A máquina do ódio que louva o contágio

Foto: Robert Thivierge | Flickr CC

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02 Abril 2020

Para os grupos supremacistas, soberanistas e neonazistas, "o coronavírus se tornou outra arma poderosa de desorientação em massa. Assim desaparecem do debate os direitos humanos, direitos civis, campos de prisioneiros para migrantes financiados por nós na Líbia, o inferno de refugiados na Grécia, a rota dos Balcãs. E se esses argumentos entram no debate, é apenas em relação ao risco de contágio, portanto, para chegar à costumeira conclusão: o mal vem de fora, e devemos nos fechar aqui dentro".

A entrevista com Nello Scavo, jornalista e escritor italiano, é de Pierluigi Mele, publicada por Confini - Rai, 27-03-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.

Segundo o jornalista, trata-se de "uma modalidade de pensamento, aquela do ódio e do fechamento, que acabou alimentando o que o Papa Francisco chama de "cultura do descarte", como ouvimos daqueles que gostariam de nos convencer que se a morrer pelo coronavírus são idosos, deficientes e sem teto, no fundo seria o mal menor”.

Eis a entrevista.

Nello, nem mesmo diante da dramática situação (com milhares de mortes e infectados pelo "coronavírus") a "máquina do ódio” para. Quem são esses insanos? Onde eles estão?

É uma miscelânea, mas seria errado subestimar essa estranha armada. Há aqueles que perderam espaço na política ansiosos para voltar ao palco, os supremacistas disfarçados de soberanistas, os neonazistas que usam a camiseta, talvez mais apresentável, dos chamados "identitários", os neofascistas da casa sempre à procura de uma arena, os desmiolados da web que se prestam a agir como uma caixa de ressonância. Em suma, mundos não necessariamente em contato, mas com uma consonância de propósitos.

Quem são os "aceleracionistas"? Qual o seu alvo?

São grupos supremacistas e neonazistas norte-americanos que, segundo várias fontes, planejaram, caso alguns deles fossem infectados, entrar em contato voluntariamente com grupos étnicos e categorias de pessoas que gostariam de ver desaparecer, por fanatismo ideológico ou por interesse criminal. Em especial, eles sugerem infectar agentes da polícia e depois comunidades de judeus e muçulmanos. Independentemente do fato de o vírus certamente não conhecer nenhuma barreira étnica.

Sua presença na web é generalizada, o suficiente para preocupar o FBI. É isso?

Um relatório recente do FBI divulgado pela emissora ABC descreve esses grupos e suas intenções. Também foram especificadas as maneiras pelas quais eles sugerem acelerar a infecção, tornando-se efetivamente disseminadores.

Qual é a situação na Itália? As autoridades estão cientes dessa rede?

Em nosso país, prevalece a coalizão de ódio, que usa as fake news como propulsor e coagulante. Para alguns grupos, é uma escolha ideológica. Para outros, apenas um meio como outro para construir e consolidar o consenso. O que eles esperam é que o clima de medo pelo contágio e de incerteza pelo futuro possam servir como um amplificador. De fato, para todos esses grupos, o coronavírus se tornou outra arma poderosa de desorientação em massa. Assim desaparecem do debate os direitos humanos, direitos civis, campos de prisioneiros para migrantes financiados por nós na Líbia, o inferno de refugiados na Grécia, a rota dos Balcãs. E se esses argumentos entram no debate, é apenas em relação ao risco de contágio, portanto, para chegar à costumeira conclusão: o mal vem de fora, e devemos nos fechar aqui dentro. Segundo aquela sinistra "pedagogia do fechamento", que fez a fortuna de muitos líderes políticos, hoje aterrorizados pelas evidências: o contágio se enfrenta juntos, na comunidade entre os povos, o exato oposto do sectarismo identitário. Uma modalidade de pensamento, aquela do ódio e do fechamento, que acabou alimentando o que o Papa Francisco chama de "cultura do descarte", como ouvimos daqueles que gostariam de nos convencer que se a morrer pelo coronavírus são idosos, deficientes e sem teto, no fundo seria o mal menor”.

Como se sabe, a máquina do ódio se alimenta de fake news. Infelizmente, nos últimos dias, até jornalistas competentes espalharam esse veneno. Refiro-me àquele contra o engajamento das ONGs. É assim Nello?

Aquele contra as ONGs está se revelando um incrível bumerangue. Especialmente porque muitos voluntários das organizações (como médicos e enfermeiros) já são funcionários do Serviço Nacional de Saúde e trabalham periodicamente em atividades humanitárias na Itália, no exterior ou em navios de resgate. Querendo conceder um voto de boa-fé, parece que aqueles que se tornaram porta-vozes da campanha da extrema direita internacional estavam, no mínimo, desinformados. Justamente o que a informação não precisa hoje em dia.

Última pergunta: queremos lembrar como está se desenvolvendo o engajamento das ONGs contra o terrível vírus?

Organizações como Médicos Sem Fronteiras, Emergêncy, Mediterrânea, Open Arms, Intersos e muitas outras já têm seus próprios especialistas no campo, que se somam aos milhares de voluntários do Terceiro setor. A esse respeito, nos últimos dias justamente o Fórum do Terceiro Setor, que representa dezenas de associações e organizações, apontava que o número muito elevado de voluntários envolvidos nos ambientes mais díspares e menos conhecidos (como o serviço de babá oferecido gratuitamente aos trabalhadores de saúde ocupados dia e noite nos atendimentos) esteja exposto a riscos muito altos, inclusive sem receber as máscaras. Em suma, a Itália está melhor na linha de frente para dar uma mão a quem está precisando. E merece ser contada.

 

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