11 Novembro 2023
Refat Sabbah, secretário-geral da Campanha Árabe pela Educação, presidente da Campanha Global pela Educação e fundador do Teacher Creativity Center na Palestina, dá-nos uma lição de educação para a paz justamente a partir do cenário mais violento, onde não se poderia resistir à desumanização.
A reportagem é de Paolo Vittoria, publicada em Il Manifesto, 10-11-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Se perdermos a nossa humanidade, não teremos salvação, não apenas em Gaza, mas também no mundo inteiro: daí o apelo à solidariedade internacional e à colaboração entre os palestinos e o movimento global judaico pela paz.
“Em Gaza, há bombardeios por todo o lado, matando milhares de crianças, mulheres, pessoas com deficiências físicas e mentais, pessoas que não têm nada. É um genocídio. O que estamos vivendo é horrível, mas, apesar disso, devemos ensinar os direitos humanos aos professores e aos estudantes. Se perdermos a nossa humanidade, não poderemos continuar lutando pelos nossos filhos. Receio que os crimes de Gaza nos afetarão por muito tempo, e não será fácil convencer professores e estudantes a continuarem acreditando na humanidade. Mas essa é a centralidade da educação.”
Como vocês se movimentam agora em Gaza, como educadores, até mesmo operacionalmente?
Uma das nossas sedes na Faixa foi destruída pelas bombas. Por isso, estamos nos deslocando para áreas diferentes, em particular para o sul. Junto com educadores e voluntários, procuramos trabalhar com crianças, estudantes e famílias sobre a condição socioemocional e psicológica. A nossa visão é global, não nacionalista. Acho que, se você se sente global, você é global. Ainda acredito em uma humanidade global, e é por isso que a solidariedade internacional é muito importante. Se você, da Itália ou de outro país, participa na administração ou na organização de atividades pacifistas contra a guerra, você não está apenas ajudando a Palestina, mas também está ajudando a si mesmo a permanecer humano, porque o que está acontecendo em Gaza afetará o mundo inteiro: escritores, jornalistas, ativistas, mulheres e crianças devem participar. Essa é uma mensagem ao mundo. Permaneceremos humanos se exercermos a nossa solidariedade. O que está acontecendo em Gaza não está apenas destruindo vidas, mas também a nossa humanidade. A solidariedade é o lugar dos educadores e dos ativistas. Não nos é permitido nos desumanizar, destruir a história da nossa humanidade, caso contrário os homens se matarão por toda a parte, e nós legitimaremos toda violência.
Como começou a experiência da Teacher Creativity na Palestina?
Fui professor entre 1990 e 1994, quando ainda não havia o controle total sobre o sistema educacional por parte de Israel e até mesmo da Autoridade Palestina. Israel tentou controlar o sistema educacional imediatamente após o início da primeira Intifada, monitorizando materiais e professores, fechando as escolas, prendendo professores e estudantes. No início da primeira Intifada, organizei cursos populares para crianças na costa noroeste, junto com pacifistas israelenses como Arna Mer-Khamis. Naquele tempo, começaram os problemas entre estudantes e professores, entre os próprios alunos e com suas famílias e, temendo que todo o sistema educacional pudesse fechar, organizamo-nos na resistência dos professores. Abordamos esses problemas abrindo um diálogo entre nós e, em 1995, criamos a Teacher Creativity para ajudar estudantes e famílias a enfrentarem com a crise que estávamos vivendo. Havia problemas civis: como percebemos os outros e a nós mesmos. Sem liberdade de pensamento, de expressão e de movimento, o sistema educacional não tem valor… A educação deveria visar à liberdade e à humanidade, porque não podemos continuar lutando pela nossa liberdade sem amor não só por nós mesmos, mas também pelos outros que são diferentes de nós.
Como é possível manter e defender os valores humanos diante de tanta violência do exército israelense?
Em uma crise terrível como uma guerra, as pessoas começam a acreditar no nacionalismo, podem tornar-se racistas, acreditando que, se formos nacionalistas e incitarmos o ódio, protegemo-nos, e isso é obviamente um erro. Portanto, sempre, mesmo durante uma guerra, devemos defender a revolução dos direitos humanos, uma educação civil que continuamos levando adiante, olhando para o aspecto social, visto que existe uma forte ligação entre os resultados acadêmicos e sociais. Faz sentido um estudante ser excelente em matemática e depois matar alguém? Você deve ser bom não só em matemática, mas sobretudo como ser humano. Recentemente, fui convidado por um colega para um congresso sobre educação na Ucrânia. Eu lhe disse: devemos estar cientes de que não podemos perder a nossa humanidade e que o nacionalismo é um erro. As crises, como a que estamos vivendo em Gaza, têm uma perspectiva política, social e econômica, mesmo que tenhamos dificuldade em manter uma visão lúcida sobre este mundo louco.
Radicalização e fascismo, duas faces da mesma moeda…
O militarismo e a violência de Israel não têm nada a ver com os judeus. Devemos reivindicar a solidariedade internacional junto com os israelenses e os judeus pacifistas, criando um movimento global com todas as religiões, uma aliança global pela paz, contra ninguém. As pessoas devem aprender a ser equilibradas, a não se radicalizarem, porque chegarão ao ponto mais perigoso sem se darem conta. Se você pensar mecanicamente, poderá se tornar fanático. O princípio é o mesmo do fascismo: “Nós temos razão; eles estão errados”. O radicalismo também nasce de uma falsa interpretação da religião. Por tudo isto, a educação é muito importante, porque representa os valores que nós, como educadores, no mundo árabe e na Europa devemos defender, compreendendo que o radicalismo pode apoiar o imperialismo, e vice-versa. O conceito de radicalismo deveria ser discutido no campo da educação em todos os níveis. Eu temo não só por agora, mas também depois da guerra de Gaza, e, por esse motivo, todas as vozes neste mundo que pedem um cessar-fogo são importantes. Caso contrário, todos nós pagaremos um preço elevado, e não apenas em Gaza…
Vocês sentem a solidariedade dos judeus pacifistas?
A maioria dos judeus é contra a guerra e é solidária conosco. E nós, palestinos, devemos escutar o eco dessas vozes e nos unir a todos os judeus do mundo que querem pôr fim a este massacre. As comunidades israelenses se manifestam e pedem o fim da guerra, em alguns casos até mais do que nós! Portanto, esta guerra é contra todos nós: cristãos, muçulmanos, judeus. Quem justifica esta guerra comete um crime contra a humanidade. Temos relações com muitos intelectuais judeus que trabalham pela paz no mundo. Eu pessoalmente trabalho com muitos deles. O problema é a direita nacionalista e o radicalismo que vemos crescer não só aqui, mas sempre e em todo o lugar. Sem uma cultura de paz, experimentaremos a radicalização em todo o mundo. E o radicalismo justifica o fascismo. Uma última coisa... Essa paz precisa de justiça, caso contrário a paz sem justiça é como uma declaração de guerra.
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“Há um genocídio em Gaza. É preciso que permaneçamos humanos.” Entrevista com Refat Sabbah - Instituto Humanitas Unisinos - IHU