11 Junho 2024
O modo de compreender a vida de Yanis Varoufakis se encaixa no verso da poeta Alejandra Pizarnik: “Não quero ir nada além do que até o fundo”. Para ele, esse fundo é descrito hoje em sete palavras: “O capitalismo morreu e temos algo pior”.
A entrevista é de Miguel Ángel García Vega, publicada por Ethic, 10-06-2024. A tradução é do Cepat.
Economista, escritor, político, professor. A sua já é uma luta, desde quando era ministro das Finanças da Grécia, com ecos de história política: a oposição contra a troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional), em 2015, durante a crise da dívida pública, devido às duras condições impostas para resgatar a economia grega. Na realidade, era uma só: austeridade.
Ele disse não. Rejeitou a proposta e consultou a Grécia nas urnas. Os seus concidadãos se opuseram à precariedade catastrófica que surgia no horizonte. Foi quando o jornal Financial Times – contrário à recusa grega – o rotulou como “o homem mais irritante na sala”. No entanto, e de surpresa, o então primeiro-ministro Alexis Tsipras aceitou as condições. A decisão rompeu uma amizade de anos e Varoufakis renunciou após apenas cinco meses no cargo.
Dissidente da ortodoxia, Varoufakis é um dos poucos economistas do mundo – com exceção de Piketty, Krugman e Stiglitz – cujo pensamento compete nas prateleiras das livrarias ao lado de escritores imprescindíveis ou narradores best-sellers. Em seu último trabalho, Tecnofeudalismo: o sucessor silencioso do capitalismo (editora Deusto), uma carta de mais de 200 páginas dirigida ao seu pai, Georgios, um comunista greco-egípcio recentemente falecido, Varoufakis adverte que há uma luta mundial para dominar uma nova ordem econômica e política.
Não é apenas a dependência de oligarcas tecnológicos como Jeff Bezos, Elon Musk e Mark Zuckerberg. Entramos em um sistema que mistura feudalismo e tecnologia. A sociedade paga o dízimo aos novos barqueiros para atravessar a lagoa Estige. “Bezos (dono da Amazon) não produz capital. Recebe rendas. Isto não é capitalismo, é feudalismo. E nós? Somos os servos. Nem percebemos que quando tuitamos ou postamos algo nessas empresas, estamos criando valor”, alerta o economista.
É o ingresso em uma sociedade mais medieval e injusta. Por isso, o tecnofeudalismo é grande parte da sua cosmogonia. Trata-se de um livro importantíssimo, escrito por um doutor em Economia e Matemática que ministra aulas de Economia na Universidade de Atenas, autodefinido como “um marxista libertário” que costuma circular de moto ou em um Mini vermelho pelas ruas de uma cidade tirada, pode-se dizer, do mito de Teseu.
A entrevista, via Zoom, ocorre do fundo de sua casa, na ilha de Egina – a uma hora de distância no ferry que parte do Porto do Pireu –, com a visão de uma enorme estante repleta de títulos que, como estratos sobrepostos, elevam o seu pensamento. Aparece aí uma referência da literatura grega, Nikos Kazantzakis (1883-1957), que escreveu em seu epitáfio: “Não espero nada. Não temo nada. Sou livre”. Assim como Varoufakis, assim como as suas palavras.
“Qual é a minha hipótese?”, pergunta-se em seu último livro.
“O capitalismo está morto, no sentido de que as suas dinâmicas não governam mais as nossas economias. Este papel foi substituído por algo muito diferente que eu chamo de tecnofeudalismo. No fundo, a minha tese é uma ironia que pode parecer confusa inicialmente, mas que espero mostrar que faz todo o sentido: o que tem matado o capitalismo é… o próprio capitalismo. Não o capital da forma como o conhecemos desde o alvorecer da era industrial, mas uma nova forma, uma mutação que se enraizou nas últimas duas décadas, muito mais poderosa do que seu antecessor que, como um vírus estúpido e ciumento, acabou com o seu hóspede. O que aconteceu? Duas coisas. A privatização da Internet pelas grandes empresas tecnológicas estadunidenses e chinesas. E a maneira como os governos ocidentais e os bancos centrais responderam à grande crise financeira de 2008”.
Ao longo da história, os impérios foram criados e afundados, e as fronteiras, seja pela força ou por acordos, mudaram. Estamos passando por esse mesmo momento?
O principal motor da mudança histórica tem sido o erro. Primeiro, temos a humanidade que se move muito rápido em termos de capacidades. Segundo, o mundo se divide em dois. Por um lado, o dólar estadunidense e a combinação das big techs, Vale do Silício e Wall Street. Por outro lado, as grandes empresas tecnológicas chinesas que competem com um sistema financeiro em desenvolvimento.
Ao se analisar o crescimento dos BRICS [Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul], a América Latina, os Emirados Árabes e o acordo da Arábia Saudita com o Irã, por trás, há uma guinada geopolítica tectônica. Mais do que prevenir a entrada de dinheiro estrangeiro que compre conglomerados capitalistas, como a Boeing e a General Electric, a manutenção da hegemonia dos Estados Unidos exige enfrentar o único cloudalist [capitalista na nuvem] que surge como ameaça: a China.
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O mundo gira, muda. Ninguém usa hoje a roupa que será usada amanhã. Os mercados, o meio básico do capitalismo, foram substituídos por plataformas comerciais online que parecem, mas não são mercados, e é mais fácil entendê-las como se fossem feudos. E o lucro, o motor do capitalismo, foi substituído por seu antecessor feudal: a renda. Especificamente, uma forma de renda que é necessário pagar para acessar as plataformas e, mais amplamente, a nuvem. Varoufakis chama isto de ‘cloud rent’, renda na nuvem.
Todo esse universo de novas tecnologias (a inteligência artificial, os robôs, a nuvem, o ChatGPT) faz parte do problema ou da solução?
A tecnologia está ao nosso redor desde o início dos tempos. Pode ser usada a favor da humanidade e também, de forma horrível, contra ela. É uma decisão do ser humano e da sociedade em que se vive.
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O economista retorna à política. É casado com a artista Danae Stratou e tem uma filha de 11 anos, Xenia, de um casamento anterior, que atualmente estuda em Sydney (Austrália). Seu último livro é uma espécie de continuação de 'Conversando sobre economia com a minha filha', no qual buscava explicar por que havia tanta desigualdade no mundo e as suas consequências. Isto porque Varoufakis sempre tenta uma coisa: compreender o tempo em que vive e fugir dos prognósticos. Embora às vezes para compreender este lugar com 8 bilhões de almas seria necessário o fio dado por Ariadne a Teseu para matar o Minotauro e sair do labirinto.
Como explicar as vitórias de Geert Wilders, líder do partido de ultradireita Liberdade, na Holanda, e do anarco-libertário Javier Milei, na Argentina?
É uma história muito longa. A guinada começou no crash financeiro de 2008, que é análogo à Grande Depressão de 1929. O mundo mudou naquele ano: a ascensão dos fascismos, o aumento da desigualdade, a xenofobia, os populismos, o isolamento... Em 2008, aconteceu exatamente o mesmo. A partir daquele ano, cria-se uma enorme onda de neofascismo que agora irrompe na Holanda e na Argentina.
Mas também acontece na Alemanha [Alternativa para a Alemanha], na Europa do Leste, na França – com Marine Le Pen liderando as pesquisas – e no Brexit, que é um movimento xenófobo de direita. Pense em Lula: venceu no Brasil, embora apenas por 1% contra Bolsonaro, e Donald Trump quer fazer o caminho de volta. O que acontece na Argentina e na Holanda deve ser entendido como o resultado da crise do pós-capitalismo, iniciada em 2008.
O feminismo é o movimento social mais importante e transformador das últimas décadas. No entanto, não tem um projeto econômico comum. Há uma infinidade de interpretações. Isto não tira a sua força?
Tudo começa com a divisão do trabalho. Convém lembrar que vivemos em uma sociedade patriarcal. A sociedade explora as mulheres de muitas formas diferentes. Comumente, precisam trabalhar mais: tanto dentro como fora de casa. Nas empresas, precisam obter resultados melhores e eficiência média maior do que a dos homens. Em todas as sociedades existem formas para aumentar a sua exploração, a única coisa que se faz é distribuí-la de outra forma.
Você muda o sistema e ao mesmo tempo a forma de explorá-las. Nos Estados Unidos existem algumas grandes empresas, por exemplo, em cujo conselho executivo está uma mulher, mas a única via para alcançar essa posição é se houver outra mulher que trabalhe na casa, geralmente negra. Agora, as empresas dizem “temos mais conselheiras”, mas sem falar do patriarcado que existe em todos os níveis da sociedade e da economia.
As empresas de energias renováveis salvarão a Europa da dependência do petróleo e do gás?
Não. A Europa está investindo muito pouco. A austeridade de 2008, a crise da dívida de 2012, na Espanha, Grécia, Alemanha... O dinheiro que está sendo destinado é mínimo em comparação às necessidades exigidas pela transição energética. O Velho Continente está agindo verdadeiramente muito mal.
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Todo texto tem algo – ou muito – de pessoal. Seu livro foi concebido em tempos de pandemia. Foi escrito pensando em seu pai, que trabalhou como engenheiro químico na siderúrgica da cidade de Elêusis, durante seis décadas. Nos anos 1940, em meio à guerra civil, foi condenado a cinco anos de “reeducação política” na prisão por se recusar a delatar seus companheiros do partido comunista.
Os dias atuais são diferentes. Talvez a diferença entre direita e esquerda não faça sentido. “As pessoas de direita pensam no capitalismo como um sistema natural, algo parecido como a atmosfera”, relata ao jornal The Guardian, “ao passo que a esquerda se considera um ser criado pelo universo para impor o socialismo sobre o capitalismo. Estou te dizendo: quer saber? Você não notou. Alguém matou o capitalismo. Temos algo pior”.
Temos uma guerra na Ucrânia, onde os ucranianos correm o risco de pouco a pouco ser esquecidos, uma batalha entre Israel e o Hamas sobre a qual se argumenta que deveria ser resolvida com o reconhecimento do Estado palestino, a volta das resoluções do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas e o retorno das fronteiras anteriores a 1967. E temos as duas últimas frases do livro: “Servos da nuvem, proletários da nuvem e vassalos da nuvem do mundo, uni-vos! Não temos nada a perder, exceto nossas correntes mentais”. Essa é a alegoria de Varoufakis.
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“O capitalismo matou o capitalismo”. Entrevista com Yanis Varoufakis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU