Encurralados pela força do impiedoso poder político-militar, qual possibilidade de presente resta aos palestinos, aos ucranianos, aos venezuelanos, aos sírios e há tantas outras vítimas que não podem permanecer em segurança e com dignidade em seus lares? O único caminho é migrar. Migrar ou sofrer a tirania. Migrar ou definhar em uma prolongada tortura. Migrar ou perecer. Sim, migrar e resistir!
O artigo é de Gabriel dos Anjos Vilardi, jesuíta, bacharel em Direito pela PUC-SP e bacharel em Filosofia pela FAJE. É mestrando no PPG em Direito da Unisinos e integra a equipe do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Segundo os últimos dados publicados pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), em maio de 2024, 120 milhões de pessoas permaneceram deslocadas à força pelas mais variadas violações de direitos humanos, conflitos e eventos extremos. Desse astronômico contingente cerca de 43,5 milhões são refugiados e outros 6,9 milhões solicitaram asilo. Uma preocupante tendência de aumento verificada ininterruptamente há 12 anos.
Há anos que o Papa Francisco vem insistindo na importância de “acolher, proteger, promover e integrar” os migrantes e os refugiados, que não devem ser encarados como invasores, mas como contribuintes de uma melhor sociedade. Nesse sentido apontou com coragem na encíclica Fratelli Tutti (nº 41): “compreendo que alguns tenham dúvidas e sintam medo à vista das pessoas migrantes; compreendo-o como um aspecto do instinto natural de autodefesa. Mas também é verdade que uma pessoa e um povo só são fecundos, se souberem criativamente integrar no seu seio a abertura aos outros”.
O medo da fome, o medo do abuso, o medo da violência em alguma medida perpassa o olhar daqueles que se veem compelidos a fugir para proteger a própria existência. Em um mundo abertamente em guerra, rasgado pelos interesses geopolíticos das grandes potências, ignorar a fragilidade da situação dos refugiados significa desprezar a vida humana.
Nem mesmo o Novo Regime Climático tem poupado as populações mais empobrecidas e já se fala em uma nova categoria de migrantes, os refugiados climáticos. Furacões, enchentes, secas extremas forçaram milhões de pessoas a deixarem suas casas em razão da crise ambiental.
(Arte: Cristina Guerini | IHU)
E como há muito não se via, o crescimento da extrema-direita xenófoba e anti-ecológica tornou-se um fenômeno mundial que vai do Estados Unidos de Trump à Europa de Marine Le Pen e de Giorgia Meloni. Os migrantes e os refugiados foram transformados em bode expiatório, objeto do ódio manipulado por políticos inescrupulosos que flertam com o neofascismo delirante.
Nesse cenário apocalíptico, em que os generais de Putin e da OTAN se desafiam mutuamente em uma escalada crescente, as armas atômicas pairam em um horizonte catastrófico e cada vez menos impensável. Como se não bastasse, o primeiro-ministro de Israel promove um cruel massacre em Gaza sobre uma população civil indefesa e à mercê da violência, fome e humilhação há décadas impostas a partir de uma visão colonial.
Encurralados pela força do impiedoso poder político-militar, qual possibilidade de presente resta aos palestinos, aos ucranianos, aos venezuelanos, aos sírios e há tantas outras vítimas que não podem permanecer em segurança e com dignidade em seus lares? O único caminho é migrar. Migrar ou sofrer a tirania. Migrar ou definhar em uma prolongada tortura. Migrar ou perecer. Sim, migrar e resistir!
Francisco, o bispo que veio do fim do mundo, vem alertando paras as outras crises que assolam o mundo e que impactam na crise migratória. As crises ecológica e social que integram a mesma necessidade de cuidado com a Casa Comum, a crise política e a importância da amizade social e a crise de uma economia que mata e precisa ser realmada. Suas provocações são faróis poderosos em meio aos interesses escusos que governam a serviço da insaciável necropolítica do capital.
Enquanto existirem países democráticos, fundados em uma sociedade livre e plural, em que a dignidade humana esteja minimamente assegurada, as pessoas migrantes e refugiadas continuarão a busca-los em vista de um futuro melhor. Negar essa possibilidade implica em romper com a própria concepção de humanidade. As forças democráticas, os movimentos sociais e as religiões conseguirão realmar a realidade migratória, mantendo uma acolhida digna para todos aqueles e aquelas que precisam migrar ou triunfarão os desalmados muros da indiferença? Lutar por uma migração realmada significa impedir o avanço do império da indiferença!