03 Agosto 2023
Com a devida atenção, em recente artigo publicado na Settimana News intitulado “O sagrado e o poder”, prof. G. Lorizio intervém no debate levantado pelas declarações de Zollner em uma entrevista ao "Domani" e das considerações de Ferrario sobre o tema da “estrutura hierárquica” do ministério católico.
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma. O artigo é publicado por Come Se Non, 01-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A frase de Zollner da qual parte a análise de Lorízio é a seguinte: “os abusos encontrariam seu húmus em ‘uma estrutura hierárquica’ investida de poder sagrado, que faz com que padres, religiosos e bispos sejam considerados seres superiores, não graças a competências pessoais ou profissionais, mas simplesmente porque desempenham uma função. Isso é agravado pelo fato de que esse privilégio é reconduzido à esfera divina, portanto, a algo que está além de qualquer justiça terrena. Nós somos considerados um mundo à parte e isso é teologicamente muito perigoso porque não respeita o pilar do cristianismo, ou seja, que Jesus Cristo se fez homem aceitando se submeter à justiça terrena”.
Diante dessas afirmações, de certa forma reforçadas pelo comentário de Ferrario, que identificaria nisso o próprio coração da "eclesiologia católica", Lorizio introduz duas distinções preciosas, embora, como direi, limitadas:
– a doutrina católica deve ser identificada a partir do Vaticano II, e não pode ser esmagada sobre a concepção de “poder sagrado”;
– mesmo assim, uma “mentalidade difundida” continua a cultivar o imaginário pré-conciliar e a tornar pouco eficazes as viradas e as aberturas do Vaticano II.
Uma "apologética católica" certamente tem suas razões e pode ser conduzida corretamente com base nessa distinção inicial. No entanto, parece-me que a denúncia de Zollner e a consideração fundamentais de Ferrario não sejam facilmente contestáveis com base na distinção proposta.
Vou tentar explicar o porquê.
Uma "doutrina católica" sobre o ministério certamente encontrou no Concílio Vaticano II um verdadeiro “novo começo". Como enfatizado muitas vezes pelo Pe. Lafont, ter saído da perspectiva das "duas potestades" (de ordem e de jurisdição) e ter relido toda a ministerialidade com base nos “tria munera Christi” é uma operação realmente capaz de reler a tradição de uma nova maneira. Mas uma doutrina católica sobre o ministério não pode ser construída hoje apenas saltando para os textos de 60 anos atrás, mas examinando cuidadosamente como aqueles textos foram recebidos (ou não recebidos) ao longo dos 60 anos subsequentes. E aqui, infelizmente, devemos reconhecer, mesmo permanecendo católicos, que o magistério católico em grande parte obstruiu ou contradisse as indicações conciliares. Eu gostaria de mencionar apenas 3 passos problemáticas, que não podem ser ligados à "mentalidade difundida", mas que contribuem para a construção de uma “doutrina” que Zollner e Ferrario podem/devem justamente contestar.
Gostaria de apresentá-los como “três imunidades” do poder sagrado.
No código de 1983, com um cânone construído ex novo, o 752, fica estabelecido que o papel do teólogo, face ao magistério, é puramente acessório: só pode confirmar o magistério (autêntico, definitiva ou infalível), mas deve permanecer em silêncio sobre qualquer crítica. Tal cânon, escrito 20 anos depois do Concílio, é o primeiro sinal de "obstinação magistral" na visão em termos de "poder" e não de “sacramento”.
Em 1994, com a Ordinatio Sacerdotalis, o magistério, em seu mais alto grau, confirma a leitura em termos de “potestas” de forma absolutamente paradoxal. Afirmando “não ter a faculdade de ordenar as mulheres”, afirma, de forma invertida, conservar (sem verdadeiras razões teológicas) a potestas de excluir as mulheres do ministério sacerdotal. Também aqui a leitura em termos de potestas é evidente, embora tente se apresentar sub contraria specie, como "falta de poder".
Uma terceira passagem relevante é o MP Summorum pontificum, que em 2007, 45 anos depois do Concílio, previa que o padre, ao celebrar, possa escolher a nova forma ou a forma antiga do rito romano, sem responder a ninguém. A imunidade do ministro em relação à reforma litúrgica é aqui afirmada com toda a força possível.
À luz desses pequenos exemplos, aos quais muitos outros poderiam ser acrescentados, não é de estranhar que a “doutrina católica” possa ser identificada com uma leitura da ordem como “poder sagrado imunizado”. Não é correto identificar essa leitura com a doutrina católica tout-court. Mas não é apenas uma "mentalidade difundida" a ser freada. O freio veio, há 40 anos, de setores relevantes do magistério católico central.
Com tal força que pode influenciar também as palavras do papa Francisco, sobre cujos méritos em relação ao tema da correlação entre abusos e abuso de poder não há razão de duvidar, mas que, em Querida Amazônia, após os belos sonhos com que constrói o documento, cai no pesadelo de uma apresentação do ministério ordenado em perfeito estilo tridentino.
É justo recordar a releitura do Vaticano II como farol de uma renovada doutrina católica do ministério ordenado. Mas correrá o risco de ser entendida apenas como uma palavra retórica se não identificar todos aqueles passos jurídicos e dogmáticos com os quais, depois do Concílio, se tentou fazer como se o Concílio nunca tivesse existido.
Sobre isso, acredito, as palavras de Zollner e Ferrario merecem uma atenção séria. E a resposta de Lorizio, com a qual concordo em substância, deve ser integrada por todas aquelas referências "doutrinárias" que não estão em consonância com o Concílio Vaticano II, defendidas nos mais altos níveis do magistério e que, portanto, hoje, também sinodalmente, merecem ser abertamente superadas.
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A ordem sagrada e a imunidade do ministério: em diálogo com G. Lorizio. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU