Os povos e o fim da hegemonia do dólar. Artigo de Raúl Zibechi

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26 Abril 2023

“A troca de hegemonias e de moedas dificilmente é uma janela de oportunidades para os de baixo. Melhor, uma escotilha estreita que não garante nenhum progresso e pode ser a repetição de genocídios como a ocupação da Araucanía no Chile ou a conquista do deserto na Argentina pelas mãos da nova burguesia. Não é mais a lógica direita-esquerda, mas de baixo para cima, que pode fornecer sentidos emancipatórios”. A reflexão é de Raúl Zibechi, em artigo publicado por La Jornada, 21-04-2023. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

Até a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, admitiu que a hegemonia do dólar está em risco, pois as sanções a países como China, Rússia e Irã podem prejudicar o papel da cédula verde e, portanto, de quem detém o poder de imprimi-la.

Há mais de um ano, na época da invasão russa da Ucrânia, o fim do mundo unipolar dominado por Washington foi proclamado, e se bateram palmas porque o dólar seria substituído por moedas locais, como o yuan ou uma cesta de moedas alternativa.

No entanto, a erosão do papel de uma moeda como o dólar não acontece em pouco tempo se nos ativermos ao que aconteceu na história, porque não há moeda alternativa pronta para substituí-la. No passado, isso foi possível após guerras devastadoras que derrubaram o sistema econômico, destronaram o padrão-ouro ou a libra esterlina, só para citar o que aconteceu no século passado.

De Atenas e Roma até os nossos dias, houve várias moedas hegemônicas no comércio e como reserva global ou regional, que duraram o tempo que transcorreu até o fim da hegemonia dessa nação. Tudo indica que foram as moedas espanholas que permaneceram mais tempo no papel de moedas de reserva e de troca comercial, entre 1530 e 1641.

As grandes crises sistêmicas promoveram a substituição das moedas de reserva, tendo as guerras desempenhado papel de grande destaque no colapso das nações hegemônicas. Em suma, não há leis econômicas que expliquem a troca de moedas de reserva, mas a força armada como razão última da ascensão e declínio das nações dominantes. A existência de armas nucleares não muda essa realidade.

O recente Global Europe Anticipation Bulletin (GEAB) afirma, após detalhar as inúmeras crises em andamento: “No centro deste terremoto está o fim da hegemonia mundial do dólar [...] o que constitui uma inversão de tendência de uma violência sem precedentes, para a qual os BRICS se preparam há 15 anos, sem muito sucesso pelos esforços erráticos da Europa e dos Estados Unidos para acompanhar o movimento”.

Mas a questão central para nós que não somos apenas antiimperialistas, mas também anticapitalistas (e, portanto, rejeitamos o colonialismo e o patriarcado), é o que acontece com os povos em transições hegemônicas.

Primeiro, os povos sempre foram “bucha de canhão” nas guerras entre potências. Derramaram sangue pela ascensão de uma nova classe dominante.

A segunda coisa é que a nova classe não é menos opressiva do que a que foi destronada. Prova disso é o que aconteceu com povos como o mapuche durante a República do Chile, que foi mais agressiva e violenta do que a coroa espanhola. O mesmo pode ser dito dos povos originários em geral, assim como dos oprimidos do nosso continente: embora os negros tenham sido “libertos” da escravidão, foram criadas polícias militares muito violentas para mantê-los na linha.

Terceiro, algo semelhante está acontecendo agora: o vergonhoso imperialismo ianque pode ser sucedido por algo ainda pior. Sim, pior. “Daqui a 15 anos vamos sentir falta dos gringos”, disse José Mujica ao jornal El País quando questionado sobre o progresso da China. Cito o ex-presidente uruguaio apenas porque os progresssistas o estimam muito.

Portanto, é muito provável que a história se repita no futuro imediato. A menos que os povos, particularmente os nativos e negros, e as mulheres rebeldes, tomem decisões por si mesmos, coloquem a autonomia no comando e resistam tanto aos impérios decadentes quanto aos emergentes, às velhas burguesias e àquelas que estão se formando.

Sobre estas, é necessário entender que estão se entrelaçando com o narcotráfico e com as forças armadas, dando origem a classes dominantes mafiosas narcomilitares, pois o “modo de produção” tem essas características. A exportação de ouro ilegal, com sua tremenda lógica destrutiva social e ambiental, substitui as drogas como principal item de exportação em vários países do continente.

Alguém pode pensar que aliar-se a tais máfias pode trazer algo positivo para o povo. Delas só podemos esperar mais feminicídios e genocídios, não apenas pela atitude dos governantes, mas porque, estruturalmente, o sistema funciona assim.

Por fim, a troca de hegemonias e de moedas dificilmente é uma janela de oportunidades para os de baixo. Melhor, uma escotilha estreita que não garante nenhum progresso e pode ser a repetição de genocídios como a ocupação da Araucanía no Chile ou a conquista do deserto na Argentina pelas mãos da nova burguesia. Não é mais a lógica direita-esquerda, mas de baixo para cima, que pode fornecer sentidos emancipatórios.

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