Do coronavírus ao climatovírus, ou como manter (um pouco) o espírito crítico sem ser um péssimo cidadão

Foto: Píxabay

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

12 Março 2020

“Nem todas as escolhas de saúde pública são racionais. Todos os tipos de preconceitos culturais e cálculos políticos entram em jogo. Isso deixa muita liberdade de apreciação e até um toque de espírito crítico”, escreve Jean-Pierre Denis, publicado como editorial da revista francesa La Vie, 10-03-2020. A tradução é de André Langer.

Eis o texto.

Imagine! Imagine que continuamos a fazer a crônica no mesmo tom, mostrando mapas interativos, curvas enlouquecedoras, estatísticas febris, histórias edificantes e outras reportagens sobre o homem que viu aquele que parecia tossir. Imagine que fizemos isso por conta da gripe sazonal, levando em consideração cada morte. Ou a propósito de acidentes rodoviários. Ou os mortos da rua (provavelmente milhares por ano), para se perguntar por que eram “pessoas vulneráveis” e como construir com urgência abrigos suficientes para os nossos moradores de rua. Ou, espere! Imagine que rastreamos o “climatovírus”.

Teríamos sido alertados em tempo real para uma emergência planetária que ameaça provocar um número incalculável de vítimas e causar desastres em série: o aquecimento climático. Um dia, leremos o seguinte: “Na China, alerta máximo para o ambiente. O governo toma medidas drásticas, suspendendo Xingtai, Hotan e Baoding”. Tomadas de pânico diante dos defeitos do capitalismo desenfreado, quem sabe, as Bolsas de Valores entrariam em colapso... Inimaginável, você diria.

É verdade... Mas não estamos vivendo um momento inimaginável, quando a gestão de um grave problema de saúde pública se transforma em panurgismo econômico global, em um salve-se quem puder geral, esmagando tudo e levando o resto?

Entendamos bem. Obviamente, não há como negar aqui que se trata de uma epidemia e que reclama medidas responsáveis. Obviamente, não vamos contestar os apelos ao civismo e transmitiremos todos os conselhos, recordando-nos do que disse nossa mãe: “Vai lavar as mãos!” Além disso, por falta de certeza e até pela competência mais elementar, não se julga a relevância das medidas tomadas. Estamos fazendo muito? Pouco? Agimos rápido demais? Devagar demais? Este não é momento para balanços, e seríamos negligentes se acrescentássemos mais confusão à confusão já existente.

Mas uma simples comparação entre a Itália e a França mostra que cada povo reage do seu modo. Na China, optou-se por interromper a epidemia, aparentemente com sucesso, com medidas brutais dignas desse estado de vigilância meticuloso. Na França, país livre e inquieto, recomenda-se gerenciar a propagação do vírus suavizando-o com o tempo. Isso indica que nem todas as escolhas de saúde pública são racionais. Todos os tipos de preconceitos culturais e cálculos políticos entram em jogo. Isso deixa muita liberdade de apreciação e até um toque de espírito crítico.

Mas veja! Previram o fim da morte, o homem eternamente substituído peça por peça, sem falar do data que diz tudo, sabe tudo, pode tudo. Percebemos que estamos vivos, isto é, que somos mortais, frágeis, carnais. Pregaram a salvação pelo individualismo. Constatamos que a humanidade é um só corpo.

O entrelaçamento extremo de nossas sociedades e essas características ingênuas de confiança na técnica se combinaram. O mesmo acontece com os vírus físicos como os vírus informáticos. Onde quer que substituamos a antiga robustez pela sofisticação, subestimamos a mesma tendência à embolia, agravada pela nossa sensibilidade ao pânico.

De fato, foi acreditando-nos invulneráveis que nos tornamos novamente vulneráveis, até o espanto e o fatalismo. Como referência, deve-se notar que a Frat, a mais que centenária associação de estudantes do ensino médio da Île-de-France, que este ano se reúne em Lourdes, não tinha sido cancelada desde a última guerra. Entre os fatos que requerem bom senso e o efeito bola de neve, ainda sabemos ver as coisas em perspectiva?

Leia mais