16 Março 2020
Estou profundamente preocupado com o bem-estar dos fiéis católicos e estou ciente da potencial influência da Igreja para combater a propagação da infecção. Meu entendimento como leigo é de que a suspensão das missas públicas é uma medida que os bispos podem adotar nas circunstâncias mais graves.
A opinião é de Patrick O’Neill, doutor em biologia computacional, engenheiro de aprendizado de máquina e catecúmeno estadunidense e voluntário no Instituto de Sistemas Complexos da Nova Inglaterra, contribuindo com a página endcoronavirus.org, para combater a pandemia de Covid-19.
O artigo é publicado por America, 13-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como já ficou claro com a súbita escalada de fechamentos, cancelamentos e diagnósticos de pessoas proeminentes, o surto de coronavírus está se espalhando rapidamente pelos Estados Unidos.
Em resposta, muitos bispos deram o passo difícil, mas prudente, de dispensar os fiéis da sua obrigação da missa dominical. Essas decisões devem ser elogiadas em prol da segurança pública.
Outros bispos, no entanto, foram mais longe. Algumas dioceses (incluindo Seattle, Chicago, Newark e outras) suspenderam completamente as celebrações públicas da missa. Se os bispos desejam fazer o máximo para conter a propagação do surto, a minha triste conclusão é de que todos devem dar esse passo extraordinário e suspender as missas em todo o país, até que o surto tenha se estabilizado.
Por favor, deixem-me esclarecer: eu não sou teólogo e não pretendo deter a competência para fazer afirmações teológicas. Sou apenas um biólogo computacional alarmado com a disseminação do coronavírus.
Há uma semana, eu tirei uma licença do meu trabalho para trabalhar voluntariamente com o Instituto de Sistemas Complexos da Nova Inglaterra, que rapidamente reuniu uma rede global de voluntários em ciência, tecnologia e política para ajudar a conter o surto.
Eu também sou catecúmeno. Mas, mesmo como alguém que deu apenas alguns passos no caminho da conversão ao longo da vida, estou profundamente preocupado com o bem-estar dos fiéis católicos e estou ciente da potencial influência da Igreja para combater a propagação da infecção. Meu entendimento como leigo é de que a suspensão das missas públicas é uma medida que os bispos podem adotar nas circunstâncias mais graves.
Eu simplesmente desejo explicar a gravidade da situação atual do ponto de vista científico e explicar como a celebração continuada das missas públicas a torna ainda mais grave.
Nos últimos dias, pessoas com níveis comuns de alfabetização científica podem ter ouvido relatos incertos e conflitantes sobre o tamanho e a gravidade do surto. Como um cientista que esteve envolvido em debates entre especialistas sobre esse assunto, desejo, portanto, resumir primeiro o melhor entendimento da comunidade epidemiológica.
Covid-19 é a doença causada pelo SARS-nCoV-2, um novo coronavírus que surgiu em Hubei, China, no fim do ano passado e se espalhou por todo o mundo. Até o momento em que este artigo foi escrito [sexta-feira, 13], há mais de 135.000 casos confirmados em todo o mundo e mais de 5.000 mortes. Nos EUA, os números são de quase 1.700 casos confirmados e, pelo menos, 41 mortes.
O número real de infecções por Covid-19 é desconhecido, devido às dificuldades e à disponibilidade limitada de testes clínicos. Várias estimativas diferentes por métodos diferentes sugerem que a verdadeira quantidade é subestimada por um fator de 10 ou 100. O número real de infecções nos EUA, portanto, estaria agora entre 17.000 e 170.000.
A Covid-19 não é adequadamente comparável à gripe, como às vezes se sugere. A hospitalização é necessária em 10 a 20% dos casos. De acordo com a minha melhor estimativa (com base nos dados atuais, calculando as mortes como uma porcentagem dos casos confirmados), a taxa de mortalidade é de 3,7% (quase 40 vezes a da gripe) e pode subir para até 10%, se o tratamento hospitalar estiver indisponível.
O Covid-19 está se espalhando rapidamente nos EUA, e o número de infecções confirmadas duplica aproximadamente a cada três dias. Os EUA têm aproximadamente um milhão de leitos hospitalares, dos quais talvez 450.000 são gratuitos a qualquer momento, e nem todos estão equipados para tratar o desconforto respiratório agudo que o Covid-19 pode causar.
Nas taxas atuais, alcançaremos a capacidade hospitalar em menos de três semanas. Devido ao rápido tempo de duplicação, cada dia de inação neste estágio do surto pode aumentar a quantidade total de casos em aproximadamente 25%.
O surto de Covid-19 pode ser desacelerado e estabilizado, como mostra o exemplo da China. Mas devemos adotar medidas imediatas e rigorosas, também como a China. Interromper o surto em Wuhan exigiu intervenções radicais: pôr cidades em quarentena, interromper a vida cotidiana e restringir a movimentação de quase 800 milhões de pessoas. Essas medidas realmente eram draconianas. No entanto, como a Covid-19 só pode ser combatido com a redução de oportunidades de transmissão, elas também eram necessárias para evitar a infecção completa de todo o país.
Recentemente, os bispos de muitas dioceses dos EUA dispensaram da obrigação de participar da missa. Esse é um excelente primeiro passo, e eles devem ser elogiados por reconhecerem a gravidade da situação. Outros bispos foram além, suspendendo inteiramente a celebração pública da missa. Embora uma dispensa da obrigação dominical, deixando os fiéis livres para decidirem ir à missa, beneficie os católicos preocupados com a exposição ao Covid-19, ela não vai longe o suficiente em termos de uma perspectiva epidemiológica.
Dado o que sabemos sobre esse surto, mesmo qualquer grande reunião de pessoas aparentemente saudáveis constitui um grave risco à saúde pública. Já estamos nos aproximando do ponto em que há uma probabilidade não negligenciável (cerca de 7%, de acordo com as minhas estimativas e em rápido aumento) de que qualquer reunião de 100 pessoas envolverá pelo menos uma pessoa infectada com Covid-19. Portanto, defendo eu, não basta que a participação em grandes reuniões públicas seja moralmente opcional; existe um dever moral de evitar realizar grandes reuniões públicas sempre que possível.
Existem várias razões para essa posição reconhecidamente grave. Primeiro, pacientes recém-infectados podem levar de uma a duas semanas para desenvolver os sintomas, e muitos casos permanecem completamente assintomáticos durante todo esse tempo. Tais pacientes são infecciosos em grande parte desse tempo e, portanto, podem transmitir suas infecções sem saberem.
Segundo, deve-se dizer que uma política de autoquarentena voluntária para as pessoas infectadas é apenas parcialmente confiável, pois já vimos exemplos de pacientes que violaram conscientemente a autoquarentena por razões muito mais triviais do que ir à missa. Pacientes em tal situação podem não estar cientes de todas as implicações da sua decisão, mas isso não atenua o risco das suas escolhas.
Por fim, mesmo que os católicos desejem suportar riscos pessoais extremos para participar da missa (uma posição com a qual sou solidário), eles não podem fazer isso fisicamente sem também impor graves riscos sociais ao público. Do ponto de vista estatístico, a posição de um católico infectado assintomático que participa da missa hoje é análoga a de alguém que dirige até à missa por uma rota que, sem saber, o levará por um calçadão lotado, o que, involuntária mas inevitavelmente, porá em risco a vida dos transeuntes.
O surto de Covid-19 será um desafio profundo para a Igreja e deve ser travado em todas as frentes de uma batalha extremamente complexa. Esse desafio exigirá as mais profundas demonstrações de fé, esperança e amor, e os mais rigorosos exercícios de justiça, prudência, temperança e coragem.
Na minha opinião científica, lamento dizer que não existe uma maneira prudente de um católico nos EUA participar de qualquer grande reunião pública sem agravar a propagação do surto, pondo em risco a vida de outras pessoas. A suspensão das missas públicas é uma medida extraordinária, mas que alguns bispos dos EUA, assim como de outros países afetados, incluindo a Itália, já adotaram, e toda a Igreja dos EUA deve seguir o exemplo.
A Igreja deve responder com toda a inteligência, criatividade, flexibilidade e compaixão à sua disposição, a fim de continuar alimentando a fome espiritual da humanidade sem pôr vidas em risco.
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“Como cientista, eu peço: cancelem todas as missas” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU