17 Janeiro 2025
“O Ocidente agora está convencido de que a China representa uma ameaça letal. Assim como o pai de Édipo, que morreu nas mãos do filho porque acreditou na profecia de que ele o mataria, o Ocidente está trabalhando incansavelmente para pressionar a China a dar o salto e desafiar seriamente o poder ocidental”, escreve Yanis Varoufakis, economista e político, ex-ministro das finanças da Grécia, em artigo publicado por Clarín-Revista Ñ, 14-01-2025. A tradução é do Cepat.
Um grupo heterogêneo de especialistas do centro político da Europa, do Sul Global e, após a vitória eleitoral de Donald Trump, dos Estados Unidos, acredita que o Ocidente está em declínio. Sem dúvida, nunca houve tanto poder concentrado nas mãos de tão poucas pessoas (e códigos postais) no Ocidente, mas por si só isto significa que o poder no Ocidente está condenado?
Na Europa, há boas razões para abraçar a narrativa do declínio. Assim como o Império Romano mudou sua capital para Constantinopla, em Bizâncio, atual Turquia, para estender sua hegemonia por mais um milênio, abandonando Roma aos bárbaros, o centro de gravidade do Ocidente mudou para os Estados Unidos, abandonando a Grã-Bretanha e a Europa à estagnação, inertes, ultrapassadas e cada vez mais irrelevantes.
Contudo, há uma razão mais profunda para o sentimento sombrio dos especialistas: a tendência de confundir o declínio do compromisso do Ocidente com seu próprio sistema de valores (direitos humanos universais, diversidade e abertura) com o declínio do Ocidente. Como uma serpente que troca a sua própria pele, o Ocidente ganha poder ao se livrar de um sistema de valores que sustentou seu domínio durante o século XX, mas que, no século XXI, não serve mais para este objetivo.
A democracia nunca foi um pré-requisito para a ascensão do capitalismo, e o que agora consideramos o sistema de valores do Ocidente também não é um pré-requisito para ele. O poder do Ocidente não foi construído com base em princípios humanistas, mas, sim, sobre a exploração brutal interna, aliada ao tráfico de escravos, ao tráfico de ópio e diversos genocídios na América, na África e na Austrália.
Durante a sua ascensão, o poder ocidental não teve controle no exterior. A Europa enviou milhões de colonos para subjugar os povos e extrair recursos. Os europeus fingiram que os nativos que viam não eram humanos e declararam seu território terra nullius, uma terra sem povos para os colonos que a almejavam: o primeiro ato de todos os genocídios, da América, África e Austrália até a Palestina de hoje.
Embora fosse invencível no exterior, o poder ocidental se viu desafiado internamente por suas classes baixas miseráveis, que se levantaram em resposta às crises econômicas causadas pela incapacidade da maioria de consumir uma parte suficiente dos bens que produziam nas fábricas pertencentes a poucos. Esses conflitos levaram a guerras em escala industrial entre potências ocidentais competindo por mercados, culminando em duas guerras mundiais.
Como consequência, as elites ocidentais tiveram que fazer concessões. Em nível nacional, aceitaram a educação, a saúde e as pensões públicas. Em nível internacional, a indignação diante das guerras e genocídios cruéis do Ocidente levou à descolonização, às declarações universais de direitos humanos e aos tribunais penais internacionais.
Durante as duas décadas após a Segunda Guerra Mundial, o Ocidente se deleitou com o brilho caloroso da justiça distributiva, da economia mista, da diversidade, do Estado de direito interno e de uma ordem internacional baseada em regras. Do ponto de vista econômico, esses valores foram extraordinariamente favorecidos pelo sistema monetário mundial planejado de modo centralizado, elaborado pelos Estados Unidos, conhecido como Bretton Woods, que permitiu reciclar seus excedentes para a Europa e o Japão, essencialmente dolarizando os seus aliados para sustentar suas próprias exportações líquidas.
Mas então, em 1971, os Estados Unidos se tornaram um país deficitário. Em vez de apertar o cinto ao estilo germânico, os Estados Unidos explodiram Bretton Woods e aumentaram significativamente o seu déficit comercial. Alemanha, Japão e, mais tarde, China se tornaram exportadores líquidos, cujos lucros em dólares foram enviados a Wall Street para comprar dívida pública do governo estadunidense, imóveis e ações de empresas nas quais os Estados Unidos permitiam que estrangeiros investissem.
Então, a classe dirigente estadunidense teve uma epifania: Para que fabricar coisas em casa, se era possível confiar que capitalistas estrangeiros enviariam seus produtos e seus dólares para os Estados Unidos? Desse modo, exportaram linhas de produção inteiras para o exterior, provocando a desindustrialização dos centros industriais dos Estados Unidos.
Wall Street estava no centro desse novo e audacioso mecanismo de reciclagem. Para desempenhar seu papel, precisava estar livre de travas. Contudo, a desregulamentação total precisava de uma economia e uma filosofia política que a respaldassem. A demanda criou sua própria oferta e o neoliberalismo nasceu. Em pouco tempo, o mundo estava repleto de derivativos surfando no tsunami do capital estrangeiro que inundava os bancos de Nova York. Quando a onda quebrou, em 2008, o Ocidente passou perto de quebrar com ela.
Líderes ocidentais em pânico autorizaram a emissão de 35 trilhões de dólares para reerguer financistas, enquanto impunham austeridade às suas populações. A única parte desses trilhões que foi realmente investida em máquinas foi para o capital na nuvem que deu às big techs seu poder generalizado sobre o coração e a mente das populações ocidentais.
A combinação do socialismo para os financistas, a ruína das perspectivas para os 50% mais pobres e a subjugação das nossas mentes ao capital na nuvem das big techs deram origem ao Admirável Ocidente Novo, para cujas elites arrogantes o sistema de valores do século passado faz pouco sentido.
O livre comércio, as regras antitruste, as emissões líquidas zero, a democracia, a abertura à imigração, a diversidade, os direitos humanos e o Tribunal Internacional de Justiça foram tratados com o mesmo desprezo com que os Estados Unidos trataram os ditadores amigos - seus “próprios bastardos” -, uma vez encerrada a sua utilidade.
Com a Europa impotente devido à sua incapacidade de federalizar o poder político, após ter federalizado seu dinheiro, e com o mundo em desenvolvimento mais endividado do que nunca, só a China permanece no caminho do Ocidente. A ironia, no entanto, é que a China não quer ser hegemônica. Só quer vender suas mercadorias sem obstáculos.
No entanto, o Ocidente agora está convencido de que a China representa uma ameaça letal. Assim como o pai de Édipo, que morreu nas mãos do filho porque acreditou na profecia de que ele o mataria, o Ocidente está trabalhando incansavelmente para pressionar a China a dar o salto e desafiar seriamente o poder ocidental, por exemplo, transformando os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, Egito, Etiópia, Irã, África do Sul e Emirados Árabes Unidos) em um sistema semelhante ao de Bretton Woods, baseado no renminbi, a moeda da China.