10 Setembro 2024
A maioria das questões mais candentes que dominaram o sínodo do Papa Francisco sobre o futuro da Igreja Católica em outubro passado, como as mulheres diáconas e o acolhimento de católicos LGBTQ, não estará mais na agenda quando os prelados e delegados leigos retornarem a Roma em outubro para a assembleia de encerramento do encontro que durará um mês.
A reportagem é de Christopher White, publicada por Garrigues Et Sentiers, 04-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em vez disso, de acordo com um documento há muito aguardado publicado pelo Vaticano em 9 de julho, os participantes da segunda sessão do sínodo sobre sinodalidade serão solicitados a considerar como as estruturas da Igreja podem incentivar uma maior participação e onde há espaço para a “diversidade legítima” entre as Igrejas locais em várias questões e práticas.
Entre as áreas identificadas pelo documento estão a necessidade de envolver mais as mulheres nos “processos de elaboração (decision-making) e de tomada de decisões (decision-taking)” dentro da Igreja, a possibilidade de mulheres e homens leigos pregarem durante a missa, o exame de como construir uma cultura da transparência e da responsabilidade na Igreja e a criação de novos ministérios para a escuta e o acompanhamento.
Mas também esclarece que algumas das questões mais polêmicas, que surgiram continuamente durante um processo consultivo de três anos e na reunião de outubro passado no Vaticano, serão abordadas, na realidade, por grupos de trabalho (compostos por teólogos e funcionários do Vaticano) criados pelo Papa, e que a maioria das questões mais delicadas recaem dentro da alçada do poderoso Dicastério para a Doutrina da Fé.
O instrumentum laboris do ano passado - o termo latino para o documento de trabalho que orienta as discussões do sínodo - tinha 60 páginas e listava vários temas e preocupações que surgiram durante as milhares de sessões de escuta realizadas em todo o mundo. Mas o documento de trabalho deste ano, intitulado “Como ser uma Igreja sinodal missionária”, tem a metade do tamanho e se concentra na vida sinodal da Igreja, examinando suas estruturas, as relações e os contextos específicos no mundo.
Durante a última década, a sinodalidade surgiu como um tema fundamental do pontificado de Francisco e como meio para implementar as reformas do Concílio Vaticano II e infundi-las nas práticas da Igreja de hoje.
No ano passado, Francisco revisou a metodologia e a composição do sínodo para incluir homens e mulheres leigos e conceder a eles o direito, pela primeira vez, de serem nomeados como membros votantes plenos do principal órgão consultivo da Igreja Católica. Durante a assembleia de 2023, a metodologia revisada incluía mesas redondas de “diálogos no espírito”, nas quais, ao longo de um mês de encontros, os delegados discutiram e debateram mais de 100 questões específicas.
O novo documento de trabalho foi elaborado com base nos resultados de mais de 100 relatórios das conferências episcopais de todo o mundo e mais de 200 comentários de teólogos, congregações religiosas e grupos externos após o encontro de outubro de 2023.
Enquanto os cerca de 400 participantes do sínodo se preparam para retornar ao Vaticano para a assembleia de encerramento, de 2 a 27 de outubro, o objetivo declarado do documento de 2024 é ajudar a orientar o diversificado órgão no “amadurecimento de um consenso” que será enviado ao Papa para a consideração final.
De acordo com o novo documento de trabalho, a expansão da “participação e do exercício da corresponsabilidade” de mulheres e homens leigos surgiu em todas as fases do processo sinodal, levando a uma série de propostas das conferências episcopais de todo o mundo. Entre as recomendações incluídas no relatório estão os pedidos de mais espaços para o diálogo, para que as mulheres possam compartilhar as suas experiências e pontos de vista, um maior acesso a posições de responsabilidade nas dioceses e em outras instituições da Igreja, um maior reconhecimento do trabalho das mulheres consagradas, a inclusão de mulheres na formação dos seminários, um aumento no número de mulheres que desempenham a função de juízas nos processos canônicos da Igreja e uma linguagem mais inclusiva na pregação, na catequese e nos documentos oficiais da Igreja.
Com relação à tão discutida questão da retomada do diaconato feminino - que se revelou a questão mais conflituosa na assembleia do último encontro - o documento de trabalho indica que essa é uma questão que será tomada em consideração por um dos grupos de estudo criados pelo Papa no início deste ano.
Especificamente, o documento indica que o grupo de estudo levará em consideração os resultados das duas comissões previamente instituídas por Francisco para estudar as questões históricas relativas à ordenação das mulheres ao diaconato, a fim de “contribuir para o seu amadurecimento”. A inclusão de mulheres diáconas no documento de trabalho e a referência à natureza aberta do debate são dignas de nota, considerando os comentários do próprio Papa sobre a questão em uma entrevista em maio, na qual ele expressou sua firme oposição à questão. Na época, a natureza aparentemente definitiva das observações de Francisco surpreendeu a muitos, pois a questão ainda é atual no processo sinodal.
Para além das questões relacionadas à liderança feminina, o documento amplia o escopo das questões que envolvem os leigos de forma mais geral, propondo a possibilidade de pregar durante a missa para homens e mulheres leigos formados e estender uma série de ministérios batismais que são distintos da ordem sagrada.
O documento de trabalho observa que, em alguns contextos, a lei da Igreja já permite que os leigos sejam nomeados para coordenar as comunidades da Igreja, servir como ministros extraordinários do batismo e participar de casamentos.
“Essa reflexão deveria ser acompanhada por um exame mais aprofundado de como podemos promover mais formas de ministério laical, mesmo fora da esfera litúrgica”, afirma o documento.
Enquanto o documento de trabalho para o sínodo do ano passado apresentava uma série de perguntas abertas e tópicos divididos entre os diferentes grupos, os delegados da assembleia deste ano discutirão todos o mesmo texto e as mesmas propostas, divididas em três temas interconectados: as relações, os percursos e os lugares.
De acordo com o documento, os delegados serão convidados a refletir sobre a natureza das várias relações na vida sinodal da Igreja “com o Senhor, entre irmãos e irmãs e entre as Igrejas”, sobre as formas interligadas de promover a transparência, a prestação de contas e uma maior corresponsabilidade, e sobre como um discernimento maduro da Igreja local possa permitir uma maior diversidade que também contribua para um senso mais profundo de comunhão e catolicidade.
Ao examinar os temas da responsabilidade e da transparência - que, de acordo com o documento, incluem os abusos sexuais e financeiros, mas também os métodos de evangelização, as condições de trabalho e o planejamento pastoral - o documento esclarece que uma Igreja sinodal deve levar em conta toda a comunidade, não apenas as pessoas investidas de autoridade específica.
“Embora a prática da prestação de contas aos superiores tenha sido preservada ao longo dos séculos, a dimensão da prestação de contas da autoridade à comunidade deve ser recuperada”, afirma o documento. “A transparência deve ser uma característica do exercício da autoridade na Igreja.” O documento também expande o escopo e o papel das Igrejas locais em garantir que a prática da sinodalidade seja estabelecida localmente, ao mesmo tempo em que reconhece que a descentralização provavelmente significará que diferentes Igrejas poderão ter abordagens diferentes para determinadas questões.
“A adoção de um estilo sinodal nos permite superar a ideia de que todas as Igrejas devem necessariamente se mover no mesmo ritmo em todas as questões”, afirma o documento. “Pelo contrário, as diferenças de ritmo podem ser apreciadas como expressão de uma diversidade legítima e como uma oportunidade para uma troca de dons e enriquecimento mútuo. Para ser realizado, esse horizonte deve ser encarnado em estruturas e práticas concretas”.
Durante a coletiva de imprensa que apresentou o documento de trabalho, realizada em 9 de julho, os jornalistas perguntaram ao Cardeal Mario Grech, que dirige o Escritório sinodal vaticano, se a questão das mulheres diáconas ainda seria atual, dadas as recentes declarações do papa. O cardeal respondeu que é necessária uma reflexão teológica mais aprofundada, conduzida pelo Escritório doutrinário vaticano, que poderia levar a um documento separado. Embora o documento enfatize o papel dos leigos e das mulheres em particular, o documento de trabalho foi apresentado por quatro clérigos do sexo masculino.
Questionado sobre os motivos dessa escolha, o Cardeal de Luxemburgo Jean Claude Hollerich, relator geral do Sínodo, disse que uma maior diversidade é “a situação ideal para a qual queremos avançar”, mas que os quatro clérigos europeus no palco representam “a situação atual”. Hollerich também enfatizou que, embora o documento de trabalho sirva de base para a reunião de outono, “a assembleia de outubro deve ser entendida como parte de um processo mundial”. Depois continuou citando uma série de exemplos, da Coreia ao Zimbábue, onde, em sua opinião, o método sinodal “já está tendo um impacto significativo e multidimensional nas Igrejas locais” que está estimulando a mudança pastoral.
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A agenda do Sínodo sobre a Sinodalidade se concentra em participação e inclusão, e não em questões candentes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU