10 Agosto 2013
O papa remonta às origens fundamentais e fala como o Evangelho: a nova abertura é a consequência disso. Os sinais são fortes, e seria irresponsável não captá-los, impedindo o seu efeito benéfico na busca de soluções para as questões éticas de sociedades sensíveis.
A opinião é de Vladimiro Zagrebelsky, magistrado italiano e juiz do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos de 2001 a 2010. O artigo foi publicado no jornal La Stampa, 07-08-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Entre os fatos e os ditos admiráveis desse novo papa, duas declarações merecem ser retomadas, em busca do seu porte e do seu senso prospectivo. A primeira foi repetidamente comentado, embora em uma versão amputada de uma parte importante, e é a resposta dada a uma pergunta sobre a homossexualidade: "Se uma pessoa é gay e busca o Senhor e tem boa vontade, mas quem sou eu para julgá-la?".
A segunda parece ter permanecido na sombra, mesmo que todo o discurso no qual ela está inserida encontra-se publicado no site oficial da Santa Sé [disponível aqui]. Trata-se da referência, dirigindo-se aos dirigentes do Brasil, à laicidade do Estado: "É impossível imaginar um futuro para a sociedade, sem uma vigorosa contribuição das energias morais numa democracia que permaneça fechada na pura lógica ou no mero equilíbrio de representação de interesses constituídos. Considero também fundamental neste diálogo a contribuição das grandes tradições religiosas, que desempenham um papel fecundo de fermento da vida social e de animação da democracia. Favorável à pacífica convivência entre religiões diversas é a laicidade do Estado que, sem assumir como própria qualquer posição confessional, respeita e valoriza a presença da dimensão religiosa na sociedade, favorecendo as suas expressões mais concretas".
Há um nexo entre o que o papa disse em ambas as ocasiões. A sua resposta sobre a homossexualidade não pode ser entendida ligando-a apenas ao tema ocasional. Ela também se refere à "busca do Senhor" e à "boa vontade", se não no seu conteúdo, ao menos nas suas modalidades.
E o papa não impõe, não julga, ao contrário, respeita. Como não ver uma novidade com relação às verdades declaradas e absolutas, muitas vezes sob a forma de anátema? Como não se interrogar sobre as consequências gerais?
Sem julgamento definitivo e imposto de cima, as convicções diversas e as opiniões se confrontam no diálogo, buscam composição, esperam a concedem. E o debate, ao menos no plano da convivência e salvos os pressupostos de cada um, enriquece e corrige uns e outros.
E aqui intervém o valor que o papa atribui à laicidade do Estado, que não deve tomar nenhuma posição confessional mostrando preferir uma ou outra religião ou confissão. Trata-se de afirmações em sintonia com os princípios europeus de democracia e respeito pelos direitos humanos individuais: o Estado deve ser organizador neutro da convivência pacífica das várias religiões e abster-se de manifestar preferências.
Essa neutralidade refere-se e respeita a liberdade de todos nas escolhas filosóficas e religiosas, a dos que creem, assim como a dos que não creem. As escolhas confessionais por parte dos Estados têm formas múltiplas e diversas: da manutenção de Igrejas de Estado, como a britânica ou de diversos países do norte da Europa, à ostensiva preferência por uma confissão religiosa em momentos simbólicos públicos, passando pela sujeição manifesta às indicações dessa confissão religiosa nas escolhas políticas.
Tudo isso é incompatível com a laicidade do Estado, torna difícil a presença da dimensão religiosa no espaço público e a valorização das suas expressões concretas. Donde, também na Itália, o confronto entre aqueles que a combatem, negando a sua própria legitimidade e reduzindo-a apenas à área privada, e aqueles que, do lado oposto, pretendem impor as próprias escolhas religiosas nas decisões políticas do Estado.
Fruto de encerramento preconceituoso por parte laica e de entrincheiramento reconfortante por parte católica tradicionalista, assistimos à imediata banalização das declarações do papa: nenhuma novidade, tudo como antes e como sempre! Apenas uma mudança de estilo comunicativo. Tanto uns quanto outros não prontos para avançar no mar aberto do debate, amedrontados pela nova possibilidade – necessidade – de diálogo.
É óbvio que o papa se expressa em uma linha de continuidade com relação aos seus antecessores, aos documentos da Igreja e à sua tradição. Não seria imaginável uma ruptura por parte de quem assumiu a responsabilidade de guiar uma instituição como a Igreja milenar, global, complexa, profundamente variada em seu interior.
Mas o papa remonta às origens fundamentais e fala como o Evangelho: a nova abertura é a consequência disso. Os sinais são fortes, e seria irresponsável não captá-los, impedindo o seu efeito benéfico na busca de soluções para as questões éticas de sociedades sensíveis: até mesmo aqueles que são chamados de "divisivos", para sugerir que não seriam enfrentáveis sem choque, triunfo de uns e derrota de outros.
Quando o papa apela aos Estados laicos para que deem lugar à dimensão religiosa na sociedade sem se intrometer e a "favorecer as expressões mais concretas", o pensamento corre aos extraordinários exemplos de generosidade e de eficácia, na ação concreta de defesa in loco dos direitos dos mais fracos , por parte de tantas organizações religiosas, na Itália particularmente católicas, juntamente com as laicas e aquelas em que a ação comum prescinde das filiações.
Nesse campo – nesse nível decisivo –, muitas contraposições e rigidezas dogmáticas se atenuam e interessam menos. Amplas partilhas de valores, ao menos nas suas reflexões sobre problemas concretos, atravessam as fronteiras identitárias.
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Gays e laicidade: o papa fala como o Evangelho. Artigo de Vladimiro Zagrebelsky - Instituto Humanitas Unisinos - IHU