12 Novembro 2024
"A estratégia de Netanyahu que afirmava que a vitória total só seria alcançada por meio de pressão militar falhou de fato. Uma guerra pela guerra, para proteger a sobrevivência política do primeiro-ministro, com demasiados custos humanos para Israel e sem um plano para o futuro de Gaza", escreve Francesca Mannocchi, jornalista e documentarista italiana, em artigo publicado por La Stampa, 10-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
No gabinete do general Giora Eiland em Raanana, ao norte de Tel Aviv, há um quadro onde ele desenhou um esquema. À esquerda do quadro, a Faixa de Gaza, dividida pelo corredor de Netzarim, sob controle israelense, e à direita as alternativas sobre como conduzir as forças armadas até o final da guerra. Que durou, de acordo com Eiland, tempo demais.
Seu ponto de partida é o seguinte: “Há meses venho dizendo que precisamos fazer um acordo. O retorno dos reféns em troca do fim da guerra. Em vez disso, o governo diz 'temos que ir em frente'. Então eu me pergunto: é assim que vocês acham que vão vencer? Não, não é assim que se vence. Dessa forma, nos atolamos”.
Atolar-se significa, explica ele, reféns mortos e uma presença do exército de duração imprevisível na Faixa de Gaza. “Conduzir uma guerra assim não tem sentido, se tivessem me ouvido há 11 meses, quando esclareci minhas ideias pela primeira vez – explica ele - hoje os reféns estariam em casa, teríamos perdido menos tempo e muito menos soldados. Há apenas uma solução para evitar os nossos mortos, o cerco”.
Giora Eiland tem 71 anos, é major-general da reserva aposentado e ostenta uma carreira importante em seu currículo. Ele chefiou as divisões operacionais e de planejamento do exército e coordenou o Conselho de Segurança Nacional. Uma figura contraditória no cenário político israelense, há muito considerado por muitos como sendo de centro-esquerda, em 2023 apoiava os reservistas que se recusavam a se apresentar para o serviço durante a crise provocada pela reforma judicial de Netanyahu, poucas semanas depois, em 7 de outubro, juntamente com os outros 1.500 generais que, com ele, formam o Fórum de Comandantes e Soldados da Reserva, propôs um plano para pôr um fim rápido ao conflito. O plano dos generais, de fato.
O plano desenhado no quadro de seu gabinete. Eiland pega um marcador e diz: “O controle do corredor de Netzarim nos permite cercar o norte de Gaza. Estimamos que 300.000 pessoas e cerca de 5.000 combatentes do Hamas ainda vivam lá, principalmente nos arredores da Cidade de Gaza. Portanto, como considero as táticas usadas até agora totalmente insignificantes e prejudiciais no plano militar, proponho um plano em duas fases que nos permita assumir o controle do norte de Gaza. Primeiro, esvaziá-la, apertar o cerco e privar de alimentos quem permanecer lá dentro”.
Os generais partem do pressuposto de que o exército deva mudar radicalmente a doutrina de guerra e passar do conceito de dissuasão para o de determinação. Em substância, a estratégia de Netanyahu que afirmava que a vitória total só seria alcançada por meio de pressão militar falhou de fato. Uma guerra pela guerra, para proteger a sobrevivência política do primeiro-ministro, com demasiados custos humanos para Israel e sem um plano para o futuro de Gaza.
Portanto, melhor o plano em duas fases. A primeira fase consiste na evacuação da população do norte de Gaza. “Diremos a todos: 'vocês têm dez dias para ir embora, é realmente muito simples. Temos que dizer: vocês têm somente poucos dias para sair, em uma semana não entrará mais nem um alfinete aqui”.
De acordo com Eiland, as 300.000 pessoas no norte de Gaza terão, portanto, que atravessar o Corredor Netzarin para ir para o Sul. E, uma vez que a janela de tempo que lhes permite sair tenha expirado, qualquer um que permanecer lá dentro será considerado um combatente. Depois de esvaziar Gaza Norte, será a vez da segunda fase. A parte Norte, livre de civis, se tornará uma zona militar fechada “e, nesse momento, poderemos cercá-la, como Leningrado durante a Segunda Guerra Mundial. Um bloqueio total de acesso a água, alimentos e combustível”.
No ano passado, algumas semanas antes do ataque do Hamas em 7 de outubro, Eiland havia concedido várias declarações e escrito editoriais que já explicitavam em parte seu plano. Em 10 de outubro, ele escreveu: “Criar uma grave crise humanitária em Gaza é essencial para atingir o objetivo de vencer a guerra”. Em uma entrevista de 29 de outubro de 2023, reiterava que Israel estava cedendo com demasiada facilidade às pressões internacionais: “Isso é um erro grave, Gaza deve ser completamente destruída: caos terrível, grave crise humanitária”. Questionado sobre a presença de civis e a proteção devida a eles, em novembro de 2023 ele disse: “afinal, quem são as mulheres idosas de Gaza? Elas são as mães e avós dos combatentes do Hamas que cometeram os crimes de 7 de outubro”.
Hoje, ele percebeu que, para ficar menos exposto às críticas e tornar seu plano mais aceitável, ele precisa ajustar o tom de suas declarações. Portanto, ele se declara arrependido pela violência verbal do ano passado. “Usei palavras muito emotivas para descrever as minhas ideias”. Mas, no fundo, as reivindica em sua essência. “Continuamos enviando alimentos porque estamos intimidados. Vocês, o Ocidente, apelam para o direito internacional e não o entendem. As técnicas de cerco não são apenas permitidas, mas até recomendadas, quando se permitir que a população civil vá embora em segurança.”
Sobre as objeções do campo, dos fatos e dos números, no entanto, Eiland não tem muito a dizer. Ou seja, ele não explica por quais critérios e procedimentos deveriam ser “separados os civis dos combatentes”, se os homens maiores de idade serão todos considerados apoiadores e suspeitos, e onde seriam mantidos para ser eventualmente interrogados.
Da mesma forma, rejeita a objeção de que muitas das 300 mil pessoas que ficaram no norte de Gaza escolhem não ir embora porque muitas das áreas que o próprio exército israelense havia declarado anteriormente como “zonas seguras” para os civis foram bombardeadas, enquanto abrigavam pessoas que já haviam sido deslocadas dezenas de vezes.
Há uma semana, as unidades de socorro no norte de Gaza disseram que as forças israelenses atiraram nas famílias quando tentavam obedecer às ordens de evacuação, e os hospitais estavam desesperadamente com falta de suprimentos enquanto lutavam para tratar os feridos e evacuar os doentes graves.
Mas Eiland reitera, sem explicar como, que “as IDF garantirão corredores humanitários e aqueles que permanecerem na área serão considerados terroristas. Ou a rendição ou a fome”.
A fome, entretanto, já está presente em Gaza. Philippe Lazzarini, chefe da Urnwa, declarou que apenas 30 caminhões de ajudas alimentares entraram na Faixa em outubro, ou seja, 6% dos suprimentos comerciais e humanitários que entravam antes da guerra. E somente na segunda metade do mês, porque na primeira quinzena nem um grama de farinha cruzou a fronteira.
Mas, de acordo com Eiland, a fome em Gaza não existe. Não é verdade que há uma emergência alimentar na Faixa, o Hamas retém os alimentos, os revende e fica rico”.
A fome, contudo, já existe, de acordo com todas as principais agências da ONU e organizações internacionais que há meses vêm condenando a impossibilidade de atuar para ajudar os palestinos.
Em março, a Integrated Food Society já havia informado que a fome em Gaza estava próxima do nível 4, e a carestia está um nível acima, o 5. O mesmo fez a Unicef, segundo a qual um terço das crianças de até dois anos de idade no norte de Gaza sofre de mal nutrição. Grupos de direitos humanos afirmaram que forçar as famílias a ir embora sob a ameaça de violência e fome é ilegal e imoral, e um grupo de organizações israelenses pediu à comunidade internacional que impeça o governo de implementar “silenciosamente” as propostas dos generais, que, segundo eles, já estão em grande parte em curso.
Mas o que pensam o mundo, os aliados que se tornaram hostis ou a diplomacia, a Eiland pouco importa.
“Eu só olho as coisas de um ponto de vista prático: queremos atingir um objetivo? Temos que fazer isso nas condições atuais. Se o que fizemos até agora não funcionou, precisamos do cerco. E se as pessoas decidirem ficar e morrer, a escolha é delas.”
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O general no labirinto de Gaza: “A única maneira de vencer é matá-la de fome” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU