Coronavírus me faz lembrar. Depoimento de Justino Sarmento Rezende, padre salesiano do povo Tuyuka

Justino Sarmento Rezende (Foto: Luis Miguel Modino)

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24 Março 2020

"O tempo atual com os seus vírus atuais, com nomes próprios, me faz voltar ao passado e relembrar as sabedorias de meus avós que ajudavam a defender a vida. Me fez lembrar das técnicas de defesa: fugir do inimigo, não se expor, mas retirar-se no lugar considerado seguro até a doença passar", escreve Justino Sarmento Rezende, padre salesiano do povo Tuyuka, perito no Sínodo, onde faz uma leitura da realidade atual do coronavírus desde uma perspectiva indígena. O artigo foi enviado por Luis Miguel Modino.

Eis o artigo.

Eu nasci distante da cidade, Onça-igarapé.

O meu pai ao ouvir dizer que estava aproximando uma doença forte nos levava para um lugar mais isolado, ainda.

Lá passávamos o tempo necessário para que chegasse até nós outra notícia: já passou a doença.

Não tínhamos médicos, enfermeiros, enfermeiras para cuidar de nossa saúde.

Mas estávamos acompanhados no dia a dia por nossos avós sábios que faziam suas cerimônias de proteção utilizando o breu branco que servia para defumação do ambiente, das pessoas e outros seres de estimação.

Diariamente o grupo de sábios fumando os seus cigarros conversavam sobre o que tinham visto em seus sonhos, que fórmula de proteção havia criado em sua meditação noturna, cada sábio apresentava alguma solução.

Com os seus sensos apurados desviavam a rota das doenças para não chegarem até nós.

Com as forças cerimoniais inutilizavam a agressividade dos seres das doenças.

Imaginando que eles tivessem dentes quebravam seus dentes para não nos morderem para transmitir as doenças. Imaginando que poderiam transmitir a doença lambendo-nos arrancavam suas línguas.

Imaginando que poderiam transmitir a doença pelo olhar, eles cegavam os olhos dos seres das doenças.

Por outra parte transformavam o ser humano, o ambiente e os seres de estimação, em corpos resistentes, incandescentes, explosivos, que deem choques; transformavam nossos corpos em corpos quentes, amargos, travosos, azedos e duros.

Criavam cercas com os mesmos efeitos para a nossa proteção.

Guardavam nossas vidas dentro das luzes do sol, nas nuvens...

O tempo atual com os seus vírus atuais, com nomes próprios me faz voltar ao passado e relembrar as sabedorias de meus avós que ajudavam a defender a vida.

Me fez lembrar das técnicas de defesa: fugir do inimigo, não se expor, mas retirar-se no lugar considerado seguro até a doença passar.

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