23 Março 2022
É totalmente legítimo que o Dicastério para o Culto Divino tenha a competência sobre os usos não ordinários do Rito Romano, que, no entanto, não constituem uma “forma extraordinária do Rito Romano”, mas sim exceções à única forma vigente, que é a ordinária.
O comentário é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado em Come Se Non, 22-03-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como há muita confusão nas palavras dos juristas que deveriam assegurar a correta expressão da disciplina eclesial, é bom especificar os termos que são utilizados com muita desenvoltura e não com a devida precisão. Isso deveria valer ainda mais em um documento de síntese como a constituição apostólica Praedicate Evangelium, na qual se afirma, no número 93:
Art. 93
O Dicastério (para o Culto) se ocupa da regulamentação e da disciplina da sagrada liturgia no que diz respeito à forma extraordinária do Rito Romano.
Se a um texto normativo com tanta autoridade foge o fato de que a expressão “forma extraordinária do Rito Romano” não é compatível com a normativa vigente, é útil uma breve revisão “ad usum officialis curialis”:
a) Quando se usa a expressão “forma extraordinária do Rito Romano”, faz-se referência a um termo técnico, introduzido pelo motu proprio Summorum Pontificum (2007), que se referia a uma “forma do Rito Romano” diferente da ordinária e à qual cada presbítero ou bispo podia ter acesso indiferentemente e que, sob certas condições, também podia ser objeto de celebração comunitária.
b) Essa “forma extraordinária” havia sido inventada, com uma ficção jurídica nada pequena, por um nobre propósito: a reconciliação litúrgica na Igreja. Mas, como reconheceu o Papa Francisco na Traditionis custodes (2021), ela não produziu os efeitos esperados, mas foi utilizada de forma distorcida. Criou a pretensão de que a “verdadeira Igreja” possa se identificar na “forma extraordinária”, contrapondo-se à forma ordinária e à Igreja ordinária.
c) Por isso, com a Traditionis custodes, o Papa Francisco restabeleceu o princípio segundo o qual existe uma única forma do Rito Romano. Não existe mais nenhuma “forma extraordinária” do Rito Romano paralela à forma ordinária, porque a “lex orandi” tem uma única expressão: a dos livros que surgiram do Concílio Vaticano II.
d) Isso não impede que o papa, de modo mais amplo, ou os bispos individuais apenas nas dioceses de sua competência possam conceder que pessoas individuais (físicas ou jurídicas) façam uso do missal romano ou de outros rituais de edições anteriores, mas apenas como exceção.
e) É totalmente legítimo que o Dicastério para o Culto Divino tenha a competência sobre esses usos não ordinários do Rito Romano, que, no entanto, não constituem uma “forma extraordinária do Rito Romano”, mas sim exceções à única forma vigente, que é a ordinária.
f) A expressão formal possível dessa competência do Dicastério do Culto não deve conter a locução “forma extraordinária”, porque se trata de um termo técnico, de caráter dogmático-jurídico, que a Traditionis custodes pretendeu revogar explicitamente. Em vez disso, pode-se utilizar uma expressão diferente, como por exemplo:
O Dicastério se ocupa da regulamentação e da disciplina da sagrada liturgia no que se refere ao uso, concedido a pessoas físicas ou jurídicas individuais, de edições anteriores em relação aos livros litúrgicos promulgados pelos santos pontífices Paulo VI e João Paulo II, em conformidade com os decretos do Concílio Vaticano II e como única expressão da lex orandi do Rito Romano.
g) É surpreendente que, na coletiva de imprensa de apresentação da Praedicate Evangelium, tenha havido uma resposta confusa, que fazia referência do decreto com o qual o Papa Francisco concedeu alguns privilégios à Fraternidade de São Pedro. Esse é precisamente aquele regime de exceções sobre o qual a Congregação do Culto terá competência, mas que não constitui uma “forma extraordinária do Rito Romano”, pois não tem, de modo algum, caráter universal, como, em vez disso, era próprio da formulação do Summorum Pontificum, hoje superada.
A renúncia à formulação em termos de “forma extraordinária”, portanto, deve-se ao respeito pela evolução do magistério e a fim de não criar falsas expectativas, que seriam tanto mais graves se viessem de um texto do mais alto nível hierárquico nas fontes, como uma constituição apostólica.
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“Forma extraordinária do Rito Romano”: locução, significado e revogação. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU