Sete palavras para um sonho

Abstrata. | Foto: PxHere

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25 Novembro 2017

"As tomadas de posição do Papa Francisco, cuja eclesiologia é tudo menos ingênua, nos encorajam a "sonhar". E o "sonho", biblicamente falando, é exercício de profecia. Sim, eu tenho um sonho: o de uma Igreja não engessada, mas flexível, não autocentrada, mas aberta, não apologeticamente empenhada em defender a própria verdade/veracidade, mas pronta para acolher a verdade que o Espírito derrama mesmo fora de seus limites confortáveis (às vezes augustos). Sonho a "Igreja que virá" aceitando com entusiasmo a imagem do "poliedro": nem pirâmide, nem esfera, mas multiplicidade facetada que reverbera de forma diferente e originalmente a luz" escreve Cettina Militello, teóloga, em artigo publicado por Il Regno delle donne, 20-11-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

O Novo Testamento atesta a flexão múltipla da solicitude eclesial e não faz distinção entre homens e mulheres (cf. Rm 16). Infelizmente, a longa história das comunidades cristãs desenvolveu-se no sinal da rápida progressiva perda de qualquer prática inclusiva.

Mas o modelo de comunhão (e sinodal) iniciado pelo Concílio Vaticano II marca a re-aquisição da subjetividade no povo de Deus inteiro: homens e mulheres que, no Espírito, redescobrem juntos o seu direito/dever sobre o anúncio, o louvor, a responsabilidade mútua, segundo as peculiaridades de tempo, lugar e cultura.

O serviço/diaconia ad intra e ad extra torna-se padrão da própria Igreja e da sua necessária reforma. A "Igreja que virá" deve, portanto, sinalizar o abandono de tudo o que comportou em um mal-entendido sobre as relações de gênero e sobre outras relações ligadas a modelos sócio-culturais sagrados piramidais hierarquizados.

Sonhar a Igreja que virá...

Aqui segue um sonho de sete palavras para a recíproca diaconia (de todos os fiéis e das Igrejas). O meu desejo não é um desejo substitutivo do Espírito, mas a simples expressão de uma esperança. A Igreja que virá será muito diferente da que conhecemos. Digo isso com uma ponta de tristeza porque nunca questionei a atitude de gratidão para com a comunidade que me gerou para a fé e para a qual devo, na contextualidade do pós-Concílio, a aquisição de instrumentos críticos que fazem com que a projete e a espere "diferente". Eu amo a Igreja para além de suas contradições e jamais sonharia em abandoná-la. Mas, para usar um slogan feliz, "Se não agora, quando?".

As tomadas de posição do Papa Francisco, cuja eclesiologia é tudo menos ingênua, nos encorajam a "sonhar". E o "sonho", biblicamente falando, é exercício de profecia. Sim, eu tenho um sonho: o de uma Igreja não engessada, mas flexível, não autocentrada, mas aberta, não apologeticamente empenhada em defender a própria verdade/veracidade, mas pronta para acolher a verdade que o Espírito derrama mesmo fora de seus limites confortáveis (às vezes augustos). Sonho a "Igreja que virá" aceitando com entusiasmo a imagem do "poliedro": nem pirâmide, nem esfera, mas multiplicidade facetada que reverbera de forma diferente e originalmente a luz. Sonho uma Igreja "desclericalizata" "desierarquizada", "descentralizada", "pluricultural", "solidária", "em saída”, "a serviço".

  • Biblicamente, "clero" é um dos sinônimos para "povo de Deus"; a clericalização parcial da igreja produziu sujeitos prepotentes e invasivos, por privilégio subtraídos da dimensão constitutiva do serviço. O desclericalização pede a remoção de toda hipoteca “sacerdotal-sagrada”.
  • Sonho a Igreja que virá "desierarquizada", povo de Deus diversificado pelos dons que o Espírito concede a cada um e que a comunidade, na sua complexa articulação, discerne e autentica. A estrutura hierárquica é uma consequência do modelo patriarcal que nada tem a ver com a fraternidade/irmandade, dentro da qual é claro que existem diferentes funções que, porém, não afetam o traçado original. Desierarquizar significa restituir para o povo de Deus subjetividade ativa e às Igrejas todo o seu status sinodal.
  • Sonho a Igreja que virá no signo da autonomia e da "descentralização". Também eu percebo a necessidade de instituir patriarcados continentais e subcontinentais, de modo a assegurar que de novo, em sinodalidade permanentemente, as Igrejas locais sejam sujeito de prática constante para a pluralidade das culturas onde estão inseridas.
  • A Igreja que virá é "multicultural". O recente motu próprio Magnum principium reitera o critério da adaptação, e a subjetividade das Igrejas em exercê-lo. Expressa assim o respeito pelas culturas nativas que caracterizam as Igrejas, elas próprias "sujeito cultural".
  • A Igreja que virá só pode ser "solidária" com as expectativas e as necessidades de todos. O texto da Gaudium et Spes deve ser incrementado e ulteriormente focado em temas candentes. A Igreja não defende o tripé burguês "Deus Pátria Família"; aliás, coloca-o em discussão quando compromete o primado do amor, em sentido estrito e absoluto o único mandamento cristão.
  • A Igreja que virá é, portanto, Igreja "em saída” e “a serviço”, que vai em busca daqueles que a deixaram ou que simplesmente perderam o sentido de estar no mundo. É uma Igreja pobre e para os pobres, que - para usar a expressão de Dom Tonino Bello - reúne estola e avental. E se a estola é legado de autoridade imperial e, portanto, vale a pena ‘transculturá-la’, o avental permanece com toda a sua imediatez de re-aculturação do serviço. Então, sonho uma Igreja "serva" em todos os seus membros, nas contextualidades diversas do pensar-se e propor-se ao mundo. Ela também mundo e carne, criatura. Sonho uma Igreja finalmente eficaz por ter internalizado o serviço, porque cruzou o "limiar" reconhecendo o próprio "limite" de sinal e instrumento do encontro com Deus e de unidade entre todos os seres humanos.

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