11 Outubro 2024
"O livro contém verdadeiros e próprios depoimentos exclusivos que serão muito úteis para todos aqueles que estudam o Israel de hoje, que continuará a ser o pivô central da atormentada região do Oriente Médio por muito tempo ainda", escreve Mario Giro, professor de Relações Internacionais na Universidade para Estrangeiros de Perúgia, na Itália, em artigo publicado por Domani, 09-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um livro de Fabio Nicolucci conta o que está acontecendo na sociedade israelense, focalizando o drama que o ataque do Hamas e a resposta de Netanyahu criaram no Estado judeu. As “três guerras” israelenses e o papel de Bibi.
Fabio Nicolucci é um profundo conhecedor da história israelense. Apesar disso, também está impressionado com a situação atual de um país que está perdendo sua qualidade democrática e talvez sua alma. Em Israele e il 7 ottobre: prima e dopo [Israel e o 7 de outubro: antes e depois, em tradução livre, Guerini e Associati), Nicolucci acompanha toda a história, desde o nascimento do sionismo e do Estado até a doutrina de segurança israelense, as guerras, a OLP, Munique, Entebbe, a Guerra do Kippur, Oslo, Líbano, até o advento de Benjamin Netanyahu.
"Israel e 7 de outubro. Antes e depois", de Fabio Nicolucci (Editora Guerini e Associati, 2024).
É uma leitura realmente fluida, útil para um resumo aprofundado da história do Estado judeu, sobre o qual tanto se fala, mas muitas vezes se esquece de algumas passagens fundamentais.
A primeira parte do livro também serve para entender o que aconteceu dentro de Israel: um aspecto que muitas vezes escapa devido à sua complexidade. Nada do que aconteceu era inevitável, como se pode entender acompanhando a parábola da esquerda israelense (o autor já havia publicado um livro anterior, Sinistra e Israele, dedicado, entre outros, a Yitzhak Rabin) e o fortalecimento da direita religiosa e supremacista que governa hoje. A habilidade do primeiro-ministro não é suficiente para explicar a mudança antropológica do Israel atual, um país muito diferente daquele que tínhamos em nossa cabeça anos atrás.
Mas aí tudo desmorona com o 7 de outubro. A loucura do Hamas faz com que o gênio do mal saia da lâmpada e nada mais será como antes, apesar de termos chegado àquela data depois de a sociedade israelense ter demonstrado que ainda possuía uma defesa imunitária democrática. É surpreendente como a primeira reação ao ataque terrorista venha justamente daqueles setores militares progressistas, em sua maioria afastados do comando pelas mãos de Netanyahu e seus parceiros. O livro trata do fracasso da inteligência, mas também de seu crescente enfraquecimento proposital pela liderança política que não confiava (nem confia hoje) em sua lealdade.
São páginas particularmente fascinantes porque escritas considerando o ponto de vista dos profissionais de segurança israelenses. Já sabemos que o objetivo político do ataque de 7 de outubro era impossibilitar os Acordos de Abraão, colocando de volta a posição pró-iraniana em toda a região. No entanto, o massacre se torna um hediondo pogrom de crianças e civis inocentes, revelando sua clara intenção genocida. A reação israelense (apoiada por todos os cidadãos) só pode ser duríssima, começando imediatamente a se mostrar desproporcional.
Aliás: a desproporção é legitimada para alcançar uma segurança definitiva (ainda que quimérica). A parte mais inovadora do livro é a que trata das “três guerras” - como o autor as chama - que Israel trava ao mesmo tempo: a do Tsahal (o exército israelense) por sua própria honra; a dos colonos na Cisjordânia; e, finalmente, a de Netanyahu contra todos. Cada uma dessas guerras se esconde atrás das outras. É possível perceber muito bem como os dois extremos podem se tocar absurdamente: as escolhas de Yahia Sinwar e as de Benjamin Netanyahu se harmonizam em uma troca atroz que permite que ambos se legitimem.
Assim, a “lenda de Massada” se impõe em Israel: um país sozinho contra todos (as 7 frentes indicadas pelo premiê), que basicamente não tem amigos (nem mesmo os EUA de Joe Biden), não quer nenhum e, consequentemente, não ouve ninguém. A única política possível continua sendo lutar ou perecer, embora todos saibam que a lacuna tecnológica entre Tel Aviv e seus inimigos cresceu em desmedida e que ninguém possui armas (aparentemente nem mesmo Teerã) para realmente ameaçar Israel.
O resultado é um paradoxo: em um momento em que o Estado judeu está mais seguro, ele se sente mais vulnerável, ou pelo menos se faz com que a população percebe essa incerteza. Assim, o 7 de outubro se torna um novo Holocausto com seu corolário de memória e medos. O livro fala de uma “aliança informal com o Hamas” a esse propósito: fazer com que a guerra dure o máximo possível e manter os cidadãos em alerta constante. Em tudo isso, há certamente um interesse pessoal do primeiro-ministro, que teme os tribunais e tem uma maioria reduzida e briguenta.
Mas - percebemos isso melhor hoje - há também um fosso ideológico cavado nas décadas anteriores, que visa a um confronto bélico com o Islã xiita (e, para alguns supremacistas israelenses, com todo o Islã). O fato de o lado sunita não protestar (como acontecia antes) serve de suporte a essa política, como pode ser visto hoje no Líbano e no confronto com os iranianos. O livro explica bem os contornos dessa “efetiva aliança sacrílega” que levou Israel aonde não esperávamos, com o surgimento de um “inimigo interno” aninhado nas divisões político-religiosas do país.
Muitos testemunhos de líderes da inteligência e do exército complementam essa análise, que o autor defende não como uma posição ideológica, mas como um real deslocamento do eixo político do país. Assinalamento especialmente o depoimento final de Yaakov Peri, ex-chefe do serviço secreto Shin Beth.
O livro contém verdadeiros e próprios depoimentos exclusivos que serão muito úteis para todos aqueles que estudam o Israel de hoje, que continuará a ser o pivô central da atormentada região do Oriente Médio por muito tempo ainda.
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O 7 de outubro colocou em risco a alma democrática de Israel. Artigo de Mario Giro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU