25 Outubro 2023
A Guerra de Gaza. L'Unità discute o assunto com Lucio Caracciolo, diretor da Limes, a mais respeitada revista de geopolítica italiana.
A entrevista é de Umberto De Giovannangeli, publicada por l’Unità, 24-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O 7 de outubro de 2023, o “11 de setembro de Israel”, representa realmente um divisor de águas definitivo entre um antes e um depois do conflito Israel-Palestina e o Médio Oriente?
Eu diria que sim. Vamos relembrar o primeiro divisor de águas que foi 2005, ou seja, a cessão da Faixa de Gaza por Sharon aos palestinos, pensando que seria a Autoridade Nacional Palestina a governar Gaza, de acordo com Israel.
Nessa perspectiva, e com tais propósitos, teria sido também uma forma de dizer ao mundo: vejam, Israel também sabe abrir-se aos palestinos. Na realidade, estavam devolvendo algo impossível de gerir, como o Egito bem sabia quando, nas conversações com Begin que levaram à paz de Camp David entre Israel e Egito, Sadat teve o cuidado de não assumir a Faixa de Gaza e os seus habitantes.
O plano de Israel estava claro há tempo: vamos devolver Gaza e, nesse interim, vamos congelar por tempo indeterminado a questão palestina, continuamos a construir assentamentos, afogamos a ANP em dinheiro assim a mantemos sob controle, e o problema está resolvido...
Em vez disso, professor Caracciolo?
O que talvez não perceberam bem foi, em primeiro lugar, que não se pode manter uma população numa jaula por tempo indeterminado. Mais de dois milhões de pessoas espremidas num espaço estreito, naquelas condições, independentemente de qualquer crença política, religiosa ou ideológica, no final aquele projeto de contenção não funciona.
Estoura. Explode. Em segundo lugar, Israel confiou em demasia na chamada “manutenção”....
Que significa?
Simplificando, damos-lhes apenas o mínimo necessário para sobreviver sem incomodar demais. Quando, como tem acontecido, a raiva transborda, pedem dinheiro e lançam alguns mísseis, jogamos sobre eles a ira de Deus sem entrar em Gaza e em uma semana ou duas a questão se resolve. Tudo isso durou de 2005-2006 até 7 de outubro passado.
A verdadeira questão é entender por que aconteceu o que aconteceu no dia 7 de outubro.
Mapa da Agência Brasil mostra o avanço de Isarel sobre os territórios da Palestina
Que explicações são possíveis?
Uma explicação pé-no-chão, mas com elementos de verdade, é que a certa altura, de tanto forçar, o mecanismo não funciona mais. A segunda leitura é que algum mecanismo interno ao Hamas e externo - o Irã ou algum outro ator - decidiu que era necessário dar um sinal, entre outros, a israelenses e sauditas para que não se aproximassem demais e não formalizassem, porque é disto que se trata e nada mais, um acordo sigiloso, que todos sabem que existe já há bastante tempo, entre Israel e o Reino Saudita, isolando ainda mais o Irã.
Quanto está presente dos meses tumultuados, de revolta interna que dividiu o país em dois, na base ou, de toda forma, como elemento não secundário do clamoroso desastre de 7 de outubro?
É uma pergunta mais do que justa que, no entanto, pressupõe o fato de que na realidade, para além das divisões internas do Hamas, entre aqueles que queriam eliminar Israel e aqueles que queriam negociar uma espécie de convivência beligerante, mas sem se agredirem definitivamente, se você acha que seu inimigo, Israel, entrou em uma crise definitiva, então provavelmente quem leva a melhor é a facção que diz: agora ou nunca, vamos tentar eliminar Israel, ou melhor, vamos ajudar Israel a eliminar-se a si mesmo, porque não é que o Hamas possa vencer Israel, mas Israel pode vencer Israel. Naquela altura, alguém, interno e externo, poderia ter-se tornado ganancioso e pensado que, ao atrair Israel para a armadilha de Gaza, no final os palestinos acabariam por colocar Israel em crise. Israel está numa crise muito séria, podemos ver isso por muitos sinais também no front das forças armadas e da inteligência. Recordamos a atitude de muitos líderes militares, sem falar daqueles da inteligência, durante os meses, que nunca terminaram, de protesto contra Netanyahu, e também do fato de muitos reservistas não se apresentaram.
Depois do 7 de outubro houve uma condensação em torno da bandeira que, no entanto, certamente não curou as feridas. Não esqueçamos que aqueles que neste momento comandam a guerra contra o Hamas em Israel são senhores que sabem que em 99% dos casos se reformarão no dia seguinte.
E isso não ajuda muito na batalha.
No local, a situação evolui de hora em hora. A invasão de Gaza parece uma questão de dias se não horas. Qual é a estratégia militar de Israel?
Uma guerra em três fases. A primeira, em curso desde 8 de outubro, é limpar com bombardeios aéreos a Faixa. Mais ou menos 35-40% dos edifícios em Gaza já foram atingidos, e esperamos que também algumas infraestruturas do Hamas.
A segunda fase prevê incursões, acompanhadas de uma batalha em todas as dimensões: cibernética, espacial, marítima... Os israelenses entrarão com força em Gaza, mas não será uma operação de massa. Será uma operação direcionada, pelo menos nas intenções. Visando, por exemplo, destruir mísseis, que em perspectiva representam o principal problema para Israel. Prender ou eliminar alguns dos chefetes, porque os líderes que contam do Hamas já foram embora. Serão realizadas operações de comando reforçado. Contudo, começa-se com essas ideias, mas depois dependerá de como os outros reagem. Isso na frente de Gaza. Mas não se deve esquecer que também existem a frente norte, o Hezbollah e a Cisjordânia.
E depois há a terceira fase, que está longe de ser clara...
Em que sentido?
Depois de entrar, como se sai? Os israelenses dizem que, uma vez feita a limpeza de Gaza, já não querem ter mais nada a ver com o assunto. O problema, e que problema, é representado por mais de 2 milhões de pessoas que não podem desaparecer no ar, mesmo que alguém possa pensar ou esperar que possam acabar no Egito ou na Jordânia. Além disso, o Egito e a Jordânia estão muito preocupados com a possibilidade de uma “invasão” pacífica de refugiados de Gaza e da Cisjordânia.
No meio dos combates, a diplomacia internacional redescobriu de repente a solução dos “dois Estados”. Mas não é tarde demais?
Essa redescoberta, em alguns casos sincera, em outros desesperada e em outros ainda pura zombaria, é simplesmente a prova de que não há solução, caso contrário já a teríamos encontrado. A questão palestina pode ser gerida, mas não pode ser resolvida. O problema é que levamos a gestão, na minha opinião muito malfeita, ao limite do administrável, e agora as forças extremas, tanto no campo palestino - que, no entanto, valem o que valem, ou seja, muito pouco, - tanto no campo israelense, que vale quase tudo, aproveitam-se para tentar o impossível. Do lado israelense, as ultradireitas, os colonos e aqueles que os apoiam no governo estão convencidos de que esta é uma boa oportunidade para encerrar definitivamente a questão com os palestinos e talvez para criar finalmente aquela fronteira oriental de Israel, que aliás seria o Vale do Jordão e, assim formalizar a situação. No campo palestino não temos resultados eleitorais, porque há muito tempo que não se realizam eleições.
A minha sensação é que, pelo menos na Cisjordânia, mas talvez também um pouco em Gaza, uma boa parte dos palestinos, tendo entendido que nunca terão o seu próprio Estado, prefeririam tornar-se cidadãos israelenses com todas as vantagens e direitos que, apesar de tudo, os árabes israelenses têm. Mas essa não é uma solução porque é evidente que a “Israstina”, como a chamava Kadafi, não agrada nem um pouco ao Estado Judeu.
O dia 7 de outubro também marca o fim do que restava da Autoridade Nacional Palestina de Abu Mazen?
Não, porque já estava morta. E é mantida viva, de forma absolutamente artificial, pelo nosso dinheiro europeu, estadunidense e israelense. Com algum sucesso, é preciso dizer, porque a vida na Cisjordânia, apesar de todas as perseguições, maus tratos e até as mortes, é incomparavelmente melhor do que a vida dos palestinos em Gaza, sempre foi e sempre será.
A narrativa de que o Hamas é o fantoche do “titereiro” iraniano, agindo sob comando, não é simplista?
Certamente é. Tem a vantagem, justamente por ser simplista, de ser atraente. As coisas são muito mais complicadas. No Oriente Médio, a realidade nunca corresponde à aparência.
Acredito que existem níveis de entendimentos clandestinos, financiados sobretudo pelos países do Golfo e em parte também por outros, entre as forças palestinas que devem ser mantidas sob controle, "domesticadas", e os israelenses que devem ser acalmados nas suas intenções definitivas, essencialmente ter a Terra Santa completamente livre dos palestinos.
Tudo isso entrou em crise e é isso que me preocupa. Sinceramente, não vejo alternativa à reconstrução de um tecido em que todos os atores, as grandes potências, a começar pelos Estados Unidos, globais e regionais, tenham de encontrar, ainda que fingindo desprezo, um equilíbrio que permita a restauração de alguma forma de convivência, mas desta vez passando por uma guerra que será sangrenta, já é, o que dará uma cara diferente a essa hipotética convivência.
Setembro marcou o trigésimo aniversário dos Acordos de Oslo-Washington. Com a visão de hoje, era um fracasso anunciado?
Não, porque cada um entendia algo diferente ao assinar os acordos. Mas no final, quer fossem israelenses ou palestinos, convergiam na convicção de que uma solução definitiva e mutuamente aceitável não era possível. Contudo, não só era aceitável, mas necessária, alguma forma de entendimento que permitisse desarmar a bomba, talvez até obter bastante dinheiro e depois continuar a negociar a tempo indeterminado algo que não pode ser negociado, ou seja, a paz entre os dois Estados.
Ao longo dos anos, a Limes dedicou muitos volumes ao Oriente Médio e ao conflito Israel-Palestina. A partir daquela reconstrução analítica, o fracasso de hoje já estava previsto?
Não, porque se podem adivinhar algumas tendências de base, que são tão visíveis que também nós as adivinhamos, mas a questão é que há sempre desvios, há sempre imprevistos.
O 7 de outubro é um exemplo tragicamente clamoroso de que nem tudo que é racional é real e vice-versa. Acrescentaria que, como somos pessoas teimosas, estamos trabalhando num outro número sobre Israel, que sairá no dia 8 de novembro.
A Limes também contou sobre a existência de uma sociedade civil, tanto no campo israelense quanto palestino, que ainda acredita no diálogo e não se curvou diante da inevitabilidade da guerra.
O problema é que os acordos não são feitos pelas sociedades, mas pelos Estados. E, além disso, há a sociedade civil, mas também há uma sociedade cada vez mais incivil.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“Não se podem manter na jaula 2 milhões de pessoas. Israel não entendeu isso". Entrevista com Lucio Caracciolo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU