A guerra de Israel. Artigo de Lucio Caracciolo

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"Um dia nos daremos conta dos venenos que estamos assimilando desde o 7 de outubro. Será tarde demais. O novo antissemitismo não terminará com a suspensão dos massacres em curso", escreve Lucio Caracciolo, jornalista e analista geopolítico italiano, diretor da revista Limes, em artigo publicado por La Repubblica, 24-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Israel está combatendo com sucesso sua guerra de autodestruição. Nas palavras do general Udi Dekel, “está claro que a liderança israelense vê apenas uma guerra perpétua no horizonte”, que “beneficia apenas os inimigos de Israel e se alinha com a estratégia iraniana”. Deriva suicida.

Destinada à aniquilação do Inimigo – o Irã e sua constelação imperial – arrastando a todos e qualquer um que se interponha entre ele e Amaleque. Arquétipo bíblico do Mal, agressor traiçoeiro dos israelenses. Identificado ontem com Hitler, hoje com o Irã e os terroristas árabes associados. Quanto ao amanhã, aceitam-se apostas.

Israel sobrevive dia a dia. Confia em bombas atômicas que não declara, no poder das Forças de Defesa (IDF), nas supertecnologias e, acima de tudo, na proteção dos EUA. Adota a tática do “cachorro louco”, tão cara ao general Moshe Dayan, o reconquistador de Jerusalém. Em modalidades de dissuasão sem limites.

Há uma razão indescritível que leva Israel a arriscar o autossacrifício. O terror da guerra civil. A guerra externa pelo menos serve para adiá-la. Na equação bélica, não são consideradas as consequências para a diáspora, ameaçada pela fúria antissemita, sequência última do antissionismo pregado até mesmo por uma minoria judaica. Nega-se, assim, o próprio princípio do Estado de Israel protetor de todos os judeus. O suicídio já está meio consumado. Tinham previsto certo os líderes do Hamas, prontos a explorar a desunião dos israelenses.

Mas talvez nem mesmo os mais desenfreados dos odiadores do Estado judeu estavam dispostos para considerar que Jerusalém teria caído na armadilha a ponto de renegar os mandamentos a que havia vinculado seu destino.

Primeiro. O “cachorro louco” só pode se permitir conflitos curtos, devido à exiguidade demográfica e territorial. O atual já bateu “de lavada” o recorde da guerra de independência, entre maio de 1948 e março de 1949.

Segundo. O inimigo deve ser dividido. Em vez disso, Netanyahu o coalizou abrindo sete frentes até agora, ameaçando cortar a cabeça da serpente iraniana.

Terceiro. E implícito. O Irã não deve ser destruído. É o inimigo perfeito. Portanto, aliado, pois contribui para a causa de Israel como Mal absoluto que ameaça destruí-lo. Hoje, até mesmo os sauditas descartam que os Acordos de Abraão sejam viáveis, esperando que a tempestade se acalme e Israel invente um ardil para salvar a ficção do estado palestino. No entanto, Netanyahu tinha apostado tudo no acordo com as petroditaduras do Golfo e outros vizinhos árabes para estabelecer um cinturão de segurança em torno de Israel em nome de uma comum aversão ao Irã.

Quarto. E estratégico. Os Estados Unidos da América são e devem continuar sendo a principal garantia da segurança de Israel. A diáspora estadunidense deve ser cultivada para contribuir para esse fim, juntamente com os sionistas cristãos de matriz evangélica, explicitamente apocalíptica. Enquanto se aguarda a troca de guarda na Casa Branca, as relações entre Washington e Jerusalém balançam.

Em Israel, vigora a interpretação esportiva que Moshe Dayan, o herói dos Seis Dias, gostava de dar sobre o vínculo com estrelas e listras: “Os EUA nos oferecem dinheiro, armas e conselhos. Nós aceitamos o dinheiro, as armas e recusamos os conselhos”. Por fim, decisivo. O mantra de Jerusalém é a dissuasão.

Isso não pode funcionar com os terroristas, agitados por uma vocação frenética para o martírio. A menos que se queira aterrorizar os terroristas. Ou exterminar todos eles. Um dia nos daremos conta dos venenos que estamos assimilando desde o 7 de outubro. Será tarde demais. O novo antissemitismo não terminará com a suspensão dos massacres em curso. Tampouco afetará apenas os judeus.

Removemos nosso status de última fronteira do Ocidente, grudada à Caoslândia.

Por isso, acabamos bem no meio dela. Queremos nos preocupar com isso? Por exemplo. Se centenas de milhares de habitantes de Gaza que sobreviveram à represália de Netanyahu forem jogados no Mediterrâneo, vamos esperar que se afoguem na nossa frente? Vamos transferi-los para a Albânia para garantir que não os veremos? A resposta a essas perguntas nos dirá muito sobre nós mesmos.

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