Terremoto trumpista reorganiza a ordem mundial. Destaques da Semana

Arte: Marcelo Zanotti | IHU

Por: Cristina Guerini | 22 Fevereiro 2025

Bem-vindos ao novo mundo. A posse de Donald Trump levou o mundo à vertiginosa aceleração coletiva em direção a uma Nova Ordem Mundial. O primeiro mês de Trump à frente da Casa Branca foi marcado pela numerosa assinatura de decretos, que afetam a política local e o globo. Uma avalanche de decisões: fim do financiamento da USAID, criação de um escritório da fé, milhares de imigrantes deportados, saída dos EUA da OMS e do Acordo de Paris etc. Vimos também ascender os poderosos das big techs, que em um novo desenho capitalista já anseiam se apoderar do Estado e fazer sucumbir as democracias, além da interferência direta dos norte-americanos nas guerras na Ucrânia e em Gaza. No Brasil, atormentados pelo calor sufocante, vemos Lula sair em defesa dos combustíveis fósseis. Na África, a escalada da guerra na República Democrática do Congo coloca em fuga milhares de pessoas. Essas e outras notícias nos Destaques da Semana do IHU.

Confira os destaques na versão em áudio.

Cavalgada vertiginosa

Após a posse para o segundo e último mandato de Donald Trump, o mundo e os Estados Unidos foram engolidos por uma avalanche de decretos e decisões que provocaram mudanças internas e causaram fortes impactos internacionais. “Uma cavalgada vertiginosa que ainda não parece ter perdido fôlego”, como assinalou o economista Branko Milanovic. O professor acredita que o segundo governo Trump visa promover uma revolução assumindo o controle do aparato estatal. Em três pontos, Lucio Caracciolo, analista geopolítico italiano, sintetizou como a mudança de poder na Casa Branca está colocando fim ao ordenamento consolidado no pós-guerra.

Senhores tecnofeudais

As big techs e os super-ricos, os “senhores tecnofeudais”, estão surfando na onda trumpista. Visando não apenas aumentar suas riquezas, mas “determinados a aproveitar a oportunidade de sua aliança com Trump para derrubar os últimos obstáculos políticos para o estabelecimento de uma nova ordem social baseada na projeção e manipulação dos algoritmos, a fim de centralizar o valor produzido pelo trabalho e impor seus caprichos milenaristas”, asseverou e Cédric Durand, economista francês. Nesse sentido, o novo capitalismo, explica Stefano Zamagni, prescinde da democracia liberal para seguir acumulando riqueza. Para o economista italiano, no meio de todo esse imbróglio, “o verdadeiro risco é que as empresas que se reconhecem no capitalismo woke se tornem o Estado, colocando uma hierarquia privada (a empresa) para desempenhar tarefas de interesse público. Essa é a desdemocratização da democracia”. Para a filósofa Gloria Origgi, o ineditismo da aliança entre a extrema-direita e a tecnocracia “é um sinal claro de que a política e a economia estão agora interligadas ao controle da tecnologia”.

O Ocidente morreu

A reorganização do mundo que está no cerne do declínio ocidental é um jogo de xadrez articulado por Donald Trump, que agora negocia a paz na Ucrânia com a Rússia e a Arábia Saudita, deixando Zelensky, Europa e OTAN de fora. O empresário-presidente não dá ponto sem nó e a estratégia dele é colocar no pacote das negociações as “terras raras” ucranianas, para explorar as riquezas com seus aliados. Mas os interesses comerciais da família Trump também está no Oriente Médio, onde o projeto da Riviera de Gaza atende aos interesses imobiliários dos membros do seu governo, mas também ao colonialismo israelense, que objetiva anexar a Cisjordânia ao território de Israel. “A Europa não se resigna a ser derrotada na Ucrânia e implode, em Gaza foi dado sinal verde para ‘terminar o trabalho’ do extermínio; e onde é semeado o sangue de um número tão grande de vítimas sacrificiais, judias e palestinas, estão prontos os projetos imobiliários de residências na futura Riviera do Oriente Médio”, salientou Raniero La Valle. O ex-senador italiano continua seu texto afirmando que “a Europa, Netanyahu e o Ocidente têm pouco a criticar a Trump: são como ele. É claro que quando um ídolo se desfaz, segue-se um terremoto, talvez um tsunami, mas também pode ocorrer uma virada salutar. A Europa, Zelensky e a Ucrânia entram em crise”.

“O poder que garantiu a estabilidade hegemônica durante 80 anos é o primeiro a não respeitar as regras que ele mesmo escreveu e está se esquivando de todas as suas responsabilidades. Isso nos diz que a fase de ordem internacional, ainda que parcial e transitória, iniciada em 1945, está chegando ao fim. E podemos ter certeza de que o preço mais alto será pago pelos próprios Estados Unidos” adverte Manlio Graziano, pesquisador especialista em geopolítica. Perguntado sobre a possibilidade do mundo sair desse labirinto tempestuoso, o filósofo Massimo Cacciari apresentou uma reflexão instigante. “Há raízes difíceis de erradicar completamente, que contrastam radicalmente com a opinião comum atual. De um ponto de vista secular e não crente, penso que uma delas poderia ser a Europa do cristianismo. Teremos que ver se essa raiz ainda é capaz de dar frutos no plano da convivência civil, dos valores, se ainda pode ser o ‘sal da terra’ no plano das razões políticas e sociais”.  

Decisão sombria: fim da ajuda humanitária

Com operações suspensas por 90 dias e com a possibilidade de ser extinta, a Agência dos Estados Unidos para Desenvolvimento Internacional, a USAID (na sigla em inglês), presente hoje em mais de 100 países, sinaliza outra mudança na política externa do governo norte-americano. Uma reconfiguração que fere de morte a ajuda humanitária. No Brasil, o primeiro impacto foi na Operação Acolhida, que recebe migrantes no Norte do país e garantia mais de 1.800 refeições por dia. O fim do financiamento também compromete R$ 84 milhões em projetos ambientais no país. A suspensão dos fundos de ajuda ao desenvolvimento coloca em risco o sistema de cooperação internacional, deixando em risco a vida de milhões de pessoas

Descarte humano

Na sua ofensiva contra os imigrantes, o governo Trump já enviou 11 mil imigrantes de volta para o México, cerca de 29 mil imigrantes ilegais foram presos nas bordas da fronteira estadunidense. O Brasil recebeu dois aviões até o momento, totalizando 199 brasileiros deportados. A única voz contundente contra a política migratória dos Estados Unidos continua a ser o papa Francisco. O líder católico enviou uma carta à Conferência dos Bispos Americanos, cúpula considerada conservadora, pedindo que o episcopado se oponha às deportações. Na ocasião, o pontífice conclamou aos católicos dos EUA a fazerem o mesmo. "Exorto todos os fiéis da Igreja Católica, e todos os homens e mulheres de boa vontade, a não cederem a narrativas que discriminam e causam sofrimento desnecessário aos nossos irmãos e irmãs migrantes e refugiados. Com caridade e clareza, somos todos chamados a viver em solidariedade e fraternidade, a construir pontes que nos aproximem cada vez mais, a evitar muros de ignomínia e a aprender a dar a nossa vida como Jesus Cristo deu a sua pela salvação de todos".

Repressão à diversidade

Outro assunto que tem pautado esse primeiro mês de governo tem sido a repressão à diversidade. Determinando que agora só há gênero feminino ou masculino, Trump colocou no limbo os transgêneros. Uma das pessoas que levantou a voz a favor dos LGBTs foi Mariann Budde, bispa episcopal de Washington, que pediu diretamente a Trump compreensão e aceitação de migrantes, pessoas LGBTQ+ e outros grupos vulneráveis. No sentido contrário, o presidente da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos (USCCB), Arcebispo Timothy Broglio, emitiu uma breve declaração criticando algumas das ordens executivas da Casa Branca, mas concordando sobre negação da existência de pessoas transgênero e não binárias.

Teologia distorcida

J.D. Vance fez uma declaração sobre a hierarquia do amor e demonstrou que faz uso de uma teologia política que permeia a ação governamental e distorce a teologia. Vance disse, ao justificar as deportações, usando o conceito de ordo amoris de São Tomás de Aquino, que estava invocando "uma escola muito antiga, e eu acho que é um conceito muito cristão, a propósito, que você ama sua família e então ama seu vizinho, e então ama sua comunidade, e então ama seus concidadãos em seu próprio país, e então, depois disso, prioriza o resto do mundo." O vice-presidente foi corrigido pelo próprio papa Francisco. Segundo explica o pontífice, "o verdadeiro ordo amoris que deve ser promovido é aquele que descobrimos meditando constantemente na parábola do 'Bom Samaritano', isto é, meditando no amor que constrói uma fraternidade aberta a todos, sem exceção", escreveu.   

Guerra no Congo

O grupo rebelde M23, conhecido como movimento rebelde tutsi, com apoio do exército ruandês, já controla vastas áreas no leste da República Democrática do Congo, que vive uma guerra civil sem precedentes. Em jogo, a disputa pela riqueza dos minerais estratégicos usados na produção de smartphones . Entre 10 e 15 mil pessoas cruzaram a fronteira com Burundi nos últimos dias fugindo do aumento da violência no leste do país. O conflito se intensificou após os rebeldes tomarem a capital, Goma, que tem mais de um milhão de habitantes e vasta riqueza mineral

Mergulho no inferno

O calor não arrefeceu e o Brasil mergulhou, literalmente, nas brasas do inferno climático. Ainda assim o governo resolveu que seria uma boa ideia participar da OPEP+, um coletivo que engloba os maiores produtores de petróleo do mundo. A última onda de calor ainda não saiu do país e a próxima já se aproxima. E nem mesmo com as evidências sentidas na pele dos extremos climáticos ou a proximidade da COP30 tem feito a Petrobras desistir de explorar petróleo na Foz do Rio Amazonas, com direito a pressão de Lula sobre o Ibama. Documento publicado essa semana detalha porque explorar petróleo na Amazônia é um erro. Também é possível ler o que aconteceria se houvesse um vazamento de óleo no bioma

Ofensiva contra os povos indígenas

O ministro Gilmar Mendes não desiste de usurpar as riquezas das terras indígenas. Em uma proposta nefasta, que foi elaborada pelo advogado da empresa Potássio Brasil, Mendes acolheu a minuta que visa permitir a exploração de minerais estratégicos em terras indígenas, tudo isso na mesa de conciliação que debate o Marco Temporal. Conciliação, inclusive, que já foi abandonada pelo movimento indígena, uma vez que ela pretende defender os interesses do agronegócio, dos mineradores e dos exploradores das terras indígenas.  

Um boa semana a todas e todos!