mattasoglio, de Lima, Peru adepto à Teologia da Liberação e Luis Gerardo Cabrera Herrera, de Guayaquil, Equador, Fiducia Supplicans, que fala a favor dos LGBT+ católicos.  

Triste aniversário

O dia 7 de outubro marcou o primeiro ano da incursão israelense contra a Palestina. Cerca de 42 mil vidas palestinas foram ceifadas, na maioria mulheres e crianças. Há, ainda, mais de 20 mil menores de 16 anos desaparecidos. Os números deste genocídio podem ser vistos no documentário da Al Jazeera, “Investigando os crimes de guerra em Gaza”, legendado em português e reproduzido na rede social da Fepal.

“Israel não é uma democracia”

O alerta vem de uma israelense, Iris Gur, que cresceu odiando os palestinos e agora tem uma melhor amiga que vem da Palestina e tem medo de expressar sua opinião em seu país. O ciclo da violência gira em looping e nunca cessa, desde 1917.  Israel, dando continuidade à barbárie, arrasta o Oriente Médio para a guerra total. Em conversa com a Casa Branca, Netanyahu falou da retaliação ao Irã, enquanto recrudesce os ataques no Líbano. Aqui no Brasil, a mídia que se de diz democrática, produz um jornalismo colonizado ao não criticar Israel. Em meio a isso, a descrição do Custódio da Terra Santa traz a descrição das imagens do Oriente Médio

Ameaça da bomba, ameaça da fome

A chegada no inverno na Europa traz outras preocupações para a guerra que se arrasta na Ucrânia. O chefe da Igreja Greco-católica da Ucrânia, Sviatoslav Shevchuk, alertou o Papa nesta quinta-feira, 10-10, sobre o risco da fome que poderá atingir seis milhões de ucranianos. Na sexta, Francisco encontrou-se com presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Na ocasião, o papa recebeu uma pintura a óleo que retrata a cidade de Bucha, onde nos primeiros tempos da guerra ocorreu um massacre perpetrado contra mais de 630 civis pelo exército russo. Zelensky percorre a Europa em busca de apoio e uma solução para o conflito. Mas os esforços e apelos pela paz parecem se distanciar do horizonte cada vez mais e o mundo segue o caminho de uma terceira guerra mundial. Neste cenário, seriam os europeus os novos migrantes? Quem pergunta é o jornalista argentino Alver Metalli

No olho do furacão

Um cenário de filme hollywoodiano, uma distopia, foi o que vimos na Flórida evacuada à espera do furacão Milton, que prometia tocar o solo inaugurando um novo nível de categoria. “Um monstro já previsto pela ciência”: aquecimento global, combinado com El Niño e águas dos mares e oceanos tão quentes criam fenômenos meteorológicos com uma energia extrema, que tende a transformar-se em gigantescos eventos destrutivos. Assim como foi o furacão Helene, no final de setembro. Uma amostra de que a crise climática não poupará ninguém, nem a mais rica e poderosa nação do mundo.

Aridez

”Pela primeira vez desde o início da série histórica, Brasil registra o nível mais crítico da seca em diversos pontos do território. Em setembro, área afetada foi maior que Pernambuco”, alertou matéria do Deutsche Welle. A semana eu passou também deixou um novo recorde histórico. O rio Negro atingiu o menor nível em mais de 120 anos e o rio Paraguai chegou a segunda menor marca já registrada, Manaus sentiu os efeitos da crise climática e da privatização da água: com recorde de calor, boa parte da população reclama da falta de água. A história do colapso climático brasileiro também pode ser contada pela relação entre o gado e o fogo: municípios com maior rebanho bovino do Brasil são os mais incendiados em 2024. Em ano recorde de queimadas, fogo já consumiu área do tamanho de Roraima

Nobel da Paz

Na sexta, 11 de outubro, foi divulgado o vencedor do Prêmio Nobel da Paz. Em meio às ameaças de uma nova guerra nuclear, quem levou a condecoração foi Nihon Hidankyo, organização japonesa dos hibakusha, os sobreviventes das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki. O prêmio foi atribuído “pelos seus esforços para alcançar um mundo livre de armas nucleares e por demonstrar através de depoimentos de testemunhas que as armas nucleares nunca mais deveriam ser usadas”, disse o presidente do Comitê Norueguês do Nobel, Jorgen Watne Frydnes. O que ninguém esperava era o veemente discurso de Toshiyuki Mimaki, defendendo a Palestina.

Em tempo

O centenário Edgar Morin fez mais uma assertiva construção teórica: “o paradoxo é que não só o progresso material não é acompanhado de nenhum progresso moral, mas também que os inúmeros conhecimentos que se multiplicam permanecem separados e compartimentados sem levar a um pensamento capaz de enfrentar os problemas humanos fundamentais”. Oxalá nos dê pistas para sair desse labirinto.

Desejamos uma boa semana e um voto consciente na verdade a todos e todas!