19 Março 2020
A pandemia que enfrentamos juntos nos coloca diante de desafios inéditos e de cenários sociais, eclesiais e pessoais igualmente inéditos.
Para lidar com tudo isso, o Serviço para o Apostolado Digital da Arquidiocese de Turim, na Itália, 13-03-2020, ao recorrer às tecnologias digitais nestes últimos tempos, quis compartilhar algumas considerações sobre como usar a tecnologia e algumas sugestões para começar a entender um pouco melhor o peso real que ela pode ter na nossa vida, permitindo-nos navegar neste mar tempestuoso, combatendo o bom combate e guardando a fé.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A pandemia que enfrentamos juntos nos coloca diante de desafios inéditos e de cenários sociais, eclesiais e pessoais igualmente inéditos. Para lidar com tudo isso, estamos usando massivamente as tecnologias digitais, fazendo, inconscientemente, um ótimo experimento.
O digital é um instrumento, mas não um instrumento qualquer: é muito poderoso, embora parecendo muito simples, consideravelmente pervasivo, embora continue sendo doméstico. A técnica nunca é neutra, e, no uso que fazemos ou que ela faz de nós, estão em jogo o humano e também, nestes tempos, um anúncio autêntico do divino.
O Papa Francisco pediu para rezar para que o Espírito Santo dê aos pastores a capacidade e o discernimento pastoral para que forneçam medidas que não deixem sozinho o santo povo fiel de Deus.
O Serviço para o Apostolado Digital da Arquidiocese de Turim, na Itália, 13-03-2020, oferece algumas considerações, compartilhadas com o arcebispo Cesare Nosiglia, que possam nos permitir navegar neste mar tempestuoso, combatendo o bom combate e guardando a fé.
Algumas ideias sobre como usar a tecnologia, algumas sugestões para começar a entender um pouco melhor o peso real que ela pode ter na nossa vida, algumas intuições para permanecermos humanos e fiéis.
Buscamos a bem-aventurança, em vez de uma suposta alegria digital que silencia a ânsia deste tempo incerto. Buscamos o Reino, em vez de oportunidades falaciosas de reinar à direita ou à esquerda do Senhor.
Estamos em plena superexposição digital e midiática, correndo o risco do colapso da nossa capacidade de escolher e discernir. Mais tempo disponível e o acesso facilitado e oferecido por novas plataformas multiplicaram até a saturação as nossas conexões, mas e as nossas relações? Pessoalmente ou usando o digital, quanto deste tempo estamos ocupando para estar com os outros, em vez de estar com outras coisas?
Não visamos a estar saciados, mas sim fortalecidos e, portanto, responsáveis, como convém a quem é chamado a herdar um reino! Pobre não significa, no termo usado pela Escritura, apenas quem não tem meios, mas também mendicante, quem não tem e, portanto, pede ajuda.
Neste tempo, é bom reconhecer a nossa necessidade de sermos tranquilizados, acolhidos, acompanhados. Pela web ou batendo na porta de quem vive conosco, mendigamos um pouco de relação, compartilhamos aqueles gemidos inexprimíveis que o Espírito Santo suscita nos nossos corações, e ficaremos ricos daquilo que nem a traça, nem a ferrugem, nem o coronavírus podem tirar: a nossa humanidade, divina humanidade, que nos torna pessoas, que nos pede para sermos pessoas.
É uma questão delicada a oração sem a celebração pública da missa, dos ritos da Quaresma que desaparecem, catecismo, oratório, grupos: tudo se interrompe. Existe uma grande sensação de vazio, e, acima de tudo, os pastores, que têm tarefas formativas e educativas, sentem o dever de agir e de consolar o povo.
Como manter unido esse desejo justo com a necessária sabedoria e prudência? São boas as reuniões online, os chats, os vídeos de catequese, os subsídios para serem lidos e usados em família, mas e tudo aquilo que é propriamente sagrado, isto é, nascido para ser separado e não confundido, para que possa realmente desempenhar o seu papel de mediação com o Santo?
É necessário prudência, para que o nosso desejo de estar presente e a necessidade de alguém estar presente não transformem o sagrado em profano, a estética em cosmética, o desejo em capricho que pode ser satisfeito graças às tantas ofertas à disposição.
Se a Santa Missa ao vivo no Facebook se mistura no dispositivo dos fiéis com os memes bobos, as piadas pesadas, os vídeos publicitários, perguntamo-nos que tipo de serviço é oferecido à nossa gente.
Ao celebrar a Eucaristia na Igreja, temos o povo na nossa frente, em todas as épocas da vida. Celebrando online, podemos ter na nossa frente alguém que passa encolhendo os ombros ou, pior, um dedo na tela. Alguns apreciarão, mas os outros, que se encontrarem acidentalmente com a celebração entre um post e outro, não ficarão confusos?
A liturgia não tem espectadores, não pode ter: usar ferramentas que funcionam de modo a criar um espetáculo, como fazem algumas mídias sociais em particular, corre o risco de ser contraproducente. Evitemos a adoração eucarística pelas redes sociais; antes, toquemos os nossos sinos e, como na tradição beneditina, peçamos que, naquele momento, se faça um ato de adoração silenciosa!
Se achamos que é pastoralmente necessário transmitir a Santa Missa, considerando que já existe uma oferta institucional significativa, usemos então o YouTube ou outras plataformas de vídeo, nas quais somos encontrados por quem nos busca, e não por quem navega por acaso.
Que a advertência a não dar as pérolas aos porcos ressoe como critério pastoral, para não nos encontrarmos, amanhã, terminada a emergência, tendo que remendar rasgos muito profundos.
O termo que nós traduzimos por “manso” significa literalmente “doce”, uma pessoa que tem uma atitude gentil, sem violência. É alguém que não reage mal a uma situação difícil, uma pessoa que reage a uma coisa amarga adoçando-a, uma pessoa que reage de forma construtiva.
Jesus diz que ele mesmo é manso, é a sua característica mais sublinhada. O momento mais forte em que Cristo reage com mansidão é na prisão, quando pede que Pedro guarde a espada.
Neste tempo de grande apreensão e de incerteza, todos temos a tentação de nos lamentar, de ser contra alguém ou alguma coisa, de agredir ou atacar. A rede nos permite facilmente expressar cismo, raiva e vingança.
Queremos criar um espaço virtual para dar a nossa opinião, fazer ouvir que existimos e que temos uma posição e, para que ela se diferencie das outras, nos acotovelamos para impô-la, ao custo de sermos polêmicos, radicais, extremos.
A mansidão, por sua vez, é benevolência instintiva, gentileza espontânea que não busca a opressão; pelo contrário, dá espaço ao outro para que se possa crescer na verdade. A mansidão é o que torna a casa um lar, e a rede, um espaço não hostil, ambos lugares habitados por pessoas pacientes e humildes como Jesus.
A web é um lugar ao qual recorremos cada vez mais para amadurecer a nossa identidade exterior e interior, indo em busca de segurança, com a ilusão de poder encontrar todos os saberes e, com eles, gerir a nossa vida.
A epidemia agrava essa necessidade, que desemboca em uma busca frenética de confirmações, na esperança de poder fazer autodiagnósticos ou de entender aonde estamos indo.
Nestes dias, com mais frequência, percebemo-nos como desconectados do próprio mundo interior, isto é, com dificuldade para dar nome às nossas emoções, enquanto absorvemos continuamente informações online.
No caos pandêmico, habitamos o caos informacional, imersos em um habitat que nos desorienta, fingindo que nos tranquiliza. Devemos estar cientes de que a relação com as fontes digitais do saber é indireta, manipulada por fins ideológicos, econômicos, pseudoculturais e, muitas vezes, não rastreáveis, chamadas de filtros-bolha. Esses sistemas reforçam as nossas crenças e opiniões, em vez de nos fornecer dados alternativos e diferentes. Neste tempo de medos, eles fortalecerão os nossos medos.
A nossa fome e sede de justiça podem e devem passar, então, por um saudável discernimento e, sobretudo, pela inteligência de quem busca a fonte da verdade. O tempo que nos é dado pode se tornar um tempo propício para selecionar sites e mantê-los entre os favoritos, para descobrir e fazer com que se descubram fontes confiáveis para recorrer hoje e amanhã.
No tempo em que parecemos estar privados da nossa liberdade, podemos adquirir novamente a liberdade de escolher e de provar as nossas escolhas.
Na pandemia, constatamos a nossa fragilidade, uma fragilidade à qual não estamos acostumados e que nos assusta. De algum modo, a cultura digital nos fez pensar que poderíamos ter tudo, estar por toda a parte e fazer qualquer coisa.
De repente, estamos selados pela nossa fragilidade criatural à qual a tecnologia parece não poder responder. Podemos nos assomar ao mundo através de uma tela, e o mundo, através dessa mesma tela, pode desembarcar na nossa casa. No entanto, a realidade da nossa carne diz que não podemos abraçar um pai idoso, um neto, um namorado do outro lado da rua. A tecnologia que promete onipotência hoje só pode parar diante do fato de que não somos onipotentes.
Em vez disso, podemos ser criaturas, ser misericordiosos com nós mesmos, aceitando que somos frágeis, contagiáveis, mortais. Nesse reconhecimento sereno, não busquemos afobadamente a salvação nos instrumentos, mas no Salvador. Precisamos ser misericordiosos com o humano que está em nós e, com humildade, deixar que a Misericórdia nos toque com o seu amor onipotente. Somente nos reconhecendo como criaturas é que podemos nos abrir ao amor do Criador.
O hikikomori é uma pessoa que escolheu a exclusão social, viver trancado em um quarto perenemente online, desligando a tomada da vida e ligando a tomada de um mundo imaterial a se navegar e sem ser tocado realmente pela existência.
O coronavírus não nos torna associais, mas sim diferentemente sociais, plenamente religiosos. A tradição da Igreja nos dá o exemplo e a vocação de homens e mulheres que optaram por fechar o seu corpo em um espaço restrito, a clausura, para viver em plenitude a relação com as outras pessoas que vivem com elas e, junto com elas, a relação com o Senhor, intercedendo pelo mundo inteiro. Não são pessoas reclusas, são pessoas que escolheram a liberdade do coração, aquela pureza que nos faz ver Deus.
As circunstâncias nos dão a mesma oportunidade: não fiquemos fechados em casa acabando por nos fechar ao mundo e a Deus. O vírus não é um instrumento para se aceitar o isolamento; pelo contrário, pode ser o caminho para uma nova e mais forte socialidade e uma nova e mais forte relação interior, neste momento mediada também digitalmente de modo saudável e verdadeiro.
Quem é o meu próximo na era digital? Se normalmente o pecado original já nos leva a considerar como próximo aquela pessoa que vem depois em comparação com aquela que está na nossa frente e bate à nossa porta, então a desintermediação digital potencialmente nos oferece o direito de fazer bem pior.
Que este tempo em casa nos dê novamente o gosto de buscar o próximo, encontrá-lo e consolá-lo. A web, especialmente as mídias sociais, tornou-se um campo de conquista do mau gosto e da violência compartilhada de mil maneiras.
Se decidimos dedicar mais tempo à nossa permanência online nestes dias, por que não fazer isso semeando a paz, acompanhando os duvidosos, encorajando os dispersos, contendo as polêmicas, revigorando as mãos frágeis, contando as belas histórias que nos cercam e que são autenticamente história de salvação?
A fé é dom, a Graça é dom, o pertencimento eclesial é dom. Um dom que nos é dado para ser compartilhado, para que cada existência possa contagiar positivamente, por transfiguração, a humanidade.
Ontem, era o tempo da fé oculta para não sermos perseguidos. Que hoje não se torne o tempo da fé ostensiva, quase de revanche. A fé ancorada no medo desaparecerá no momento em que o medo desaparecer.
A potencialidade dos instrumentos digitais torna-se facilmente desejo de poder, e a incerteza destes tempos, terreno fértil para profetas da desventura improvisados. Não escute essas vozes, não compartilhe essas vozes, não se torne voz desses compartilhamentos.
Cristo nunca ostentou as suas razões, mesmo sendo ele a razão e, diante de Pilatos, ele simplesmente ficou em silêncio. Se, no passado, você sofreu pela sua fé pisoteada e zombada, hoje não pisoteie nem zombe de ninguém pelos seus medos, pela corrida um pouco supersticiosa ao sagrado e à oração, a formas de devoção talvez imaturas.
Antes, vá ao encontro dessas pessoas, alegre-se e exulte com elas, porque o Reino dos céus também é para elas, porque o Pai também é delas. Seja justo, não para que o mundo lhe faça justiça, mas porque o seu Pai que está nos céus é perfeito e justo.
Que o Senhor abençoe este nosso tempo e abençoe cada um de nós na tentativa que fizermos, juntos, para habitá-lo com os instrumentos que a inteligência e a imaginação humana nos disponibilizam.
Tudo ficará bem na medida em que soubermos compartilhar o Bem e nos colocar a seu serviço.
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Coronavírus, vida e fé no ambiente digital. Um vade-mécum - Instituto Humanitas Unisinos - IHU