24 Março 2020
Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 23-03-2020, descreve as linhas principais que têm orientado a vida religiosa na atual crise pandêmica. A tradução é de Luisa Rabolini.
A primeira referência é ao dicastério do Vaticano para a vida consagrada que, em 16 de março, enviou uma carta a homens e mulheres consagrados, assinada pelo prefeito e secretário card. J. Braz de Aviz e Mons. J.R. Carballo.
“Geralmente, na Quaresma, se multiplicam as iniciativas de caridade e os fortes momentos de oração e reflexão para nos preparar com espírito renovado e purificado para as férias pascoais e em nossas comunidades, até os momentos de celebração e agregação se tornam mais intensos. Este ano, no entanto, somos chamados a viver o tempo forte de fé, sempre com a mesma intensidade, mas com modalidades completamente diferentes. O testemunho mais eficaz que podemos dar é, em primeiro lugar, a obediência serena e convicta ao que é exigido de nós por aqueles que nos governam, tanto no nível estatal quanto no eclesial, a tudo o que é disposto para a proteção de nossa saúde, como cidadãos privados e como comunidade.
É um dever de caridade e reconhecimento que cada um de nós, individualmente e em comunidade, intensifique a oração incessante por todos aqueles que estão nos ajudando a viver e superar esses momentos difíceis. Autoridades, governantes, profissionais da saúde de todos os níveis, voluntários da proteção civil e forças armadas, todos aqueles que oferecem seu trabalho precioso por essa calamidade são o objeto de nossa oração e da oferta de nossos sacrifícios! Não vamos deixar faltar a preciosa contribuição que cada um pode oferecer para uma oração contínua e incessante”.
“Pensemos primeiro nas comunidades de contemplativas que querem ser um sinal tangível de oração constante e confiante por toda a humanidade. Pensemos nas muitas irmãs e irmãos idosos que acompanham todos os dias com suas orações o ministério e o apostolado daqueles que estão ativos e gastam toda a sua energia para alcançar todos os irmãos e irmãs necessitados. Nestes dias, com ímpeto ainda maior, intensifiquem esse vosso precioso e insubstituível apostolado, com a certeza de que o Senhor não tardará em nos atender e, em sua infinita misericórdia, afastará um flagelo tão grave. Com alegria, ofereçamos ao Senhor o grande sacrifício pela falta de santa missa e da participação na mesa eucarística, vamos vivê-lo em comunhão com todos aqueles que, inclusive por falta de sacerdotes, não têm o privilégio de participar diariamente do santo sacrifício.
Aqueles que podem não permitam que faltem os sinais concretos de proximidade ao nosso povo, sempre de acordo com as disposições dadas pelas autoridades a esse propósito, e em plena fidelidade aos nossos carismas, como em toda época da história passada e recente, compartilhemos os sofrimentos, as ansiedades, os medos, mas com a confiança certa de que a resposta do Senhor não demorará a chegar e, em breve, poderemos cantar um solene Te Deum de agradecimento. O santo padre Francisco, ontem, fazendo-se peregrino à Nossa Senhora salus populi romani e ao crucifixo que salvou Roma da peste, quis nos lembrar que os meios de que dispomos para erradicar infortúnios e calamidades são em nossos tempos, tão tecnológicos e avançados, os mesmos usados por nossos antepassados.
Oração, sacrifício, penitência, jejum e caridade: armas poderosas para arrancar do coração eucarístico de Jesus a graça de uma recuperação total de uma doença tão insidiosa.
Caras irmãs e caros irmãos, através dos meios de comunicação, temos a possibilidade de participar de celebrações e momentos formativos, temos a possibilidade de nos sentirmos menos sozinhos e isolados e fazer com que nossa voz chegue às comunidades mais distantes. Damos a todos um sinal de esperança e confiança e, embora vivamos com ansiedade e apreensão neste momento, estamos convencidos de que, fazendo bem a nossa parte, ajudamos a comunidade a superar a presente hora sombria”.
A presidente da conferência dos religiosos e religiosas francesas, irmã Véronique Margron, divulgou uma longa carta em 16 de março para dar indicações práticas e diretas às comunidades religiosas francesas.
“Muitas comunidades ficarão sem Eucaristia nestas semanas. Uma falta que nos fará sofrer. Que possa ser a ocasião para uma comunhão mais profunda com o povo invisíveis que se reúne em cada um de nós e no coração das nossas comunidades. É o momento de expandi-lo ainda mais. A questão da vigília fúnebre de nossos irmãos e irmãs falecidos e das celebrações dos enterros se apresenta com uma agudeza particular. Para além da atenção necessária à saúde, voltaremos a comunicar indicações mais precisas, para que aqueles que morrem continuem sendo honrados como convém a um ser humano e que seja sempre manifesta a nossa esperança de sua acolhida junto ao Deus de toda a ternura."
“Não se trata de combater o vírus apenas por nós, mas em nome da fraternidade, em nome do cuidado do outro, dos mais frágeis da nossa sociedade. Migrantes doentes, sem-teto, pessoas pobres e muitos outros. Nossas sociedades, talvez também nós, habitualmente colocamos em quarentena mulheres, homens e grupos humanos. A ponto de torná-los bodes expiatórios. Nossa história, também religiosa, traz os estigmas disso até os dias atuais. A quarentena em que estamos agora poderia ter a virtude espiritual de nos aproximar com a fé e o coração de todos esses rostos vulneráveis, rejeitados, marginalizados e de todos os sofredores. A fraternidade ainda anima a direção do nosso sistema sanitário e de toda a equipe de atendimento que o faz viver dia a dia. Eles estão na fronteira para todos nós. Conhecemos sua competência, seu envolvimento. Também conhecemos os limites do sistema, mesmo em um país rico como o nosso. Não devemos ser corresponsáveis por negligência ou imprudência em colocá-lo ainda mais sob tensão. Nas próximas semanas, os doentes e gravemente doentes aumentarão. O vírus pode afetar qualquer pessoa e formas graves podem se desenvolver em todos".
“A fraternidade exige que façamos o possível para não sobrecarregar os serviços especializados ou todo o sistema de atendimento, esgotando aqueles e aquelas que se empenham com paixão. Façamos sentir o nosso agradecimento”.
É nossa tarefa inventar novas formas de hospitalidade, "encontrar maneiras que falem da nossa amizade e do nosso cuidado. Nossa capacidade para a humanidade terá que ser medida nessa luta de longa duração. Não para desafiar um vírus, mas para ser em nossas modestas medidas pequenos laboratórios despretensiosos dessa criatividade de vínculos”.
Sem entrar nas polêmicas políticas, é o momento de querer "que a nossa democracia, que expressa a maneira como estamos visceralmente ligados à liberdade, dignidade e fraternidade, possa resistir e superar essa crise sem precedentes".
“Nossa tradição bíblica nos lembra que as calamidades nunca estão longe. Também nos lembra que o homem precisa de tempo, 40 dias, 40 anos, para encontrar seu caminho, mudar sua vida, seu coração. É hora de se abrir, ampliar o espaço da tenda interior. Nessas semanas cinzentas, muitas pessoas estão e estarão desoladas, em dificuldade, sem nenhum apoio. Como Igreja, precisamos encontrar uma maneira de apoiá-las, mesmo que não possamos alcançá-las fisicamente, como muitos de nós costumam fazer visitando-as e acompanhando-as. Manifestar a escuta, a nossa proximidade sincera, a nossa fé humilde e tenaz é uma prioridade. O apoio espiritual e humano não se interrompe quando pessoas e famílias mais precisam, quando os lugares habituais, como a capelania ou a paróquia, não podem responder. O serviço da Igreja hoje não é o de ontem. É a compaixão por quem precisa. Cabe a nós inventar uma nova forma a serviço de todos neste momento de grande provação para muitos”.
Em uma carta do provincial dos Dehonianos, pe. Enzo Brena, de 17 de março, se enfrenta mais diretamente do tema da relação e da manutenção da comunidade.
“A atual condição crítica - agora mundial, tendo atingido todos os continentes - nos ‘forçou’ a tomar consciência de quão importantes são os valores fundamentais de nossa humanidade, que há tempo se tornaram opcionais, quase esquecidos. Pessoa, acolhimento, respeito, dignidade, estima, solidariedade, compartilhamento, misericórdia, lealdade, honestidade, fidelidade, etc .: todos os valores que ainda existem, mesmo que nem sempre estejam no topo do lista da atenção que nós, por coincidência, também escolhemos viver em fraternidade evangélica. A condição atual nos lembra, acima de tudo, quão importantes são as relações, quão saudáveis e bons nos lembrarmos uns dos outros e nos comunicar. Todas são realidades conhecidas por nós em teoria, mas muitas vezes esquecidas na prática, assoberbados como somos pelos nossos programas, compromissos, interesses ... assoberbados por nós mesmos, enfim”.
“Viver lado a lado sem poder sair nos coloca em condições, como nunca antes em nossas comunidades, de experimentar a qualidade e profundidade da liberdade com a qual escolhemos ser irmãos; para verificar se a medida de nosso viver em comunidade é o irmão ou o nosso eu”.
“Caríssimos, nestes dias difíceis, ajudemo-nos a respeitar as regras de comportamento para enfrentar a atual emergência sanitária e aceitamos esse tempo de sacrifícios como uma oportunidade de conversão. Ao nos ajudar, conseguiremos derrotar não apenas o coronavírus, mas também os tantos patógenos que estão dentro de nós e que nos impedem de contemplar, já desde agora, a beleza da obra de Deus que é cada um de nós, que é o ser humano vivente”.
Existem alguns elementos que retornam persistentemente neste e em outros textos.
O bloqueio dos deslocamentos enfatiza necessariamente a dimensão comunitária e de oração. Estar juntos é posto à prova e, ao mesmo tempo, é um recurso extraordinário. Um laço que nasce como um dom do Espírito e que se torna verdadeiro no cuidado recíproco, no serviço, no encorajamento. Um desafio específico é ativo nas comunidades multiétnicas, onde pode haver reações diferentes à emergência. Os idosos são uma bênção, mas também um motivo adicional de atenção.
Não faltam casos de doentes (há comunidades inteiras em quarentena), com a necessidade de salvaguardar seu isolamento e sentir a ausência, pelo menos temporária, do culto dos funerais para os que morrem. O tema da intercessão se torna muito forte em relação a quantos (fiéis, colegas, amigos, familiares etc.) eram as referências normais da atividade pastoral. A oração pessoal e comunitária torna-se a opus Dei, obra de Deus em cada um e de cada um nele e na Igreja. Assume claramente o papel do ponto focal da comunidade. Para as comunidades femininas, muitas vezes privadas da celebração eucarística, a dimensão da oração assume uma importância ainda maior.
Há uma insistência incomum na obediência às regras de saúde pública que as autoridades emitem. A reivindicação de contrastá-los em nome de uma retórica autonomia parece não ter nenhum papel significativo, apesar de as comunidades lembrarem da coragem demonstrada pelos religiosos em outras emergências epidêmicas da história. Nessa atenção está inscrito tanto o respeito e o apoio ao pessoal que presta cuidados, como um sentido positivo mais radical do estado democrático e de sua defesa.
O trabalho pastoral encontra caminhos inesperados, graças às novas ferramentas de comunicação. Do amplo uso das redes sociais à transmissão das celebrações, do tradicional telefone aos contatos diretos (sempre dentro das regras), reanimam uma rede de laços, mesmo que não tão extensa quanto a anterior. Para quem tem um emprego relacionado ao computador, continua seu empenho, mesmo sem o equipamento adicional garantido pelo escritório.
A comunidade que combina as relações diretas com aquelas de amizade e familiares, bem como os meios de comunicação pública, é incentivada, por um lado, a uma determinada disciplina, para que a informação não perturbe o coração espiritual da empreitada e, pelo outro, mediante a solicitação de informações confiáveis, com uma reserva crítica em relação às falsas informações que circulam na rede.
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Religiosos e religiosas: manifestações na pandemia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU