10 Outubro 2024
“O paradoxo é que não só o progresso material não é acompanhado de nenhum progresso moral, mas também que os inúmeros conhecimentos que se multiplicam permanecem separados e compartimentados sem levar a um pensamento capaz de enfrentar os problemas humanos fundamentais”. A reflexão é de Edgar Morin, sociólogo, em artigo publicado por Le Nouvel Obs, 06-10-2024. A tradução é do Cepat.
A ideia de que o progresso é a lei suprema da história foi claramente formulada por Condorcet antes de ser morto na guilhotina. Ela se impôs durante o século XIX. Foi adotada pelo Ocidente e espalhada pelo mundo.
Se consideramos o desenvolvimento das técnicas, houve desde a formação pré-histórica dos primeiros instrumentos um incontestável progresso. Certamente comporta descontinuidades, mas se acelera e cresce a partir do século XIX. É inegável que os progressos científicos e técnicos continuam constantemente, como a manipulação do DNA e das células-tronco na biologia, os desenvolvimentos na informática, incluindo a inteligência artificial.
Mas muitas técnicas são utilizadas a serviço da servidão, até mesmo do genocídio. Elas estão presentes nas chacinas e nas guerras que mais uma vez assolam com a maior crueldade. Foi o progresso científico e técnico que tornou possíveis Auschwitz, Hiroshima e Gaza. Podemos ver aí uma coincidência e até mesmo uma relação entre grandes progressos científicos, técnicos e econômicos e grandes retrocessos intelectuais e éticos.
Se considerarmos a história, todo progresso traz consigo suas ambivalências e contradições. O progresso na agricultura, que substituiu os caçadores-coletores seminômades por agricultores, foi muito útil nas regiões não ricas em caça e proporcionou a possibilidade de fazer reservas, especialmente de arroz, cereais e lentilhas. Mas estava sujeito às incertezas climáticas, especialmente durante períodos de seca; tornou o camponês mais dependente dos perigos do que o caçador-coletor; tornou as comunidades agrícolas dependentes de saqueadores nômades ou dos poderes urbanos.
Da mesma forma, se a cidade foi um grande progresso, que permitiu o desenvolvimento de múltiplos ofícios e técnicas, do comércio e depois das indústrias, do abastecimento de água, conforto e riqueza, foi também fonte de miséria, de abuso de poder e escravização. No início do século XX, podíamos cantar a Cidade Luz e lamentar a cidade em expansão.
Sempre há ambivalência quando qualquer progresso num setor constitui uma regressão em outro, onde novas virtudes por vezes compensam mal as virtudes perdidas. Os inegáveis progressos técnicos são acompanhados de deficiências e carências morais.
O extraordinário é que duas guerras mundiais, massacres em massa e fanatismos delirantes abalaram apenas temporariamente esta crença no progresso, que se impôs novamente durante os Trinta Anos Gloriosos, uma era de desenvolvimento da sociedade de consumo e de bem-estar reservada a uma parte crescente da população.
Mas esta melhoria material no bem-estar – conforto, entretenimento, viagens – pôde ser usufruída apenas por uma parte muitas vezes minoritária da sociedade, e assim continua. A industrialização da vida se dá nos programas, na cronometragem, na redução à economia de tudo o que é humano, esquecendo a afetividade, a felicidade, a infelicidade, a alegria, a tristeza... ou seja, as realidades humanas essenciais.
A crença no progresso arrefeceu quando surgiu a consciência de que o progresso tendia à degradação ecológica do planeta, incluindo a das sociedades e civilizações humanas; além disso, a Aids e especialmente a Covid revelaram a impotência da ciência para eliminar bactérias e vírus; enfim, em todos os lugares há uma crise da democracia e das civilizações. Os pensamentos unilaterais, sectários e fanáticos tornam-se novamente hegemônicos.
Além disso, enquanto o planeta está entregue a processos regressivos que parecem implacáveis – a hegemonia do lucro, a degradação ecológica, as guerras, as múltiplas crises ligadas a uma policrise... –, uma elite tecnocrática californiana ressuscitou e depois globalizou uma crença no progresso baseada nos sucessos da ciência. Estes ideólogos prometem tanto a imortalidade, uma sociedade perfeita regulada pela inteligência artificial, como a continuação da aventura humana em planetas colonizados, a começar pela Lua e Marte: o transumanismo tornando-se pós-humanismo.
Mas parece que apenas uma minoria privilegiada está em condições de se beneficiar do transumanismo (mesmo que a imortalidade humana seja um mito irrealizável num sistema solar e num universo que são eles próprios mortais), deixando vegetar ou mesmo desaparecer o resto da humanidade.
Mais amplamente, é o próprio progresso que carrega dentro de si uma mancha escura ou um buraco negro: a ausência de qualquer progresso moral que acompanhe o progresso científico-técnico-econômico. O verdadeiro progresso de que a humanidade necessita é o da compreensão humana, da benevolência, da solidariedade, da amizade; nesta área houve apenas progressos parciais e provisórios em meio a uma regressão generalizada.
O paradoxo é que não só o progresso material não é acompanhado de nenhum progresso moral, mas também que os inúmeros conhecimentos que se multiplicam permanecem separados e compartimentados sem levar a um pensamento capaz de enfrentar os problemas humanos fundamentais.
A própria inteligência e o pensamento estão em crise, no reino dos conhecimentos disciplinares, separados. A sua associação permitiria, no entanto, alimentar um pensamento complexo e lidar com problemas fundamentais e globais.
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“O progresso carrega dentro de si um buraco negro”. Artigo de Edgar Morin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU