"O ano de 2025 chegou e podemos dizer que as situações se tornaram ainda mais graves. Se olharmos para longe, vemos guerras e conflitos nas mais diferentes frentes, demonstrando sentimentos de colonização, dominação, eliminação do outro/outra em sua existência e realidade."
O artigo é de Cesar Kuzma.
Cesar Kuzma é teólogo-leigo, casado e pai de dois filhos. Doutor em Teologia e professor-pesquisador do Curso de Teologia e do Programa de Teologia da PUCPR, em Curitiba. É membro do Grupo Emaús.
Cesar Augusto Kuzma | Foto: Arquivo Pessoal
O presente texto integra a coluna Vozes de Emaús, que conta com contribuições semanais dos membros do Grupo Emaús. Para saber mais sobre o projeto, acesse aqui.
Em fevereiro de 2022, o então papa Francisco escreveu uma carta ao arcebispo Rino Fisichella, comunicando e pedindo a preparação para o Jubileu de 2025, tendo em sua mensagem uma especial atenção à realidade de nossa sociedade e do quanto sofremos pela pandemia da Covid-19 e quanto que os inúmeros problemas humanos e sociais que já tínhamos se agravaram ainda mais. Para Francisco, a celebração do Jubileu de 2025 deve ser um tempo de reflexão e de transformação, impulsionados por um sentimento de esperança que nos convida a novos caminhos, para o qual seguimos como “peregrinos” em busca da justiça, do amor e da paz.
O ano de 2025 chegou e podemos dizer que as situações se tornaram ainda mais graves. Se olharmos para longe, vemos guerras e conflitos nas mais diferentes frentes, demonstrando sentimentos de colonização, dominação, eliminação do outro/outra em sua existência e realidade. Vemos isso na guerra entre a Rússia e a Ucrânia e todo o envolvimento da OTAN e de demais nações ocidentais. Vemos isso em conflitos entre países africanos, nas mais diversas realidades. Vemos isso na Ásia. Vemos isso no Oriente Médio, um espaço geográfico santificado pela história e que sangra pelos conflitos, descasos e violência. Ao vivo, estamos acompanhando um genocídio do povo palestino, quando pessoas civis, homens, mulheres e crianças são deserdados de suas terras, arrancados de suas casas, violentados em suas vidas e ceifados como coisas e aniquilados. Um genocídio, frente o qual grandes nações assistem e se acomodam. O conflito se expande com o avanço de Israel sobre o Irã e a ameaça de uma guerra ainda maior, trazendo o apoio dos Estados Unidos e de diversos seguimentos da sociedade. Há uma nova geopolítica se desenhando e ela se apresenta de modo pretencioso e perigoso, com riscos incalculáveis para todos nós.
O olhar ainda para longe nos faz ver a grande massa de deserdados da Terra, pessoas que tentam e tentaram a vida em outro país por não terem direitos ou condições de sobrevivência em seus países de origem, mas que nas fronteiras são tratadas de forma violenta, sem dignidade ou direitos, sendo consideradas culpadas pela própria existência, vítimas de um mal que não produziram e de um sistema que não os inclui. Se antes falávamos dos migrantes e refugiados, a estes se acrescenta hoje aqueles e aquelas que são deportados, de forma indigna e absurda, carregados como animais e tratados com toda força e violência de estado. Frente a “estes e estas”, coisificados e sem-nome, destinados à morte e à não-existência, poucos são aqueles e aquelas que se perguntam sobre sua origem, sobre as causas da mobilidade e sobre os desafios de sair e arriscar tudo em uma nova terra. Ao contrário, o ambiente em que se vive é pretenciosamente “protegido”, isolado, fechado em si mesmo, em ideologias absurdas, para que o status ou certo modelo de vida e sociedade seja garantido. Tudo isso ao preço de uma sociedade inteira, de vidas periféricas, que para o sistema e seus privilegiados são vidas que não importam. São vidas chamadas à não-existência, pois na prática, para eles, elas já não existem.
A estes e estas, ainda ao longe, se somam os que sofrem e são vítimas das questões climáticas, de situações políticas, de doenças e diversas outras formas de violência que impedem a vida e sua magnitude. Há o drama do racismo e toda a sua cultura e estrutura, a violência de gênero, a falta de oportunidades, a carência de informações, etc. Viver em meio a estes contextos tornou-se um desafio, seja por todo o drama que cerca a cada fato ou pessoa seja pelo descaso e dormência que toca grande parte da sociedade. Comentando sobre os desafios da sociedade, em sua exortação Evangelii Gaudium, o papa Francisco comentou: “os excluídos continuam a esperar” (EG, n. 54). E podemos perguntar: quem esperará por eles? Quem será por eles, estes e estas que não têm rosto ou nome? Ou, melhor dizendo, que a sociedade insiste em ignorar o seu rosto, a sua história e o seu nome. Vale a pena trazer aqui a pergunta de Gustavo Gutiérrez, tão real e tão cara à teologia da América Latina: onde dormirão os pobres? Há nesta pergunta uma inquietação teológica e uma implicação ética. Ser indiferente a ela, é fracassar enquanto humano e em horizonte de fé.
Se passarmos o olhar para perto de nós, na realidade brasileira, o cenário também é desafiador e assustador, por vezes, sem esperança…: a violência crescente nas grandes cidades e a violência de estado (policial), o aumento do tráfico de drogas e suas vítimas e sobreviventes, as milícias policiais e da política, o aumento do racismo e do preconceito contra grupos e populações, a violência contra mulheres e pessoas em vulnerabilidade, a falta de oportunidade e um desrespeito pela vida humana, aniquilação de direitos conquistados e um enfraquecimento dos espaços e da estrutura democrática.
É diante de tudo isso que somos convidados a falar de esperança, fazendo dela um convite para um novo tempo, para um novo modo de viver e de se compreender nesta sociedade. Se trazemos as intenções do Jubileu da Esperança para estas realidades, vemos que elas se constituem em apelos para o nosso modo de esperar, porque são situações graves e concretas que nos desafiam na fé e que exigem toda força e caridade. Se a sociedade vive na indiferença, para nós, cristãos, o sentimento é de abertura e solidariedade, de amor-fraterno e atenção para todos aqueles e aquelas que sofrem e que nos interpelam em nossas estruturas e posições. Se há apelos, também há sinais, e em nossa prática somos convidados a avançar nestes sinais, porque eles produzem vida e reconstroem esperanças. Aquilo que vemos é real, é concreto e não podemos ser indiferentes, mas temos a obrigação de nos fazer presentes e de cooperar na esperança, de forma livre, crítica e ativa. O texto da bula papal do Jubileu de 2025 diz que a esperança não decepciona, mas esta esperança que não decepciona precisa ancorar-se em uma realidade concreta, para que possa ser sinal de vida, justiça, que aponte para a liberdade e nos ajude a construir uma situação nova.
Esta esperança vem como dom e força. Como dom, traz a nós a promessa de um Reino que se antecipa em promessa e que nos encoraja a viver na esperança. Como força, esta esperança nasce da luta do povo, do meio de sua história e responde a cada contexto. Ela se faz resistência, é resiliente e por isso mesmo reexiste, pois convida e cria uma realidade nova. Tudo pode ser feito novo e nada é estranho à esperança, pois ela vem como dom e se encarna na história, é, portanto, virtude e caminho, horizonte de algo que se faz novo e que abre novas possibilidades.
Assim, na consciência do espaço em que vivemos e das urgências e apelos que nos cercam, é que nós propomos uma reflexão da esperança que seja capaz de “reimaginar o futuro”, para que ele seja aberto e livre e que ele nos convide a novas possibilidades. Tudo pode ser feito novo. Ao mesmo tempo, esta esperança não pode ser indiferente com o mundo em que vivemos, pois os gritos ecoam, as pessoas choram e os excluídos continuam a esperar. Deste modo, esta esperança precisa “reconstruir o presente”, como um chamado e passo importante de uma sociedade. Se olharmos bem para o conteúdo que garante o Jubileu da Esperança, não estamos falando de um sentimento, mas de um dinamismo que nos envolve e nos compromete. A atenção ao mundo, aos desafios de longe e de perto, é uma tarefa necessária, um convite a perceber a esperança, para reimaginar e reconstruir o futuro e o presente.