21 Março 2020
“Algumas demandas ambientais ‘clássicas’ foram implementadas de forma imediata por causa de um vírus que, por fim, é menos letal que a poluição atmosférica. Aprendemos que podemos fazer isso. E além disso, sem o vírus é mais fácil organizar e pensar as coisas com calma e com sentido ambiental”, escreve Pepe Galindo, professor titular da Universidade de Málaga, editor do blog SOStenible sobre sustentabilidade e energias renováveis, em artigo publicado por Público, 20-03-2020. A tradução é do Cepat.
Muitos morreram e outros morrerão por conta da COVID-19. Se uma morte já é algo dramático, uma pandemia é algo muito triste. Mas esse episódio nos deixa algumas lições que podemos aprender (ou não). Vamos ver:
1. O decrescimento, algo que parecia uma utopia para muitos, tornou-se realidade, mesmo que temporariamente. Esta é a principal lição que devemos aprender e praticar. Reduzir a poluição é possível e desejável. Por pior que seja esse coronavírus, a redução na poluição salvou mais vidas do que os falecidos. A desaceleração da produção proporcionou um respiro para toda a biosfera (incluindo o Homo sapiens).
2. A segunda grande lição que devemos aprender é a humildade. Os seres humanos são vulneráveis e a tecnologia não resolve todos os problemas. Os problemas resolvidos pela tecnologia exigem grandes quantidades de energia e materiais. Quando não tivermos acesso a eles, as soluções tecnológicas não estarão disponíveis. Agir de maneira sensata é o maior poder do ser humano, em qualquer contexto.
3. Resolver os problemas a tempo tem vantagens em relação a deixá-los para o final. Os problemas ambientais já são muito graves e temos uma ampla gama de soluções que precisamos aplicar urgentemente. O que estamos esperando?
4. Esse vírus serviu para nos conscientizar de que viajamos demais e que é muito fácil viajar menos. Milhões de voos foram cancelados e a humanidade não percebeu graves efeitos para além dos inconvenientes para as minorias. Temos que repensar o turismo e as relações profissionais. Com o vírus ou sem o vírus, é preciso evitar as viagens de carro ou avião que sejam dispensáveis. O avião é a forma de transporte mais poluente já inventada (com mais problemas ainda se for low cost).
5. A globalização tem grandes vantagens e grandes desvantagens, mas podemos minimizar os problemas. Uma doença na China se transforma em uma pandemia global. Da mesma forma, a poluição na China mata pessoas em todo o mundo, embora isso não seja tão evidente, apesar dos cientistas deixarem claro.
6. As mudanças radicais são aceitas e compreendidas pela sociedade, quando os governantes as explicam apoiadas na ciência.
7. As tecnologias nos oferecem mecanismos para trabalhar em casa, evitando desperdício de tempo e poluição. Até o governo espanhol fez videoconferências (com os presidentes das diferentes comunidades), também economizando enormes despesas com dinheiro público. A participação em congressos com dinheiro público deveria ser exclusivamente a distância.
8. Reduzir a jornada de trabalho é positivo para as pessoas e o planeta e não precisa ser necessariamente algo negativo para as empresas. O importante não é estar presente no local de trabalho por muitas horas, mas atingir os objetivos. Para não sermos qualificados como “radicais”, solicitamos ao menos que se experimente uma pequena redução da jornada de trabalho, algo fácil de implementar em quase todos os trabalhos e que certamente leva ao aumento da produtividade (como aconteceu anteriormente).
9. Nem todos os empregos são igualmente necessários. Há setores muito importantes (saúde, educação, redes elétricas, trens...), mas outros são muito dispensáveis ou diretamente prejudiciais. Devemos fazer uma transição sensata para uma economia verde, fortalecendo os setores importantes do lado público, o que nos garante uma resposta controlada e equitativa a qualquer contratempo. A transição é obrigatória. Podemos decidir se devemos fazê-la de maneira ordenada ou quando um colapso ecológico nos força de maneira pouco agradável.
10. Podem ser cancelados atos contrários à vida e à ética sem transtornos. O coronavírus cancelou eventos de touradas e jornadas de caça. Milhares de animais salvaram suas vidas e centenas foram salvas, por enquanto, de uma tortura atroz.
11. Pode-se escutar os pássaros nas cidades ou simplesmente o silêncio. Nós, humanos, não temos vergonha de sermos mais produtores de ruídos do que de música?
12. Pode-se relaxar o objetivo de déficit para as coisas importantes. A Comissão Europeia fez isso com a Itália (mas não com a crise da Grécia, nem da Espanha). Alguns dizem que é “porque o coronavírus também mata pessoas ricas e ameaça um novo colapso econômico global”. É muito urgente eliminar a norma que torna impossível ao BCE emprestar dinheiro aos Estados (artigo 104.1 do Tratado da UE). O objetivo deste artigo é evidente: não importa o bem comum, o importante é que chegue aos bancos o dinheiro daqueles de baixo.
13. Resgatemos a solidariedade e a unidade. Em tempos convulsivos, surge o melhor (e talvez o pior) de algumas pessoas, mas a solidariedade está sempre presente. Devemos potencializá-la para que a consciência de equipe e o bem comum estejam acima dos interesses particulares. O coronavírus nos serviu para perceber a qualidade humana de muitos profissionais (médicos, enfermeiros, trabalhadores do setor de alimentação, distribuidores, centrais elétricas...). Por solidariedade e justiça, as grandes fortunas e grandes empresas têm maiores compromissos nessa transição. Os paraísos fiscais são um câncer que nos impede de seguir na direção certa.
David Trueba inventou uma distopia possível: imaginem que o coronavírus se espalhe pela Europa incontrolavelmente. Se a África fosse um lugar seguro, os europeus migrariam para lá? Os africanos aceitariam a chegada de europeus pobres?
Assim, a crise do coronavírus nos mostrou que podemos fazer grandes mudanças sem grandes transtornos. Algumas pessoas saíram perdendo com essas mudanças, mas o bem comum é mais importante que o bem particular.
O impacto na economia será muito forte, mas muito necessário e uma excelente oportunidade para reformular muitas abordagens (promover o turismo local, reduzir o horário de trabalho, retirar privilégios dos bancos e dos carros...). No entanto, as pequenas empresas e os mais vulneráveis devem ser ajudados diante dessas mudanças. Lembremos que o primeiro mundo tem muitos tipos de pobreza e a solução é sempre a mesma.
Um possível risco associado ao confinamento da população devido ao coronavírus é que, dentro de 9 meses, haja um boom demográfico. Os cientistas concluíram que ter um filho tem um impacto ambiental descomunal (comparado com outras ações, como interromper viagens aéreas, reciclar ou usar fontes renováveis). Um dos objetivos ambientais mais difíceis de controlar é a superpopulação.
A emergência climática é uma emergência de saúde de maior gravidade e urgência do que a do COVID-19. Aconteça o que acontecer com o coronavírus, algumas medidas tomadas deveriam ser mantidas. E outras medidas urgentes não devem mais ser adiadas. Por exemplo, a agricultura ecológica fará parte da solução, seja qual for (como explica Vandana Shiva).
Para concluir, a primeira letra R dos ‘três erres’ é REDUZIR: reduzir a produção, reduzir o consumo, reduzir as viagens, reduzir as horas de trabalho, reduzir a taxa de natalidade... Algumas demandas ambientais “clássicas” foram implementadas de forma imediata por causa de um vírus que, por fim, é menos letal que a poluição atmosférica. Aprendemos que podemos fazer isso. E além disso, sem o vírus é mais fácil organizar e pensar as coisas com calma e com sentido ambiental.
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Lições dadas pelo coronavírus da COVID-19: Um decrescimento “ordenado” é possível - Instituto Humanitas Unisinos - IHU