20 Março 2020
Os católicos não devem esperar muita criatividade pastoral do papa durante este longo período litúrgico.
O artigo é de Robert Mickens, publicado por La Croix International, 19-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em tempos de crise pública, as pessoas buscam orientação e direção junto aos seus líderes eleitos.
E, à medida que o coronavírus se espalha em comunidades em todo o mundo, a maioria desses líderes adotaram medidas severas de isolamento para retardar o avanço da pandemia.
Aqueles que ainda não o fizeram estão se movendo nessa direção.
Estamos trancados em casa agora. E provavelmente vamos permanecer no mesmo lugar por muito mais tempo do que qualquer um de nós jamais esperava.
Aqui na Itália, nossas medidas virtuais de prisão domiciliar expiram no dia 3 de abril, quando o governo reavaliará a situação. A maioria de nós está se preparando para a probabilidade de que elas sejam estendidas até o fim de abril – pelo menos.
Isso significa que igrejas, sinagogas e mesquitas – que tecnicamente podem permanecer abertas para a oração particular e individual – não estão promovendo serviços de culto comunitário.
Os católicos não podem comparecer à missa. Aqui, as igrejas – assim como as de outros lugares do mundo que estão no auge da Covid-19 – estão em um confinamento litúrgico.
Provavelmente, não poderemos nos reunir para a Eucaristia na Páscoa.
Esse provavelmente não será um grande problema para a maioria das pessoas aqui. Embora a Itália ainda seja considerada um país católico, a pesquisa mais recente (de abril de 2019) sugere que o número de católicos caiu para 66,7% da população. Apenas 34% das pessoas nesse grupo se identificam como “praticantes”.
Além disso, estima-se que apenas 18% a 20% dos católicos italianos participam da missa aos domingos. E essa é considerado uma estimativa generosa.
Mesmo assim, católicos daqui e de todo o mundo estão buscando orientação junto a seus padres e bispos. Cada vez mais pessoas olham para o papa.
Algumas estão muito chateadas pelo fato de a maioria dessas lideranças da Igreja ter cancelado todas as missas públicas. Estão ainda mais estão zangadas e perturbadas por terem colocado uma moratória na celebração de casamentos e, mais importante neste momento, de funerais.
Provavelmente, a grande maioria dos católicos praticantes aceitou esse destino assim como ele é – um fardo ou sacrifício temporário. E eles entendem o motivo: impedir que o coronavírus se espalhe e ceife mais vidas entre os idosos e aquelas pessoas que já tem outros problemas de saúde.
Nenhum de nós – quer participemos da missa dominical apenas ocasionalmente ou nunca perdemos uma missa em toda a nossa vida – estamos felizes com essa situação. Estamos sendo levados a sair da nossa zona de conforto e daquilo que nos é mais familiar, para encontrar outro modo de “guardar o Dia do Senhor”.
A obrigação de participar da missa não é um mandamento divino, é uma lei estabelecida pelos homens da Igreja. A obrigação pode ser posta de lado por razões válidas. E isso é feito o tempo todo. Pense na dispensa ao viajante ou na dispensa concedida durante emergências climáticas severas.
Mas a questão se tornou um pouco mais aguda: o que devemos fazer durante todo esse período de confinamento litúrgico e sacramental?
Existem os métodos tradicionais que existem há décadas – transmissão da missa via rádio (desde os anos 1930) e televisão (desde os anos 1950).
Atualmente, o Vaticano está transmitindo ao vivo a missa diária que o Papa Francisco celebra na capela em sua residência em Santa Marta. E vários bispos em todo o mundo começaram a imitá-lo em suas próprias dioceses, presidindo missas televisionadas pelo menos aos domingos, senão até todos os dias.
Mas esse tipo de missa para pessoas confinadas é o melhor que podemos oferecer durante o nosso confinamento litúrgico?
Isso parece ser algo extremamente sem imaginação e clericalista, especialmente em um pontificado que – desde o primeiro dia – enfatizou a necessidade de sermos pastoralmente criativos e que condenou o clericalismo.
Francisco parece um pouco perdido agora. Ele elogiou os padres por encontrarem formas criativas para ficar perto do seu povo neste tempo de distanciamento social e de autoquarentena. No entanto, ele não tem sido capaz de encontrar meios criativos para fazer isso.
Ele está “enjaulado”, como ele disse com visível frustração no primeiro dia em que foi forçado a rezar o Ângelus no escritório papal do Palácio Apostólico, em vez de fazê-lo na janela com vista para a Praça de São Pedro. O pontificado da proximidade, como alguns o chamaram, também está em confinamento.
O papa de 83 anos está sentindo as restrições. Então, ele começou a dar entrevistas por telefone e por videochamadas. Isso não é ser criativo. E, francamente, não parece ser muito útil.
Francisco pode se dirigir ao mundo todas as manhãs a partir da sua capela em Santa Marta e duas vezes na quarta-feira. É nesse dia que ele também oferece a sua catequese semanal via TV e transmissão ao vivo, agora que as Audiências Gerais estão suspensas.
Desde a Quarta-Feira de Cinzas, sua única fuga do Vaticano foi uma visita recente a duas igrejas romanas, onde ele rezou diante de ícones religiosos que têm a fama de ter poderes quase mágicos e milagrosos.
Diante de uma imagem da Virgem Maria e de um crucifixo “milagroso”, o papa jesuíta pediu a Deus que pare o coronavírus. Foi o que ele disse esta semana em uma dessas novas entrevistas.
Isso pode ser reconfortante para alguns católicos e para os supersticiosos. Mas não ajuda ninguém a encontrar maneiras criativas para aproveitar proveitosamente o nosso jejum litúrgico forçado.
Pelo contrário, esse tipo de gestos reforçam a ideia de que o papa está encarregado de carregar o fardo de todos nós através deste deserto. Ele é o superbispo, o sumo sacerdote e o santo que intercede, em um ato solitário, por todos os outros...
Depois que ele se assomou à janela e abençoou uma Praça de São Pedro completamente deserta depois do seu Ângelus enjaulado, um escritor ficou maravilhado por Francisco ser como um novo Moisés! Exceto que não havia nenhuma Aarão ou Hur para ajudar a segurar seus braços cansados. Ele estava sozinho.
Mas, de fato, o papa não está sozinho. Há mais de um bilhão em outros católicos nesta terra que estão com ele. Eles também podem rezar.
Não se espera que ele invente sozinho os métodos para fazer isso, especialmente durante esta situação sem precedentes em que grande parte da Igreja global se encontra agora.
Francisco disse em diferentes ocasiões (em primeiro lugar, na Evangelii gaudium [n. 16]) que não se deve esperar do papa “uma palavra definitiva ou completa sobre todas as questões que dizem respeito à Igreja e ao mundo” ou que ele “substitua os episcopados locais” ao lidar com situações no nível local.
Ele também disse que há algo terrivelmente fora do equilíbrio quando os católicos estão preocupados “mais com lei do que com a graça, mais com a Igreja do que com Cristo, mais com o papa do que com a palavra de Deus”.
Os católicos precisam pensar sobre isso e ter imaginação para encontrar formas para garantir que o confinamento litúrgico e sacramental não os leve apenas a “assistir” à missa na TV ou na internet. Ou, pior, isso não deve levar a um intervalo temporário da oração ou de sua “observância religiosa” regular.
Estamos sendo desafiados a procurar fontes frescas e prados verdejantes neste deserto no qual fomos jogados de repente. Não devemos exigir nem esperar que nossos pastores, incluindo o papa, saibam o caminho melhor do que nós neste momento.
Como o Papa Francisco disse muitas vezes, o pastor lidera o rebanho, mas principalmente caminhando no meio das ovelhas. No entanto, às vezes ele deve seguir atrás, para impedir que as que estão na retaguarda se afastem.
E é nesses momentos que ele percebe que suas ovelhas têm um instinto natural para encontrar os campos mais verdes.
Os católicos precisam seguir seus instintos e procurar o alimento espiritual que seus pastores, pelo menos por enquanto, não podem fornecer.
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A frustração do Papa Francisco com o coronavírus e o “confinamento litúrgico” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU