23 Março 2020
“Religião e Evangelho são meio ou caminhos opostos para buscar a Deus. Foi preciso o coronavírus, para que as pessoas se dessem conta da diferença entre religião e evangelho”, escreve José María Castillo, teólogo espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 22-03-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Uma das coisas que estão se tornando mais evidentes nessa enorme desgraça que estamos sofrendo – a pandemia de coronavírus – é a diferença entre religião e evangelho. Porque são duas coisas muito diferentes. E, em alguns assuntos de enorme importância, são experiências e práticas contraditórias. Foi preciso uma desgraça, assustadora como o coronavírus, para muitas pessoas perceberem a diferença entre religião e evangelho.
Quero dizer. Uma das coisas mais óbvias que estamos vendo hoje em dia é que manifestações públicas de religião (procissões, cerimônias religiosas solenes, funções sagradas nos templos etc.) são um obstáculo e até um perigo. Enquanto, pelo contrário (em alguns casos e até alguns dias atrás), sentimos falta de que, na vida e na convivência diária, o evangelho estava mais presente, que é a cura dos doentes, atenção ao que os mais infelizes deste mundo precisam, aqueles que estão em perigo de morte (mendigos, idosos, marginalizados, moribundos) e até os mortos.
Pois, se tudo isso for pensado lentamente, percebemos que foram os “homens da religião” que não puderam tolerar o “Evangelho de Jesus”. E foram os sumos sacerdotes do templo que condenaram Jesus à morte, que forçaram Pôncio Pilatos a crucificá-lo, que zombaram de Jesus em sua agonia. E eles não descansaram até vê-lo morto. É um fato evidente: a “Religião” não poderia coexistir com o “Evangelho”.
O que é compreensível. Porque “religião” e “evangelho” são meios ou maneiras de buscar a Deus. Mas eles são meios ou caminhos opostos. A "religião" é um conjunto de crenças, normas e ritos, para acalmar a consciência. O “evangelho” é um “modo de vida” que coloca todo o seu interesse em remediar o sofrimento daqueles que têm dificuldades na vida. E tudo isso explica por que a “religião” tem seu centro no “sagrado”, enquanto o “evangelho” tem o seu centro no “humano”.
E é isso que explica porque, de acordo com o “evangelho”, Deus “se encarnou”, ou seja: Deus “tornou-se humano”. Primeiro de tudo, em Jesus de Nazaré. Assim, o próprio Jesus poderia dizer ao apóstolo Felipe: “Quem me vê está vendo a Deus” (Jo 14, 7). Mas não apenas em Jesus. Deus está presente em todo ser humano. Por essa razão, o próprio Deus dirá a cada um no juízo final: “O que você fez a cada um deles, você fez comigo” (Mt 25, 40).
Pois o fundo da questão está em algo que não entra em nossa cabeça. Em nossa intimidade mais profunda, sempre carregamos perguntas que não podem ser respondidas. Muitas vezes fugimos de nós mesmos ou tentamos fugir, procurando soluções divertidas ou egoístas. Soluções de emergência que duram pouco. No fundo, permanecem perguntas e o vazio. Há também aqueles que buscam uma resposta na religião. Mas os ritos religiosos são ações que, devido ao rigor da observância das normas, acabam constituindo um fim em si. Com isso, eles não resolvem seu problema, nem vão a lugar algum. E finalmente: quando focamos nossa vida no “ethos”, na conduta de honestidade e bondade, no projeto de vida que nos humaniza, nos tornamos pessoas honestas e boas, então encontramos o Evangelho.
E é com o “projeto de vida”, que humaniza nossas vidas, com isso contagiamos felicidade e seremos felizes, inclusive aguentamos as pandemias que podem nos invadir.
Que enorme erro se cometeu na Igreja quando, com o passar dos anos, acabou por fundir e confundir o Evangelho com a Religião!
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Igreja e Reino transpassam o Vaticano. “O coronavírus faz perceber a diferença entre religião e evangelho”. Artigo de José María Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU