24 Abril 2024
"A razão para conferir a ordem do diaconato também às mulheres é de natureza diferente: diz respeito à missão da Igreja na sua condição atual", escreve o teólogo Giacomo Canobbio, ex-presidente da Associação dos Teólogos Italianos, professor de Teologia Sistemática na Faculdade Teológica da Itália Setentrional, diretor científico da Academia Católica de Brescia e delegado episcopal para a pastoral da cultura, em artigo publicado por Missione Oggi, n. 2, março-abril de 2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Às vezes, as práticas precedem as doutrinas e essas são moldadas seguindo algumas intuições que precisam depois encontrar justificativa e, portanto, ilustração. Sabe-se que, a partir do final do primeiro milênio, na Igreja latina o diaconato foi considerado simplesmente uma etapa de passagem para o presbiterado, e só com o Concílio Vaticano II surgiu a possibilidade de o valorizar como estado permanente, além de grau do sacramento da Ordem.
A Constituição Lumen gentium, no n. 29, depois de descrever as funções que os diáconos deveriam desempenhar, afirma que “o diaconato poderá ser, para o futuro, restaurado como grau próprio e permanente da hierarquia”. As razões que levaram a essa decisão - na verdade bastante fracas: note-se o verbo "poderá", que reflete a resistência de alguns padres conciliares – devem ser buscadas em dois fatores:
a) a redescoberta da figura da Igreja dos primeiros séculos de parte da teologia nas décadas anteriores ao Concílio levava a retomar funções então presentes e quase esquecidas na Igreja latina;
b) as necessidades da missão. Essa segunda razão, já expressa na LG 29, assume nova ênfase no Decreto Ad Gentes, onde no n. 16 deixa às Conferências Episcopais a tarefa de restaurar a ordem diaconal como um estado permanente, reconhecendo funções já exercidas por alguns homens onde há escassez de clero.
Na perspectiva desse Decreto, a imposição sacramental das mãos não visa completar a articulação do ministério ordenado, mas sim dar um reconhecimento oficial ao diaconato de fato já exercido por alguns homens (viri) pela pregação da palavra de Deus como catequistas, a liderança de comunidades cristãs distantes (a esse respeito merece atenção que não são usados os verbos praesidere ou preesse, mas sim moderari; não é por acaso está escrito que os diáconos desempenham essa função em nome do bispo ou do pároco), o exercício da caridade com obras sociais e caritativas.
No texto da AG merece atenção que a imposição sacramental das mãos remonta aos Apóstolos, embora não se diga que o grau do diaconato seja de origem apostólica. Com efeito, na LG 28, quando se introduz a descrição do ministério presbiteral, não se coloca que a articulação hierárquica em bispos, presbíteros e diáconos seja de instituição divina, mas que o é o ministério eclesiástico; isso depois “é exercido em diferentes ordens por aqueles que já antigamente eram chamados bispos, presbíteros, diáconos”. Desse fugaz olhar ao Vaticano II pode-se afirmar que o Concílio abriu uma trilha, mas não marcou o percurso completo.
Caberá à experiência posterior dar substância às intuições originais, sob o impulso das necessidades da missão e da reflexão teológica. Esta, além de retomar e desenvolver as pesquisas especialmente histórico-litúrgicas das décadas anteriores ao Concílio Vaticano II, prestava atenção à visão das outras Igrejas, especialmente as Ortodoxas, nas quais o diaconato havia sido conservado. Os âmbitos de pesquisa variavam desde a releitura do Novo Testamento, às práticas dos primeiros séculos, às razões do abandono desse ministério como estado permanente na Igreja Latina, à particularidade desse grau de ministério em relação aos outros dois (episcopado e presbiterado), à possibilidade de reconhecer a ordenação sacramental para o diaconato também para as mulheres. Os resultados das pesquisas não são comumente partilhados: um sintoma disso é o fato que o Relatório apresentado ao Papa no final da primeira etapa do Sínodo, em outubro de 2023, fale de “incertezas” relativamente à teologia do ministério diaconal e dê conta - ainda que de forma sumária - de uma pluralidade de experiências (cf. n. 11g.i), sem falar na divergência de opiniões sobre a possibilidade do diaconato feminino.
No fundo das “incertezas” e divergências estão questões de carácter geral, sobre o carácter normativo das figuras da Igreja atestadas no Novo Testamento, o significado de Tradição, a capacidade de prestar atenção tanto às necessidades atuais da missão como aos sinais dos tempos, entre os quais desde o pontificado de João XXIII é reconhecida a consciência das mulheres de terem os mesmos direitos que os homens.
Para tentar sair dessas “incertezas” parece que não se pode pretender encontrar no novo Testamento indicações precisas: mesmo o texto mais citado para descrever a tarefa dos diáconos como o serviço às mesas (cf. At 6,1-6), examinado bem, não prova nada; de fato, os únicos dois “diáconos” mencionados depois de ter listado sete, isto é, Estêvão e Filipe, fazem tudo menos servir às mesas. Essa constatação poderia reforçar uma opinião segundo a qual os diáconos nas Igrejas primitivas desempenhavam uma tarefa missionária: levar o Evangelho além das fronteiras das comunidades já estabelecidas. Mesmo que se aceitasse essa opinião – que não deveria ser facilmente descartada em nome da diakonia, que no grego ambiental significava justamente serviço às mesas: levando em conta os dois exemplos dados, o serviço a realizar é principalmente aquele da Palavra que dá vida; não é por acaso que diakonia é traduzido como “ministério”, e este principalmente no Novo Testamento é sobretudo ministério da Palavra – essa função não poderia ser a única que o diácono deveria realizar: ao longo do tempo, de fato, foram e são as necessidades da missão que moldam as formas de ministério; de maneira que pretender que da compreensão "dogmática" do diaconato derive uma única função seria não levar em conta nem as razões que lhe deram origem nem a variações que ele mesmo experimentou. A única aquisição que parece indiscutível - pelo menos segundo o Vaticano II e a sua recepção – é que o diaconato pertence ao ministério ordenado. No entanto, é preciso especificar que lhe pertence de uma forma singular.
Isso já pode ser percebido pela expressão que aparece na LG 29: “Em grau inferior da hierarquia estão os diáconos, aos quais foram impostas as mãos ‘não em ordem ao sacerdócio mas ao ministério (ministerium)’”. A expressão, com a citação resumida das Constituições da Igreja egípcia, onde depois de ministerium colocava episcopi, para lembrar que na ordenação dos diáconos só o bispo impõe as mãos, quer esclarecer que o ministério do diácono não é sacerdotal, como o do bispo e do presbítero.
O esclarecimento é utilizado por quem acredita que o diaconato ordenado também seja possível para as mulheres. A questão se atém à Carta apostólica de João Paulo II, Ordinatio sacerdotales (22 de maio de 1994), com o qual a questão do sacerdócio para as mulheres se declarava encerrada. Ora, se o ministério diaconal não é sacerdotal, pode ser superado o obstáculo representado pela declaração recém citada. Pode parecer um estratagema, mas também pode ser interpretado como uma forma de abordar a questão com rigor teológico: a teologia não pode prescindir do Magistério.
É óbvio que a razão para conferir a ordem do diaconato também às mulheres é de natureza diferente: diz respeito à missão da Igreja na sua condição atual. Não se trata simplesmente de perseguir as instâncias “reivindicativas” das mulheres, como alguns consideram, e, portanto, de sucumbir às orientações da cultura. Trata-se mais de compreender como prestar atenção aos sinais dos tempos: não se pode esquecer que a cultura ajuda a ampliar a compreensão da Sagrada Escritura e que a Tradição não é uma repetição do passado, mas seu desenvolvimento, na fidelidade criativa. Deve-se ter em conta que o diaconato feminino, como toda inovação, pode parecer uma ruptura: a preocupação pela continuidade quando estão em jogo questões fundamentais é sinal de sabedoria. Contudo, há que se levar em conta também que o Espírito pode abrir percursos inéditos quando se trata de realizar a missão.
Observando as dinâmicas “inovadoras” que o Novo Testamento nos atesta, podemos perguntar-nos se a partir da vida das comunidades primitivas não se possa aprender uma fidelidade criativa em vez de uma reproposição de uma das figuras que nos deixaram como legado e que se tornou aquela mais reconhecida. O pedido de um diaconato feminino também manifestado durante o Sínodo para a Amazônia, além da reflexão das teólogas, deve ser considerado com atenção e ponderação, ouvindo também as experiências das outras Igrejas cristãs, considerando que desde o Vaticano II foi reconhecido que o Espírito também age nelas.
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Mulheres diáconas? Um sinal dos tempos. Artigo de Giacomo Canobbio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU