O exército israelense vê como inviável acabar com o Hamas e aumenta o clima de tensão com Netanyahu

Forças de Defesa de Israel (Foto: Alexi Rosenfeld | Israeli Defenses Forces | Flickr CC 2.0)

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22 Junho 2024

“Dizer às pessoas que não haverá terrorismo em Gaza é mentir. (...) O Hamas é uma ideia”, diz o porta-voz militar Daniel Hagari.

A reportagem é de Luis de Vega, publicada por El País, 20-06-2024.

Agora no nono mês de guerra e depois de mais de 37.000 mortes em Gaza, a tensão cresce entre o exército e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que também mantém diferenças claras dentro da coligação governamental e com o aliado americano. O próprio exército reconheceu que a concretização de um dos principais objetivos definidos na ofensiva israelense, que é acabar com o Hamas, é uma enteléquia e ainda mais se não for concebida uma alternativa séria para preencher o vazio de poder deixado pela milícia fundamentalista e poder tomar as rédeas da Faixa quando a situação de guerra terminar. O principal porta-voz militar, Daniel Hagari, fez declarações explosivas no canal de televisão israelense 13 na noite de quarta-feira que põem em causa os planos de Netanyahu e que levantaram muita poeira.

Hagari foi claro na entrevista ao traçar o panorama do enclave palestino: “Dizer às pessoas que não haverá terrorismo em Gaza, que não haverá operações militares, que não haverá um único foguete, que não haverá um único homem armado, é mentir. Haverá terrorismo em Gaza. O Hamas é uma ideia. Para substituir as pessoas que fazem serviços públicos, as pessoas que distribuem alimentos ou roubam alimentos, é preciso criar outra coisa e permitir que cresça”, disse ele diante das câmeras. Consciente do impacto destas declarações, a rede catariana Al Jazeera, expulsa pelas autoridades israelenses, transmitiu-as quase imediatamente. De imediato, o chefe de governo respondeu ao porta-voz e garantiu que o gabinete de segurança que ele próprio lidera enquanto primeiro-ministro tinha como objetivo a destruição militar e política do Hamas e que este era também o compromisso das Forças Armadas, segundo de acordo com um comunicado divulgado por seu escritório.

Isso forçou o exército e Hagari a afirmar na rede social X (ex-Twitter) que “os comandantes e os seus servos estão lutando com determinação e persistência para destruir as capacidades militares e a infraestrutura governamental e organizacional do Hamas em Gaza, um objetivo militar claro. Nas suas palavras, o porta-voz referiu-se à destruição do Hamas como uma ideologia e uma ideia, e ele disse-o de forma clara e explícita. Qualquer outra afirmação tira as coisas do contexto”, esclareceu a nota publicada na rede social.

Noutra entrevista, Hagari também falou ao meio de comunicação público israelense Kan que não tem 100% de certeza de que todos os reféns restantes em Gaza possam ser resgatados em operações militares especiais e que é muito provável que a maioria seja libertada neste quadro de um acordo com os fundamentalistas palestinos.

Reféns mortos

Além do aspecto político, apenas cerca de 50 reféns dos cerca de 250 que o Hamas sequestrou em Israel em 7 de outubro ainda estão vivos, segundo o Wall Street Journal. Os dados foram trazidos por mediadores nas negociações sobre os sequestrados e por uma autoridade norte-americana familiarizada com informações de inteligência, segundo o jornal. O jornal lembra que 116 permanecem cativos, mas este número inclui os que se acredita estarem mortos. Israel confirmou oficialmente que dessas centenas 43 estão mortas.

Altos funcionários diplomáticos e de defesa criticaram em privado a falta de estratégia para acabar com a campanha militar em Gaza, segundo o jornal Haaretz, ao mesmo tempo que alertaram que a exigência de “derrubar o regime do Hamas e destruir a sua força militar” não é um objetivo alcançável. A falta de alternativas de Netanyahu para o futuro da Faixa recebe críticas constantes. Em meio a esse clima, o gabinete de guerra, que tomava as decisões mais delicadas do conflito, foi explodido com a saída dos centristas e especialistas militares Benny Gantz e Gadi Eisenkot, que perderam um filho em uma das emboscadas das tropas de ocupação em Gaza.

O clima prevalecente reflete-se nestas palavras de Netanyahu no domingo passado: “Para atingir o objetivo de neutralizar as forças do Hamas, tomei decisões que nem sempre foram aceitas pelo exército. Temos um país com um exército, não um exército com um país”.

Este novo desentendimento após as palavras de Hagari evidencia o ambiente cada vez mais hostil que Netanyahu enfrenta, que além dos atritos com os militares mantém claras diferenças com os membros da coligação governamental e com as autoridades dos Estados Unidos, principal aliado de Israel. Desde maio passado, além de concentrarem a sua ofensiva em Rafah, no extremo sul, as tropas israelenses foram forçadas a reabrir combates em diferentes áreas do enclave onde o Hamas já tinha sido derrotado nos meses anteriores.

O reaparecimento da resistência armada em locais como o campo de refugiados de Jabalia, a norte da Cidade de Gaza, demonstrou há algumas semanas que a estratégia proposta por Netanyahu não estava funcionando e que, apesar da enorme diferença no potencial militar de Israel face aos grupos palestinos, a “vitória total” a que Netanyahu tantas vezes alude não está ao alcance a curto e médio prazo.

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