03 Junho 2024
"O Tribunal julga pessoas e não estados, como no caso, distintos, mas sempre inerentes a Israel por suspeita de genocídio do povo palestino em Gaza, do Tribunal Internacional de Justiça", escreve Franco Monaco, ex-senador italiano, jornalista e publicitário, em artigo publicado por Domani, 30-05-2024. A Tradução é de Luisa Rabolini.
É inegável que a decisão do procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional de Haia de pedir um mandado de prisão para os líderes de Israel representa uma novidade.
Nunca havia sido feito no passado para chefes de estado ou de governo de países democráticos. Mais ainda: no máximo, no passado, o TPI foi criticado por ter-se ocupado quase exclusivamente de autocratas e ditadores, especialmente africanos. Bem como dos algozes dos Balcãs e, recentemente, de Putin. O Tribunal julga pessoas e não estados, como no caso, distintos, mas sempre inerentes a Israel por suspeita de genocídio do povo palestino em Gaza, do Tribunal Internacional de Justiça.
Sejamos claros: na atual situação, em ambos os casos, trata-se de hipóteses acusatórias sobre as quais os dois distintos tribunais terão que se pronunciar. Tratando-se objetivamente de uma notícia importante, não surpreende que tenha surgido uma discussão animada.
Ressalto aqui três objeções. A primeira sobre o perfil do procurador Khan. Na verdade, por unanimidade considerado sério e confiável, de formação anglo-saxônica, antes apreciado também nos EUA e Israel. Para Emma Bonino, certamente não suspeita de insensibilidade às razões de Israel, “um ótimo presidente", que, como mencionado, fez um pedido de prisão de Putin. Sofrendo ameaças.
Segunda objeção: a imprópria comparação entre o Hamas e o Estado democrático de Israel. Não é assim: os fatos (apurados por uma equipe de juristas eminentes), as hipóteses de crime, ou seja, crimes de guerra e contra a humanidade a eles imputados, são casos diferentes. No caso de Netanyahu: ter causado fome nas pessoas de Gaza como ato de guerra, assassinatos e massacre de civis.
Como foi dito, o juízo centra-se nas pessoas e não na natureza jurídica da entidade que elas representam. A tarefa do TPI é aplicar as normas do direito internacional a fatos comprovados.
Terceira objeção: a preocupação de que a iniciativa do TPI não beneficie, mas, pelo contrário, prejudique o propósito de uma solução política do conflito, como demonstraria, por um lado, a reação desdenhosa, coral e unitária do governo israelense (notoriamente dividido sobre a condução do conflito e sua origem), por outro lado a resposta igualmente reativa e polêmica dos EUA, apesar a conhecida divergência com a política de Netanyahu. Pergunto: é motivo suficiente para passar à ideia de que o direito
e quem o preside devam curvar-se às razões da política? Um questionamento familiar a certas disputas menores italianas sobre política e justiça. Nesse sentido vale a pena relembrar o ato fundador do TPI, ou seja, o Estatuto de Roma de 1998, em cuja redação cooperou a própria Bonino.
Na esteira da experiência dos tribunais de Nuremberg e de Tóquio, a sua razão social estava e está precisamente na aposta no direito internacional humanitário, na aspiração a aplicar à comunidade internacional o princípio fundamental do Estado de direito, ou seja, a ideia de que a força do direito deve prevalecer sobre o direito da força.
É significativo o fato de o ato fundador do TPI ter sido ratificado por 123 países. Igualmente significativo não o terem assinado os EUA, Rússia, China, Índia, Turquia, Israel, Paquistão.
Não é difícil entender o porquê: a indisponibilidade de aceitar que haja alguém que possa analisar as suas ações fora da fronteira. Vladimiro Zagrebelsky tem razão: se os Estados e a UE não dessem peso à iniciativa do TPI, “o sistema internacional de justiça seria aniquilado”; passaria o princípio de que as regras não valem para todos; que, no cenário internacional, vigora incontestada a lei do mais forte.
Sofreria um golpe mortal a esperança de que o lento, mas precioso, desenvolvimento de instituições supranacionais terceiras e equânimes possa pelo menos conter a lógica hobbesiana do "homo homini lupus".
Aprendemos que até mesmo os EUA, que não o reconhecem, poderiam impor sanções ao TPI. Seria a derrota da própria base do constitucionalismo liberal e do universalismo dos direitos, bem como certificado de duplos ou triplos padrões; da hipocrisia com que opomos a superioridade das democracias ocidentais aos regimes autoritários. Pensando bem, quando justamente se contesta a suposta imprópria comparação entre o estado democrático de Israel e a formação político-terrorista do Hamas, coerentemente se deveria concluir que os princípios básicos das democracias constitucionais autorizam a ser mais exigentes com elas. Sobre os padrões adotados dentro e fora de suas fronteiras
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Israel x Palestina. As regras valem para todos? O sentido da acusação do Tribunal Penal Internacional. Artigo de Franco Monaco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU