08 Outubro 2024
O artigo é de José Arregi, teólogo espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 04-10-2024.
Falo a vocês com todo respeito e liberdade. E se alguma expressão for severa demais, peço desculpas.
Me perguntei se deveria me dirigir “aos pais e mães sinodais”, mas acho que o título, como está, reflete melhor a composição da vossa Sala sinodal, cheia de pais. E não é que eu não veja vocês, e desta vez mais do que nunca; pode ser um avanço, mas também pode ser um gesto aparente para conter protestos e manter tudo como está. Vocês estão lá, falarão, votarão, mas não vejo paridade alguma entre vocês e eles. E não apenas em termos de número, o que também importa (54 mulheres contra 314 homens), mas sobretudo porque sua presença e função sinodal continuam (e me atrevo a dizer que continuarão) absolutamente, não só quantitativamente, subordinadas à figura e ao poder clerical masculino.
Mesmo que houvesse 314 mulheres, este Sínodo, como todos os anteriores, ainda seria assunto de bispos “consagrados”, todos homens. E se surgir uma questão espinhosa, crucial, nenhuma de vocês terá a última palavra; a última palavra será – ou já foi – dada por um homem "consagrado", o papa Francisco. Ele designou todos os membros sinodais, tanto homens quanto mulheres, ele deu as diretrizes sobre o que vocês podem ou não dizer, e ele decidirá e publicará, dentro de alguns meses, a Exortação pós-sinodal com as conclusões finais. Digo "ele", mas não sabemos quem realmente faz isso. Ele assina. É o sistema, e não será este Sínodo que o mudará, embora dentro de poucos dias ele entre em seu quarto ano.
Além disso, nada seria resolvido na Igreja acrescentando mães aos pais, instituindo o poder feminino sagrado ao lado do poder masculino sagrado, algo que não espero ver nem desejo. De fato, nada fundamental mudaria, mesmo na hipótese, totalmente irreal, de que Roma decidisse “consagrar” também a mulher como diaconisa, sacerdotisa, bispa ou papa. Seria, sem dúvida, mais justo do que o sistema atual exclusivamente patriarcal, pois eliminaria a discriminação de gênero, mas o mesmo modelo piramidal e hierárquico, o “ordem sagrada”, ainda persistiria, clerical no fim das contas. E não é essa a reforma radical que, há décadas e séculos, o espírito da vida exige da instituição católica. “A ninguém chamem de pai [ou de mãe, deveríamos acrescentar]. Todos vocês são irmãos e irmãs”, diz Jesus no evangelho de Mateus (23,8-9). Não há ordem sagrada derivada do céu. Nada é mais sagrado que a fraternidade-sororidade universal.
Mas essa perspectiva está totalmente ausente do organograma, do funcionamento, da própria estrutura do Sínodo. Isso nem sequer é discutido. O Sínodo, por sistema, como a instituição eclesial em geral desde os séculos III-IV, carrega a marca “sacerdotal” masculina, diretamente inspirada no antigo sistema sacrificial do templo judeu: a sacralização do poder, a separação entre uma elite superior (clérigos) e a imensa maioria dos “leigos” definidos negativamente, até pelo Concílio Vaticano II, como “aqueles que não são nem clérigos nem religiosos”, os que não têm poder na Igreja. Entre aqueles que ensinam, guiam e mandam, e aqueles que ouvem, são guiados e obedecem. Entre aqueles que representam Deus e os que representam apenas a si mesmos. Isso é a negação da fraternidade-sororidade, e constitui a raiz de todos os problemas estruturais da Igreja Católica Romana.
E não há sinais de que este Sínodo vá eliminar essa raiz clerical, apesar do seu nome redundante (“Sínodo da sinodalidade”), apesar da retórica, e de toda a boa vontade – que sinceramente reconheço – do papa que o convocou, de todos que participaram do processo por três anos e de todos que sentam, conversam e votarão na Sala sinodal sem poder decidir nada importante. Nem este sínodo, como todos os anteriores, abolirá o clericalismo. De fato, nenhum dos documentos-base que servem de guia para os diálogos e debates dos 368 “pais sinodais” permite sequer questionar o modelo clerical vigente. Vamos a alguns exemplos.
Primeiro, o Instrumentum laboris desta segunda sessão da assembleia sinodal. Em nenhum momento ele questiona o modelo hierárquico clerical; pelo contrário, ele afirma repetidamente a diferença entre ministérios “comuns” derivados do batismo e os ministérios “ordenados”, superiores, os únicos investidos de poder para presidir a eucaristia, “absolver pecados” e “consagrar” diáconos, presbíteros ou bispos. E, caso haja alguma dúvida, afirma: “Em uma Igreja sinodal, a competência decisória do bispo, do Colégio Episcopal e do Pontífice Romano é inalienável, pois está enraizada na estrutura hierárquica da Igreja estabelecida por Cristo” (n. 70). Nenhum membro do Sínodo, por mais pai que seja, pode mudar isso. Nem pode falar sobre isso.
Além disso, o Documento chamado “Contribuições teológicas, canônicas, pastorais”, publicado em agosto passado pela Secretaria Geral do Sínodo sobre a Sinodalidade, é um florilégio tedioso de referências bíblicas, teológicas, conciliares e papais, com considerações e propostas triviais. Afirma que é desejável que a comunidade eclesial participe de alguma forma não só na consulta, mas também na deliberação, mas conclui: “A deliberação na Igreja acontece com a ajuda de todos, mas nunca sem a autoridade pastoral que decide pessoalmente em virtude da ordenação e de seu ofício” (n. 11.3). Esse final é o começo. E dentro da ordem sagrada, limita-se a recomendar uma “saudável descentralização” (n. 23). Isso é tudo.
Do vosso calendário sinodal, desapareceram alguns temas cruciais que poderiam apontar, pelo menos simbolicamente, para a reforma profunda e necessária da Igreja Católica Romana: o acesso das mulheres ao “ordem sacerdotal” e até mesmo ao “diaconato consagrado”, o celibato sacerdotal, pessoas LGBTQ+... Será, inevitavelmente, um sínodo de pais.
Vocês têm limites bem definidos que não poderão ultrapassar. O papa Francisco poderia ultrapassá-los? Ele poderia, em teoria, pois possui poder absoluto. Mas todos sabem que nada é mais relativo do que um poder absoluto. O poder absoluto de um papa depende de sua história e de suas relações: seu conhecimento, seus critérios políticos e teológicos, suas preferências e escolhas. Tudo é relativo no exercício do poder absoluto.
É evidente que o modelo de Igreja do papa Francisco continua sendo inteiramente clerical. Ele tem todo o direito, assim como qualquer um, de ter sua própria visão, desde que não queira impô-la. Aí começam os problemas. De qualquer forma, não será este papa que abolirá o clericalismo, e isso me parece tão certo quanto suas frequentes advertências contra o clericalismo. Ele deixou isso bem claro no vídeo transmitido em 1º de outubro, no dia do retiro com que vocês iniciaram este Sínodo. “Os sacerdotes, diz ele, não somos os chefes dos leigos, mas seus pastores.” E os pastores comandam as ovelhas, independentemente do que elas digam e sem que tenham escolhido seu pastor. Assim continuará. Ele também diz: “Os leigos, os batizados, estão na Igreja como em sua própria casa, e devem cuidar dela. Assim como nós, os sacerdotes, os consagrados. Cada um contribuindo com o que sabe fazer melhor." Quem sabe e pode dirigir um ônibus (ele usa esse exemplo), dirigindo um ônibus, e quem sabe e pode ensinar e mandar na Igreja, ensinando e mandando. Com uma importante ressalva: são os “consagrados” (por quem? Desde quando?) que decidem o que cada um sabe, pode e deve fazer. Clericalismo em sua pura essência, lamento.
Nada fundamental mudará na Igreja enquanto não mudar radicalmente a mentalidade teológica de seus pastores consagrados atuais. A Igreja não poderá ser profética e um sinal de comunhão em um mundo tão dilacerado enquanto não mudar sua estrutura clerical, enquanto ela mesma não for, interna e externamente, uma verdadeira comunhão fraterna-sororal. E não pelo bem da Igreja, mas pelo bem da humanidade e do planeta.
Hoje, evoco o “trânsito” (a morte, a passagem para a Vida) de Francisco de Assis, o Irmão Poverello, em 1226, aos 45 anos, e amanhã celebrarei sua festa. O velho mundo medieval de reis e senhores e castelos, de papas e clérigos e grandes mosteiros, de camponeses e servos e leprosos sociais, estava se desmoronando. Um novo mundo, e uma nova igreja queriam emergir. Esse foi o sonho de Francisco. Ele não quis ser senhor nem rico, nem clérigo nem monge. Rompeu com seu pai, um rico comerciante, figura de uma burguesia nascente que buscava derrubar o velho mundo com as mesmas armas: a riqueza e o poder. Um dia, Francisco disse ao seu pai: “Não te chamarei mais de ‘meu pai Bernardone’”. E rompeu com todo o patriarcado social e eclesial, embora nunca tenha lutado contra ninguém. Ele apenas quis viver como peregrino, sempre a caminho, sem propriedade nem casa, como Jesus, sendo o irmão menor de todos os seres humanos e de todas as criaturas, anunciando a paz e sem condenar ninguém. E isso o fazia feliz, não sem grandes feridas em seu corpo e alma.
Permitam-me, portanto, saudá-los e falar com o respeito, a liberdade e as palavras que o Irmão Francisco gostava:
“Paz e bem, irmãs e irmãos sinodais. Renovem o sonho do Irmão Francisco, encarnem sua liberdade fraterna. Não se prendam ao que foi dito, ensinado ou feito em outros tempos. Não se prendam a doutrinas e estruturas do passado. Não se apeguem nem mesmo ao que Jesus disse ou não disse, fez ou não fez há 2000 anos. Ouçam a voz que vem do coração do mundo e de todas as criaturas, nossas irmãs: ‘Eis que faço novas todas as coisas’.”
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“Aos padres sinodais, inevitavelmente”. Artigo de José Arregi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU