16 Março 2020
"O personagem que mais se interessou pela saúde das pessoas e mais se dedicou a curar os enfermos foi Jesus de Nazaré, como o Evangelho nos apresenta [...] Por isso, e diante desse estranho silêncio da Igreja com o que está acontecendo, o que isso significa? Com o que os líderes do clero estão preocupados? O sofrimento dos mais desamparados? Será que eles têm outros interesses e outras preocupações que realmente importam para eles?", escreve José María Castillo, teólogo espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 14-03-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Eis o artigo.
Se há algo que a pandemia do coronavírus está nos ensinando, que estamos sofrendo, é que a coisa mais importante, para todos os seres humanos, é a saúde. É com isso que estamos mais preocupados e mais interessados no momento. Saúde vem em primeiro lugar. Todo o resto passa para um segundo plano e está sujeito ao problema de saúde. Até dinheiro, política, diversão, tudo, tudo.
Bem, essa suposição, e vendo a realidade desse ponto de vista, não há dúvida de que, se há algo claro e que não admite dúvida, é que o personagem que mais se interessou pela saúde das pessoas e mais se dedicou a curar os enfermos foi Jesus de Nazaré, como o Evangelho nos apresenta. Considerando que Jesus não era médico. Jesus era um “homem religioso”. Mas ele entendia a religião de tal maneira que, para ele, a prioridade e o mais urgente era remediar o sofrimento de todos os tipos de pessoas doentes. Com isso Jesus veio nos ensinar que a primeira e mais importante coisa que a religião tem a fazer é resolver o problema que mais interessa a todos nós, o problema da saúde.
Para entender melhor o que acabei de dizer, é essencial ter em mente que o Evangelho é uma mensagem religiosa. Mas Jesus entendeu e praticou a religião de tal maneira que o primeiro e mais importante para ele nunca foi seguir exatamente os rituais e normas da religião. Tampouco foi prioridade, para Jesus, submeter-se aos sacerdotes.
A prioridade, para Jesus, era sempre aliviar e remediar o sofrimento dos enfermos, dos pobres, dos mais desamparados deste mundo. Embora isso tivesse que ser feito quebrando as normas dos líderes religiosos ou negligenciando o cumprimento das normas e obrigações impostas pelo clero da época.
Portanto, o que importa, nos quatro evangelhos, não é a “historicidade” dessas histórias, mas o “significado” do que Jesus fez e disse. O que significa cada história? Isso é o que importa. É claro que Jesus veio nos dizer que ele é o Filho de Deus. Jesus é Deus. Mas no fundo, o que isso significa? Significa que Deus está onde o sofrimento dos enfermos e a fome dos necessitados são remediados.
Então Jesus intrigou a todos. Até João Batista ficou intrigado. Por isso ele enviou alguns discípulos para perguntar a Jesus: “Você é quem tinha de vir ou esperamos por outros? ” (Mt 11, 3). A resposta de Jesus foi muito clara: “Ide e contai a João o que estás vendo e ouvindo: os cegos veem e os coxos andam, os leprosos estão limpos e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres recebem as boas novas” ( Mt 11, 4-5; Is 26, 19).
No fundo, é isso que o papa Francisco diz. E é isso que nossos bispos e padres teriam a dizer. Por isso, e diante desse estranho silêncio de nossa Igreja com o que está acontecendo, o que isso significa? Com o que os líderes do clero estão preocupados? O sofrimento dos mais desamparados? Será que eles têm outros interesses e outras preocupações que realmente importam para eles? E para constar, se digo isso, é porque amo nossa Igreja com toda a minha alma. Mas eu a quero menos preocupada com seus privilégios. E mais interessada em viver o Evangelho.
Leia mais
- A fé em tempos de coronavírus. Artigo de James Martin
- Coronavírus, distanciamento social e a companhia da fé. Artigo de Massimo Faggioli
- Para combater coronavírus, Pastoral Carcerária pede que Estado solte presos
- O Papa pede aos padres que tenham coragem “de levar aos doentes a força de Deus e a eucaristia”
- Coronavírus über alles
- Cumpre-se o pior temor do Papa: o coronavírus chega a Lesbos e ameaça milhares de refugiados
- Coronavírus, o Papa não esquece “seus” pobres. Krajewski: “Nós os ajudamos com inteligência evangélica, de acordo com as normas”
- O que o coronavírus tem a ver com as mudanças climáticas?
- Diante do Covid-19, como ficam os trabalhadores informais?
- Em meio à pandemia de coronavírus, Brasil enfrenta “desertos” de UTIs
- Mundo em suspenso: o coronavírus, a incerteza e o invisível
- A classe operária em tempos de coronavírus. Artigo de Moni Ovadia
- Coronavírus: Médicos podem ter de fazer 'escolha de Sofia' por quem vai viver na Itália
- “Enfrentar o coronavírus significa fortalecer o SUS e o trabalho dos profissionais de saúde”. Entrevista com Victor Grabois
- Coronavírus: a hora de debater o Teto dos Gastos
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Para Jesus, a prioridade era sempre aliviar e remediar o sofrimento dos doentes; todo o resto em segundo. Artigo de José María Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU