28 Novembro 2024
A entrevista é de Elmer Rivas, publicada por Confidencial, e reproduzida por Religión Digital, 27-11-2024.
Uma semana depois de banir secretamente o bispo de Jinotega, Carlos Enrique Herrera, a ditadura de Daniel Ortega aprovou em sua primeira legislatura uma reforma total da Constituição Política da Nicarágua, que entre os cem artigos modificados e revogados, um dos eles elevam à categoria constitucional a perseguição religiosa que já era praticada por meio de atos.
O novo texto constitucional no seu artigo 14 adverte que: “As organizações religiosas devem permanecer livres de qualquer controle estrangeiro”. É uma clara ameaça contra a Igreja Católica, cuja natureza como instituição e expressão da fé obedece à hierarquia baseada no Vaticano.
Para o bispo hondurenho José Antonio Canales, o regime de Daniel Ortega e Rosario Murillo procura isolar a Nicarágua e os seus paroquianos, mas “a Igreja não tem fronteiras”. “Não é concebível uma Igreja isolada. É muito difícil para os nicaragüenses esquecerem o Papa”, avalia.
Canales é uma das poucas vozes da Igreja Católica na América Latina que denuncia publicamente a repressão na Nicarágua. É secretário do Episcopado da América Central.
Em entrevista ao programa Esta Semana, transmitido nas redes sociais devido à censura televisiva na Nicarágua, o bispo da Diocese de Danlí referiu-se aos mais recentes acontecimentos de perseguição religiosa no país: o exílio do presidente da Conferência Episcopal, Carlos Enrique Herrera, e a ameaça de mais repressão.
“Em momentos em que muitas pessoas pensavam que a Igreja estava a afundar-se, ela nunca afundou e avançou”, diz ele.
O regime de Daniel Ortega baniu secretamente o bispo de Jinotega, Carlos Enrique Herrera. Você conseguiu falar com ele por telefone. Como está o bispo Herrera?
Bom. Quando falei com ele por telefone, encontrei-o sereno, calmo, mas ao mesmo tempo chocado. Nenhum ser humano pode ficar completamente tranquilo quando, da noite para o dia, eles o afastam do seu ambiente, do seu trabalho pastoral.
Foi uma combinação de emoções. Serenidade, mas também aquela incerteza, aquele impacto humano quando qualquer pessoa é tirada abruptamente do seu ambiente, e de um ambiente que ela amou muito.
Uma fonte ligada à Igreja do país disse ao Confidencial que a Polícia o deteve enquanto viajava por Manágua e lhe disse que seria exilado por atentar contra a ordem e a segurança pública. Ele lhe contou as razões e as circunstâncias de seu exílio?
Não podíamos falar sobre esses detalhes. A maioria das pessoas conseguiu ver o vídeo quando ele reclama de uma forma bastante irritante. Ele reclamou que estavam atrapalhando a Santa Missa que ele oficiava com esses palestrantes, e o desconforto foi perceptível neste vídeo.
Em nenhum lugar do mundo te expulsariam do seu país porque você reclamava dos alto-falantes que ficavam bem alto na frente da sua casa, por exemplo. Nenhum país civilizado do mundo o expulsaria por isso. Mas neste caso, é um ato sacrílego, como ele disse, que atacou a maior celebração da nossa fé católica num país que tem sido considerado o mais devoto, o mais católico da América Central.
Percebi, através de meios sérios da Igreja da Nicarágua, que várias vezes enviaram cartas ao prefeito de Jinotega e ele não atendeu aos apelos para acabar com este ataque contra a Igreja nesse sentido.
Monsenhor Herrera é o quarto bispo exilado e banido pela ditadura da Nicarágua. Centenas de padres e freiras foram perseguidos, presos e exilados. Algo semelhante acontece em outra parte do mundo?
A Nicarágua é um país muito sui generis nesse sentido. É verdade que a Revolução Cubana, na primeira parte da Revolução do início dos anos 60, expulsou muitos padres. Mas, com o diálogo, com os acordos entre a Santa Sé e o Governo cubano, – uma relação que persiste até hoje – está a Igreja em Cuba, realizando a tarefa pastoral. Não me lembro de outro caso semelhante ao que aconteceu (na Nicarágua).
A ditadura reformou a Constituição Política do país e, entre os cem artigos reformados, um deles alerta que as organizações religiosas devem permanecer livres do controle estrangeiro. O que isso significa para a Igreja Católica?
Há coisas que se vê chegando. Existe um plano para isolar completamente a Nicarágua de todas as relações com o mundo exterior. Toda a jornada que o Governo da Nicarágua percorreu desde 2018 é para criar uma Coreia do Norte na América. Mas a situação geográfica da Coreia do Norte é muito diferente da situação geográfica da Nicarágua, no coração da América.
O que este artigo da Constituição pretende é que a Igreja Católica, tal como todo o plano, não tenha qualquer interferência externa. O problema é que não se concebe uma Igreja isolada, porque a Igreja é comunhão com Cristo e com o sucessor de Pedro, que é o Papa. É impossível pensar numa Igreja, sem Cristo e sem o Papa, que é o seu vigário.
Será muito difícil para os nicaragüenses esquecerem o Papa, não viverem aquela comunhão com a Igreja universal que faz parte da essência do catolicismo: a comunhão.
Mas em termos práticos da Igreja Católica como instituição, que impacto isso terá na hierarquia católica na Nicarágua? Irão forçá-los a romper relações com o Vaticano? Rosario Murillo, Daniel Ortega, nomeará padres, delegará ações pastorais no interior do país?
Já sabemos que a Nunciatura Apostólica está fechada em Manágua. E eles (o regime) falam numa suspensão das relações diplomáticas com o Vaticano. Eles nunca ousaram falar sobre uma separação. Mas, na realidade, é uma ruptura quase completa. Então, como não há Nunciatura Apostólica em Manágua, todo o trabalho dessa relação que a Igreja universal está pendente para que não faltem bispos nos diferentes países, tudo isso está quase no zero.
Tem sido muito difícil para a Igreja manter este acompanhamento que faz com todos os países do mundo, nomear bispos, e fazê-lo da maneira que a Igreja faz com consultas e tudo mais.
Existe algum precedente como o da Nicarágua na América Latina ou no resto do mundo que eleve um conceito semelhante como esse ao status constitucional?
O único caso que conheço é o da China. Dizem o seguinte sobre a Igreja: nenhum cidadão chinês deve obediência a uma potência estrangeira. Porque eles tomam o Vaticano como um Estado. No entanto, não pertencemos nesse sentido ao Vaticano, mas antes pertencemos à Igreja universal, ao povo de Deus. Ele sabe que existe, não o Estado do Vaticano, mas aquilo a que estamos unidos é Cristo na pessoa do sucessor de Pedro, que é o Papa. É muito difícil compreender o catolicismo sem esta ligação, sem esta comunhão com Cristo e com o Papa.
Na Nicarágua há quatro bispos e mais padres sitiados, vigiados, ameaçados. Existe também um clima de censura e autocensura dentro e fora da Nicarágua. Em que reside a esperança da Igreja?
A Igreja tem 2.000 anos e nestes anos vivemos de tudo. A Igreja é um barco. A Igreja aprendeu a viver em tempos de águas calmas. Também teve fortes furacões. Mas a Igreja continuou e os furacões foram de todos os calibres, como o que a Igreja está a viver agora na Nicarágua.
Jesus é a nossa esperança, mas também nisso a história nos conta como nos momentos em que muitas pessoas pensavam que a Igreja estava a afundar-se, ela nunca afundou e avançou. Portanto, a nossa esperança também tem a ver com a história da Igreja nestes 2.000 anos.
E o que a Igreja, os bispos, os padres podem fazer fora da Nicarágua?
Fique atento em como podemos ajudar, clandestinamente, porque a situação é assim, certo? Digo muito na Catedral de Danlí e aqui em Honduras, sempre que é hora de falar: os países têm fronteiras, os países têm costumes. Mas não a Igreja. A Igreja não tem fronteiras.
O que acontece na Nicarágua é sentido em todo o mundo, como se fôssemos nós que lá estivéssemos. Isto nos faz prestar atenção para ver como os sinais dos tempos indicam como manter esta proximidade com o povo, com a Igreja na Nicarágua.
Nessa proximidade, nesse acompanhamento, o silêncio é uma opção diante de uma ditadura que a Igreja persegue?
O silêncio pode ser e considero válido. Há momentos em que o silêncio é valioso. Mas, cada um de nós avalia se é hora de falar ou não é hora de falar. E tudo depende de onde estou.
Não é uma pergunta fácil. Eu mesmo faço isso. Acho que todos nós fazemos isso, aqueles de nós que estão próximos daquilo que vive o povo católico da Nicarágua. Mas quando não parece ter valor, talvez o tempo e a história nos digam que talvez tenha sido valioso em algum momento. Mas confio que o Espírito Santo, dentro e fora da Nicarágua, nos iluminará sobre como proceder.
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“Querem isolar a Nicarágua, mas a Igreja não tem fronteiras”. Entrevista com José Antonio Canales, bispo de Honduras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU