22 Novembro 2023
"Depois de tentar mudar a percepção do Papado, o Papa Francisco está trabalhando da mesma forma no Dicastério para a Doutrina da Fé. No final das contas, isso não é surpreendente. Ele havia escrito ao Cardeal Fernandez, então arcebispo, na época da nomeação, que 'no passado', a Congregação havia operado de maneira muito rígida e até imoral", escreve -11-2023.
Desde que o Cardeal Victor Manuel Fernandez se tornou prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o site do Dicastério tem divulgado várias respostas dadas em nome do Papa Francisco a perguntas provenientes de todo o mundo, desde as dúvidas de cinco cardeais até o pedido de um bispo filipino sobre o que fazer diante do crescente envolvimento com a Maçonaria entre os fiéis.
A novidade não está tanto no fato de essas perguntas chegarem ao Papa, mas na frequência com que as respostas a elas são publicadas. Até agora, a prática padrão era responder de forma privada, exceto em casos em que temas de interesse geral eram discutidos.
Agora, no entanto, a prática parece quase invertida. Pelo menos, a publicação de respostas está se tornando mais frequente. Isso pode sinalizar uma mudança no trabalho do Dicastério, o que, em última análise, reflete a maneira de governar do Papa.
Depois de tentar mudar a percepção do Papado, o Papa Francisco está trabalhando da mesma forma no Dicastério para a Doutrina da Fé. No final das contas, isso não é surpreendente. Ele havia escrito ao Cardeal Fernandez, então arcebispo, na época da nomeação, que "no passado", a Congregação havia operado de maneira muito rígida e até imoral. A carta papal que acompanhou a nomeação de Fernandez já era uma novidade na história – nenhum prefeito antes de Fernandez a recebeu – e a aplicação da carta também é igualmente singular.
O Papa Francisco sempre quis remover o véu de segredo do Papado, cortando os intermediários passo a passo. Isso é uma das razões pelas quais ele escolheu dar tantas entrevistas. Ele também se submeteu a perguntas de jornalistas durante coletivas de imprensa em voo. É quase como se o Papa Francisco se visse como o principal condutor de sua própria narrativa.
Não devemos ser mal interpretados: Francisco toma decisões sozinho. Ele nem sempre fornece razões para suas escolhas. Pelo contrário. Mas o fato de ele ter mostrado transparência, abertura, até mesmo ingenuidade – se quisermos chamá-la assim – em suas expressões públicas faz parte de um desejo genuíno de tornar o Papado algo mais próximo do povo. O povo deve poder se sentir próximo do Papa, e o Papa deve estar próximo do povo.
A Congregação para a Doutrina da Fé é chamada a fazer o mesmo. Já reformado pelo Papa Francisco e dividido em duas seções com responsabilidades específicas, o Dicastério agora é chamado a ser aberto e transparente em suas respostas. Acima de tudo, ser pastoral. A resposta às dúvidas dos cinco cardeais é um exemplo clássico. O Dicastério não responde sim ou não; em vez disso, faz uma análise estendida da situação, a ponto de deixar uma interpretação aberta.
Isso não significa que o Papa Francisco queira mudar a doutrina. Em vez disso, significa que o Papa Francisco quer mudar como a doutrina da Igreja é vivida. É uma mudança pragmática, que também se torna paradigmática. No final das contas, a prática muitas vezes reflete a vida, que é bagunçada. Um exemplo de como algumas bases doutrinárias permanecem sólidas é a resposta à pergunta sobre a afiliação à Maçonaria por católicos. É proibido, é dito claramente, referindo-se ao documento de 1983 da mesma Congregação, que deixou claro que católicos não podiam ingressar na Maçonaria. No entanto, o que está sendo solicitado é ação pastoral e, no máximo, uma declaração pública. Acima de tudo, pede-se catequese para que as pessoas compreendam.
A questão da formação é crucial, e também é essencial para o Papa Francisco, que lançou o pacto global pela educação. O ponto, no entanto, é definir que tipo de formação é essa. O Papa Francisco explicou claramente em sua reforma da Pontifícia Academia de Teologia, mas mesmo antes disso, em Veritatis gaudium. O mundo católico, diz ele, também deve ser capaz de adotar as categorias de disciplinas além da teologia para explicar a fé. O tema é delicado. Poder-se-ia objetar que o mundo teológico deveria, em vez disso, encontrar uma linguagem própria, uma linguagem própria da fé, para descrever o mundo. No entanto, o Papa Francisco acredita que este é o caminho, juntamente com o tema da interdisciplinaridade (ou transdisciplinaridade), e o central. É uma abordagem mais pragmática, mas é a de Francisco.
Mais uma vez, o Papa Francisco mostrou certa desafeição por decisões institucionais. Ele frequentemente usou motu proprio e documentos magisteriais "leves" para fazer escolhas, escapando das malhas do controle teológico, com a convicção de que "as realidades são maiores que as ideias" e que "o tempo é superior ao espaço". O Papa inicia processos e depois observa como esses serão conduzidos.
O Dicastério para a Doutrina da Fé parece agir de maneira semelhante. A ausência de números de protocolo nas respostas foi observada, assim como a ausência da data na margem. Há uma certa desafeição pelas regras genéricas com as quais os documentos no Vaticano foram compilados por anos. Anteriormente, o número de protocolo sozinho ajudava a definir a autenticidade de um documento. Agora, a autenticidade é dada por sua publicação no site oficial – impossível sem a autorização do superior – mas não por sua forma.
Este detalhe leva a outra questão, ou seja, que, sem regras específicas, é o superior quem decide tudo. Assim como o Papa Francisco governa sozinho, o Cardeal Fernandez toma decisões, falando diretamente com o Papa. Talvez haja uma sessão de feria IV – que é a reunião regular de quarta-feira do DDF – para discussão geral com todos os funcionários do Dicastério, mas a impressão é de que esta reunião não será tão decisiva.
Isso nos leva ao último ponto. A reforma do Dicastério para a Doutrina da Fé dividiu o Dicastério em duas seções. Anteriormente, quatro escritórios convergiam sobre o tema da fé, e as reuniões de quarta-feira reuniam todos os problemas mais críticos sob um único guarda-chuva.
A reforma, ao contrário, dividiu o Dicastério em duas Seções distintas, cada uma com suas responsabilidades: uma seção doutrinária e uma seção disciplinar. A clara divisão de tarefas deveria garantir, nas intenções do Papa Francisco, mais eficiência. O risco é perder a visão geral e ideal em favor de uma melhor organização.
É um equilíbrio difícil de alcançar. Mas é isso que o Papa Francisco está buscando. Tanto é assim que até o último consistório, que incluiu uma discussão (era 2022), dividiu os cardeais em grupos, e o sínodo imediatamente dividiu os participantes em círculos menores, cada um com seu subtema para discutir.
Com Fernandez no comando, o Dicastério para a Doutrina da Fé de alguma forma se tornou o espelho do pontificado de Francisco. Ele substituiu a Secretaria de Estado como o departamento mais crítico, mesmo que não de maneira funcional, mas sim devido à proximidade pessoal de seu prefeito com o Papa, o que é paradoxal.
Quando Bento XVI se tornou Papa, parte da narrativa era que ele dava pouca importância ao lado diplomático em favor do escritório de vigilância doutrinária. Isso às vezes era estilizado como uma espécie de "vingança" do antigo Santo Ofício, que reprisou seu papel como La Suprema em detrimento dos diplomatas na Secretaria de Estado – uma leitura exemplificada pela nomeação do Cardeal Tarcisio Bertone, ex-secretário da Doutrina da Fé, como Secretário de Estado. Francisco elogia os diplomatas a cada passo, mas qualquer pessoa pode ver que Fernandez no DDF é a mão direita de Francisco. Isso também é paradoxal.
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Papa Francisco e a nova doutrina da fé. Artigo de Andrea Gagliarducci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU