14 Janeiro 2025
Defini-la como uma intelectual corajosa é pecar por omissão. Porque não é para todos, especialmente nestes tristes tempos em que “reina” uma espécie de pensamento único e de informação dominante, ir contracorrente é uma virtude que deve ser cultivada, defendida e valorizada. Uma virtude que Anna Foa demonstra em seu último livro Il suicidio di Israele (Editori Laterza), agora em sua segunda edição, com vendas surpreendentes para um ensaio. A professora Foa lecionou História Moderna na Universidade de Roma La Sapienza. Tratou de história da cultura no início da era moderna, de história da mentalidade e de história dos judeus. Suas numerosas publicações incluem: Le vie degli ebrei; Gli ebrei in Italia. I primi 2000 anni e Ebrei in Europa. Dalla Peste Nera all’emancipazione XIV-XIX secolo.
"Il suicidio de Israele", livro de Anna Foa (Editora Laterza, 2024).
A entrevista é de Umberto De Giovannangeli, publicada por l'Unità, 11-01-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em seu discurso ao corpo diplomático credenciado à Santa Sé, o Papa Francisco descreveu a situação do povo de Gaza como ignóbil. Novamente, uma tomada de posição forte de Bergoglio.
Acredito que Bergoglio tem toda a razão ao usar esse adjetivo tão forte e angustiante. Ele retomou as declarações que foram feitas por muitos setores, por organizações internacionais e pelas mesmas organizações que tratam de direitos humanos em Israel. Por outro lado, as imagens que nós temos de Gaza, os israelenses as têm em quantidade bem menor, são imagens terrificantes. Diz-se, com razão, que algo terrível está acontecendo lá, sem paralelo desde o fim da Segunda Guerra Mundial. O fato de Bergoglio dizer isso me parece positivo. Pelo menos há alguém que continua a falar. Não entendo do que poderia ser acusado quando essas coisas são ditas por todos, são afirmadas e documentadas pela ONU, por agências humanitárias como a Unicef, por organizações de assistência. Coisas que foram ditas e relatadas por jornalistas corajosos, como os jornalistas do Haaretz. Ontem, por exemplo, li um belíssimo artigo de Gideon Levy sobre o massacre de vidas humanas que está sendo perpetrado em Gaza e sobre a deriva moral, não apenas política, que está corroendo Israel.
Quanto a Bergoglio, ele está fazendo seu trabalho: o Papa. E está fazendo isso muito bem.
Falando de Israel. Seu último livro, Il suicídio d’Israele, está fazendo grande sucesso. A que se deve, em sua opinião, essa forte reação?
Talvez ao fato de eu ser judia, uma judia da diáspora que fala coisas com as quais o mundo judaico não concorda ou acha difícil dizer por causa de uma série de circunstâncias: a ideia de incitar o antissemitismo, a ideia de não desagradar as comunidades, a ideia de que Israel esteja em perigo, além de cometer o que está cometendo em Gaza e, portanto, é preciso apoiá-lo sem “se” nem “mas”.
Quanto ao livro, também me disseram foi escrito de forma muito clara e para que as pessoas que o lessem pudessem entender do que se tratava. Já estou acostumada a divulgar. Mesmo em meus livros mais acadêmicos, tento usar uma linguagem de divulgação e isso talvez tenha ajudado. Eu acrescentaria que há uma forte consciência de que o que está acontecendo em Gaza é uma questão que diz respeito a todos nós.
Professora Foa, não acredita que a conformação na defesa sempre e de qualquer forma de Israel acaba prejudicando o próprio país?
Acredito que sim. Acredito que a única maneira pela qual a diáspora poderia ajudar Israel seria apoiar a oposição, evitar que ela caísse nesses crimes. Não queremos usar a palavra genocídio, não vamos usá-la, mas a palavra crimes de guerra e crimes contra a humanidade são totalmente apropriadas para o que vem acontecendo em Gaza há quinze meses.
Ajudar a fazer crescer a oposição que diminuiu depois de 7 de outubro, o que, de certa forma, também era o que o Hamas queria.
Você se referiu anteriormente ao Haaretz, um dos últimos bastiões de uma imprensa realmente independente em Israel. No jornal progressista de Tel Aviv, foi reaberto um debate animado sobre uma solução para a questão palestina baseada em um Estado binacional.
O estado binacional era a solução dos primeiros sionistas. Foi uma solução que, de alguma forma, continuou mesmo nas formas sionistas mais institucionais até a grande revolta de 1936. E é a melhor solução, em teoria, embora hoje eu a veja como utópica. Pode ser que a solução de dois Estados também seja, mas, de um ponto de vista realista, acho que deveríamos fazer o que é possível, mesmo sabendo que não seria o melhor. Se a solução de dois Estados for mais forte e, de alguma forma, permitir sua concretização, mesmo que tenha toda uma série de problemáticas e de possibilidades para ser criada, talvez devêssemos nos concentrar nela, sempre tendo em mente que o Estado binacional era a ideia dos primeiros sionistas, daqueles que lançaram as bases ideais e políticas na primeira metade do século XX, do que mais tarde se tornou o Estado de Israel.
A ideia, precisamente, de um Estado binacional, a ideia de testar o sionismo em suas relações com os árabes.
O sionismo seria testado nisso, não em outras coisas, não na identidade israelense, nem mesmo nos kibutzim ou no socialismo. O sionismo seria testado nas relações com os árabes. Infelizmente, o teste falhou.
No sionismo, não havia também uma componente messiânica que hoje permeia as políticas da direita que governa Israel atualmente?
Havia uma pequena componente, mas mesmo os sionistas religiosos não eram, em sua maioria, messiânicos. O messianismo nasceu depois de 1967, após a Guerra dos Seis Dias. Se Ben Gurion pôde dizer, em 1948, “Não farei uma batalha sobre a religião e sobre a observância religiosa judaica porque não vale a pena se digladiar sobre isso quando daqui a duas gerações não haverá mais religiosos”, era porque ainda não havia aflorado aquela ala messiânica, que nos lembra muito - os israelenses o diziam antes de 7 de outubro - os zelotes que mais tarde levaram o Reino de Judá à ruína na guerra com os romanos.
Vocês querem nos destruir novamente, os zelotes reapareceram de novo, isso se dizia nas discussões e nas ruas israelenses. Eles nasceram com os colonos, nasceram com uma forte influência dos judeus ortodoxos estadunidenses.
Nós os lemos nos livros de Amós Oz, há muitos anos, esses colonos com o quipá de crochê que falam, exaltados, do Grande Israel. Eles também cresceram porque tiveram dez filhos por duas ou três gerações, e isso aumentou seu número e, consequentemente, também seu impacto na vida social e política de Israel. São esses exaltados que assaltam e põem fogo em vilarejos palestinos na Cisjordânia e que querem colonizar toda a Eretz Israel, a Terra de Israel, e talvez até um pouco mais.
Em 20 de janeiro, Donald Trump retoma posse na Casa Branca. Na vulcânica coletiva de imprensa em Mar-a-Lago, o presidente eleito afirmou, entre outras coisas, que se o Hamas não libertar imediatamente os reféns que ainda mantém em seu poder, quando ele se tornar o comandante-em-chefe dos Estados Unidos, desencadeará o inferno em Gaza.
O inferno já existe em Gaza, não devemos nos cansar de repetir isso. Qualquer inferno pode ser piorado, é claro, você pode colocar todos os palestinos contra o muro e exterminá-los um a um. Naquela coletiva de imprensa vulcânica, ele também disse outras coisas, como querer tomar a Groenlândia ou o Panamá com seu canal, ou fazer do Canadá o 51º estado dos EUA. Estamos agora em um nível que talvez um bom psiquiatra julgaria perigoso para a saúde mental do sujeito em questão. Muito se falou que, afinal, o interesse de Trump em um relacionamento com a Arábia Saudita o levaria a abandonar os pontos mais extremos de Netanyahu. Não vejo isso acontecendo, mas veremos o que acontecerá depois de 20 de janeiro.
Ampliando o horizonte para um nível global, não acha, professora Foa, que houve uma regressão ética e cultural, de forma que não existe mais o adversário, mas apenas o inimigo a ser destruído por qualquer meio e a qualquer custo?
Sim. E nunca perdoarei o 7 de outubro e aqueles que o provocaram, além das muitas vítimas inocentes brutalmente assassinadas, por terem acelerado o processo de desagregação da ética da esquerda, dos opositores, por meio do medo, por meio de todos esses elementos negativos que sabemos bem a que levam. O medo de um ataque físico leva a se alinhar com as posições de qualquer um para evitar que alguém venha cortar sua garganta dentro de sua casa.
Vemos isso em todos os lugares, mas foi lá, em particular, que isso aconteceu. Acredito que, se não tivesse acontecido o 7 de outubro, Netanyahu provavelmente teria caído em um ou dois meses, porque ele estava realmente à beira do precipício e, em vez disso, o 7 de outubro, com esse mar de sangue, desencadeou, vamos chamar, uma depressão, uma perda de consciência política até mesmo em muitos que a tiveram e a manifestaram durante aquele longo e extraordinário ano de 2023, no qual centenas de milhares saíram às ruas, com determinação e continuidade excepcionais, contra a repressão interna e o impulso antidemocrático do governo de Netanyahu. Tudo isso em parte desapareceu. No entanto, ainda há muitos grupos, muitos movimentos lutando, e deveríamos reconhecê-los e ajudá-los.
A última pergunta nos remete a outro seu livro muito bom seu, Portico d'Ottavia 13. Una casa del ghetto nel lungo inverno del '43. Em seu discurso de fim de ano, o presidente Mattarella lembrou que 2025 marcará o 80º aniversário da libertação da Itália do nazifascismo. Professora Foa, o que um millenial deveria lembrar daquela história?
Ele deveria tentar conectar aquela história aos seus interesses de hoje, interesses entendidos como as coisas que lhe interessam, as coisas que ainda lhe despertam emoções, supondo que se possa falar disso. Veja bem, eu sempre tento dizer sim aos convites que recebo das escolas, mas nas apresentações, muitas delas, de meu último livro, as cabeças que estão à minha frente são todas brancas. E isso é algo muito triste. Talvez um jovem deveria entender, por exemplo, o que foi a Libertação. É difícil explicar a alguém o que significou para alguém que tinha que ficar escondido sair para o ar livre e poder dizer seu nome verdadeiro e não um nome falso. Eu, que nasci com um nome falso, mas não tinha idade suficiente para dizer meu nome verdadeiro porque tinha cinco-seis meses de idade quando a Libertação ocorreu, entendo isso, precisamente porque fui obrigada a viver com um nome falso e também ficar escondida. Seria preciso explicar a eles como era a vida cotidiana naquela época. Tentei fazer isso no livro que você mencionou, que, de todos os que escrevi, é o que prefiro. Em Portico d'Ottavia, tentei mostrar como viviam, como se escondiam, quais eram as emoções daqueles que moravam lá, muitos dos quais nunca voltaram dos campos de extermínio. Essa abordagem poderia ser útil, quem sabe.
Tento encontrar aberturas em suas mentes, e muitas vezes as encontro. E não são puramente aquelas ditadas pelas emoções de momento. São aquelas com as quais você, de alguma forma, consegue se identificar com a vida e a história de outra pessoa, que é diferente de sentir pena de si mesmo e ter apenas emoções e não razões.
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“Os crimes de guerra em Gaza já estão comprovados: por que atacam Bergoglio?” Entrevista com Anna Foa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU