Os riscos de uma transição energética que nos leva do colapso do petróleo ao esgotamento dos minerais. Conferência de Alicia Valero

Mesmo reconhecendo a importância da transição, a professora destaca que é preciso saber que esse processo pode aumentar o consumo de metais raros. Saídas podem estar numa economia em espiral

Foto: PxHere

Por: Tradução e edição: João Vitor Santos | 26 Dezembro 2023

O uso de combustíveis fósseis está destruindo os modos de vida na Terra e é preciso uma transição energética, para que se dependa cada vez menos de petróleo e se emita cada vez menos CO2. Isso é fato. Mas não significa que fazendo essa conversão todos os problemas estarão resolvidos. O alerta vem da professora Alicia Valero que, em conferência no IHU, dentro do Ciclo de Estudos Transição Energética e o Colapso Global. Limites e possibilidades, diz que podemos sair da degradação por energias fósseis e cairmos num esgotamento do planeta pela extração de minerais raros. “O que temos de analisar é qual o ‘lado B’ dessa transição que, em tese, nos salvará desses problemas das mudanças climáticas ou, pelo menos, mitigará de alguma forma a situação”, aponta.

O que está no foco de Alicia é o aumento desses metais para a geração de energias alternativas, como é o caso da eólica, por exemplo. “É preciso saber que para cada gigawatt produzido, um parque eólico precisa de cerca de 25 vezes mais materiais do que uma usina a carvão convencional”, exemplifica. Esses materiais são diversos minerais raros que, como o próprio nome diz, são difíceis de extrair da natureza e tem uma reserva finita. “Estamos vendo uma mudança de paradigma de onde saímos de uma dependência energética de combustíveis fósseis para uma multidependência de matérias-primas que também são escassas”, enfatiza.

Além disso, a professora usa da termodinâmica para explicar que nós consumimos energia demais também para extrair matérias-primas minerais da natureza. “A termodinâmica diz que toda vez que realizamos alguma atividade sempre destruímos recursos. E os atos de destruição de recursos são algo que chamamos de irreversibilidade”, explica. Por isso, destaca que nem tudo pode ser calculado em valores monetários. Na verdade, “estamos de alguma forma sujeitos às leis da termodinâmica e a economia não está ciente disso ou não quis estar ciente. (…) Precisamos pagar uma compensação maior que leve a natureza em conta”, dispara.

A concepção de saídas não é fácil, pois dependemos cada vez mais desses metais para sobreviver e, na medida em que vai haver um decrescimento de energias fósseis, a tendência é aumentar ainda mais o consumo dessas matérias-primas. É pela termodinâmica que Alicia chega à elaboração de que, mesmo que não sufoquemos a vida com CO2 pelo uso de combustíveis fósseis, podemos drenar a energia de toda a Terra com a extração de minerais, chegando a um ponto de estado morto do planeta, uma era de Thanatia, como conceitua. “Podemos dizer que estamos na era da tabela periódica. E, se continuarmos assim, então, poderemos voltar à Idade da Pedra ou à Idade de Thanatia”, ilustra.

A palestrante apresenta os limites da reciclagem, pois costumamos reciclar justamente o que já existe em maior quantidade da natureza, como o ferro, enquanto ignoramos o reaproveitamento de metais mais raros. Em grande medida isto ocorre porque, quando misturamos esses elementos, há um gasto exorbitante de energia para separá-los, o que inviabiliza a reciclagem.

Por isso, Alícia destaca que é fundamental ter a consciência da finitude dos recursos e usá-los com prudência. Além disso, devemos insistir na reciclagem, mas com novas concepções de produtos de forma que facilitem a extração dos minerais e reciclagens no futuro. “A consciência da reutilização e a reciclagem tornam os produtos robustos, modulares e de fácil desmontagem.

Aprendamos com a natureza, que não produz resíduos e vive e se regenera exclusivamente pela ação do sol. Em suma, na demanda, o que deve ser feito é reduzir drasticamente a demanda, reduzi-la e avançar para novos modelos de consumo”, resume.

Alicia Valero (Foto: Red Espanhola Filosofia)

Alicia Valero é doutora em engenharia química pela Universidade de Zaragoza, na Espanha. É mestre em Eficiência Energética e Ecologia Industrial pela mesma instituição e professora titular na área de Máquinas e Motores Térmicos em Zaragoza, além de diretora do grupo de Ecologia Industrial do Instituto CIRCE (Consulting and Integrated Resources for Classical Educators). Seus estudos enfocam a degradação dos recursos minerais do planeta do ponto de vista termodinâmico. A lista completa de suas publicações está disponível aqui.

Confira trechos da conferência.

Minha fala tem o objetivo de estimular a repensarmos a necessidade do uso de uma energia de base termodinâmica a partir da perspectiva do pensamento econômico. Para tanto, trago um resumo do livro, escrito por mim e meu pai, intitulado “Thanatia: los límites minerales del planeta”, publicado em 2020.

Livro de Alicia e seu pai, em que abordam os limites minerais do planeta. | Foto: reprodução

Na primeira parte do livro, analisamos a dependência dos minerais em nossa sociedade. Para isso, destaco alguns dados físicos que, ao menos para mim, parecem alarmantes. Começo pela economia verde, não a transição, que é necessário que tenhamos, afinal, é preciso reduzir drasticamente o consumo de carvão. O que temos de analisar é qual o “lado B” dessa transição que, em tese, nos salvará dos problemas das mudanças climáticas ou, pelo menos, mitigará de alguma forma esta situação.

É preciso saber que para cada gigawatt produzido, um parque eólico precisa de cerca de 25 vezes mais materiais do que uma usina a carvão convencional. E não consome apenas mais materiais, mas também é maior em superfície instalada, pois precisa de muito mais superfície por megawatt instalado. Por exemplo, o vento precisa de cerca de 50 vezes mais. Mas a quantidade não é o mais preocupante. O que realmente preocupa é a maior variedade.

O que compreende a geração de energia eólica

Para a geração da energia eólica, por exemplo, são necessários elementos que são escassos na natureza e, como veremos, pode haver problemas de abastecimento. Na energia eólica, temos o uso de um elemento chamado neodímio, dos chamados minerais raros. Nas novas tecnologias fotovoltaicas entram em jogo germânio, índio, telúrio. Se formos considerar o carro elétrico, entra em jogo ainda uma verdadeira mina de elementos, pois, para fazer o veículo rodar, são necessários praticamente todos os elementos da tabela periódica.

Desde o século XVIII, vimos como aumentou não só a quantidade como também a variedade de matérias-primas usadas pela sociedade. Por exemplo, um veículo de passeio convencional hoje precisa de 52 tipos diferentes de metais. E estamos considerando projeções até 2050, porque são 2.000 milhões de veículos elétricos e autônomos com todos esse consumo de energia que já temos. Podemos até dizer que estamos na era da tabela periódica. Estamos vendo uma mudança de paradigma de onde saímos de uma dependência energética de combustíveis fósseis para uma multidependência de matérias-primas que também são escassas.

Esse crescimento se dará ano após ano justamente por causa dessa maior necessidade de matérias-primas associadas. Exemplos disso são o veículo elétrico, o veículo híbrido, a energia fotovoltaica, a bioenergia, e assim por diante.

As maiores necessidades de matérias-primas implicam uma extração exponencial de recursos da natureza, mas vivemos em um mundo finito, não podemos crescer indefinidamente. Desenvolvimento é igual a crescimento e é claro que temos que tê-lo. Mas, se há desenvolvimento, ele deve pelo menos ser equitativo.

Focamos em dados físicos, analisando essas tecnologias que serão necessárias para fabricar um celular, por exemplo. Já é sabido que a demanda até 2050 pode ser maior do que as reservas que existem hoje, reservas disponíveis de elementos como prata, cádmio, cobalto, cromo, cobre, gálio, índio, lítio, manganês, níquel, chumbo, platina, telúrio ou zinco, entre outros. São desses que estamos falando que já são escassos e que são extremamente necessários para promover o desenvolvimento.

Transição em risco

Essa transição energética é muito esperada, mas o problema é que a falta desses elementos pode colocar essa mesma transição em risco. Trouxe aqui apenas alguns exemplos de elementos mais conhecidos, mas vou me focar em um dos que mais conhecemos: o cobre. Ele é um elemento representativo que é absolutamente necessário para a transição energética, porque faz funcionar o veículo elétrico é preciso quatro vezes mais cobre do que um veículo com motor a combustão. E uma tecnologia eólica precisa de 12 vezes mais cobre que o seu equivalente em potência a uma usina térmica. Podemos ter ideia da magnitude de que estamos falando em termos de quantidades de cobre que precisamos, já que em 2035 a demanda deve dobrar.

Então, para cobrir essas necessidades de cobre até 2030, precisamos descobrir a maior mina de cobre do mundo todos os anos e pelos próximos 20 anos. Assim, percebemos que para atender a demanda precisamos fazer alguns esforços para ampliar as reservas de forma brutal. Por outro lado, sabemos que a China precisa dessas novas reservas. Precisa da metade, ou até mais, desses depósitos e não é de estranhar, então, que a China esteja por trás de todos os investimentos de reservas de países da América Latina, África, Canadá, Austrália. Ou simplesmente porque a China compra o concentrado e, depois, refina e disponibiliza para o restante do mundo.

Novas minas

Precisamos de muitas, muitas descobertas, mas isso está progredindo? Nos últimos dez anos, as novas descobertas, as novas jazidas – embora não haja estatística clara – passaram de 50 milhões de toneladas por ano para 8 milhões de toneladas. Ou seja, as novas adições foram reduzidas drasticamente. Além disso, 80% dessas novas reservas não são por descoberta de novas jazidas ou por exploração de novas jazidas, mas por reclassificação de depósitos de classificação. Implica, então, que se estabeleça que, talvez, um determinado depósito se esgote até atingir uma concentração de 5 e se decida continuar explorando até que se esgote ainda mais, até chegar 4, por exemplo.

É preciso muito mais energia e, de fato, o que se tem visto é isso. Há jazidas que estão em exploração, a concentração do mineral foi drasticamente reduzida. Isso implica um aumento brutal de custos das mineradoras devido a essa redução nos graus minerais.

Custos altos e custos imensuráveis

Custos de energia mais altos, custos ambientais mais altos, maior uso de água, e isso fez com que as mineradoras não fossem capazes de cumprir seus objetivos. Em 2021, foi percebido um déficit de 2%. Hoje ainda se fala em cobre, o que implicou um aumento de preço de 25%. Perceba que 2% não é nada se tivermos um déficit de 50% como se espera no futuro, porque o que pode acontecer é preocupante. Além disso, o que vemos é que o investimento custa muito, já que o planeta está cada vez mais esgotado. Os custos de investimento também estão aumentando e, desde 2000, que estavam em 4 mil dólares por tonelada, multiplicaram-se quase por 10, chegando até a 44 mil dólares por tonelada hoje.

Apesar de tudo isso, ainda há uma desconexão muito grande entre o físico e o financeiro, pois, se o preço da matéria-prima está baixo, porque não é investido, não há incentivo para investir em novos depósitos. E mesmo com um aumento de preço para 10 mil dólares a tonelada de cobre, estamos em 8 mil dólares ou mais, porque as reservas não devem aumentar significativamente, o que torna o problema ainda pior.

Insisto: isso é do ponto de vista físico, não estou considerando aqui os problemas sociais, que são muitos e dos quais sei que vocês têm abordado aqui no IHU neste ciclo de conferências.

Matéria-prima latino-americana

Há quem pertencem todos esses depósitos? Quem tem essas matérias-primas? Eu estou na Europa e tenho que lhe dizer que, aqui, se não os tivermos, iremos buscar onde for preciso. Podemos até ter algumas dessas reservas na Europa, mas também não queremos extraí-las. E quem são os maiores fornecedores para a Europa? Há uma análise do fluxo de materiais que indicam que essa matéria-prima vem da América Latina. Há, ainda, uma tese de doutorado que aponta que são o Brasil, Chile e México, que são ótimos produtores.

De fato, a América Latina é um dos grandes produtores de matérias-primas, enquanto na Europa é exatamente o contrário, nós somos importadores dessas matérias-primas que são essenciais. Então, importamos aquelas matérias-primas essenciais da América Latina e, também, da África, além de outros lugares.

Reprodução da apresentação da conferencista.

Toda essa matéria-prima vem para cá, a Europa. Mas, na imagem acima é possível ver essa seta vermelha. Ela indica, também, que as matérias-primas vão principalmente para a Ásia e, em particular, para a China, que os usa, refina-os para mais tarde exportar para o resto do mundo, incluindo a América Latina. Ou seja, voltam como produtos refinados, matérias-primas refinadas ou tecnologias diretas.

Pistas da termodinâmica

A partir desse cenário, levantamos algumas questões: há minerais suficientes concentrados na natureza para suprir a crescente demanda? Podemos viver de materiais reciclados? Como? Fizemos essas perguntas no meu grupo de pesquisa e, iniciando a pesquisa com meu pai Antonio Valero, nos perguntamos se a termodinâmica, já que somos termodinâmicos, pode nos dar algumas pistas sobre isso.

Como podemos pensar sobre o papel dos minerais? A verdade é que o custo quantifica as perdas de recursos experimentadas para produzir algo, e custo e preço não são a mesma coisa. Nós valorizamos os recursos com o pagamento ao dono do terreno, por exemplo, onde instalamos um aerogerador. Pagamos para esse proprietário, mas a natureza não dá absolutamente nada? Como queremos lucrar e não podemos quantificar todos os danos de nossas atividades? Eventualmente, poderíamos assumir alguns custos e poderíamos externalizar o resto dos custos.

No entanto, a termodinâmica diz que sempre que realizamos alguma atividade, sempre destruímos recursos. E os atos de destruição de recursos são algo que chamamos de irreversibilidade. Temos que ter clareza sobre esse conceito e que todo benefício econômico assumido está sempre associado a uma irreversibilidade termodinâmica. E essa irreversibilidade será tanto maior quanto menos internalizarmos os custos de desperdício e os recursos. Assim, estamos de alguma forma trapaceando porque não estamos levando em conta o que estamos causando, o que o sistema econômico faz sempre que ignoramos esse dano que estamos causando à natureza, essa irreversibilidade causada pelas nossas ações.

Desafio da quantificação dos danos

Como podemos quantificar isso? É necessário que passemos da economia para a termoeconomia, ou seja, para levantar esse ponto de vista a partir da termodinâmica, onde sua unidade fundamental não é o dólar, precisamos converter não ao euro, não aos pesos, mas ao quilowatt-hora. Isso que representa energia.

Escassez: a importância da compreensão do conceito

Como avaliar a escassez? Era o que fazíamos, estávamos considerando de um ponto de vista, como eu digo, físico [não entrando nas questões sociais]. Para isso, é preciso primeiro saber o que é escassez, porque valorizamos o que achamos difícil de alcançar. A improbabilidade de encontrar coisas, a singularidade, a distinção do comum tornam as coisas valiosas. Além disso, disponibilidade não é o mesmo que abundância. Talvez haja matérias-primas disponíveis, pois podem ser um subproduto de outras substâncias, mas são muito escassas. Portanto, há que fazer aqui uma distinção.

De leis da termodinâmica a leis da economia

E como podemos abordar do ponto de vista termodinâmico? Herman Daly (1938-2022) [economista ecológico estadunidense, professor da Escola de Política Pública de College Park, nos Estados Unidos, foi economista chefe no Departamento Ambiental do Banco Mundial, onde auxiliou a desenvolver princípios políticos básicos relacionados ao desenvolvimento sustentável] diz que a primeira e a segunda leis da termodinâmica devem ser chamadas de primeira e segunda leis da economia. Isso porque ele acredita que, sem essas leis, não haveria desabastecimento e sem escassez não haveria economia.

Herman Daly | Foto: Revista Ecologia Política

A primeira lei diz que a energia não é criada nem destruída. Se pudéssemos criar energia indefinidamente, não haveria escassez ou poluição. Então, estamos sujeitos a essa primeira lei. O que a segunda lei nos diz é que todos os processos tendem à degradação se não os alimentarmos com energia. Sem a degradação dos sistemas, poderíamos reciclar indefinidamente, mas, infelizmente, como veremos, não é assim que funciona. Estamos de alguma forma sujeitos às leis da termodinâmica, e a economia não está ciente disso ou não quis estar ciente.

Nicholas Georgescu-Roegen (1906-1994), considerado o pai dos economistas ecológicos, em seu grande livro The Entropy Law and the Economic Process (Harvard University Press, 1971), que quase lhe valeu o Prêmio Nobel, comentou que esta segunda lei da termodinâmica é a base da economia em todos os níveis.

Nicholas Georgescu-Roegen | Foto: Wikipedia

Os economistas ecológicos têm muita clareza de que temos que vincular a economia, de alguma forma, à termodinâmica e não o contrário. Acontece que, hoje, o segundo princípio só é usado de forma metafórica e isso nos impede de ter uma contabilização útil e que permita visualizar o grau de degradação de recursos. Há uma diferença muito clara entre princípios termodinâmicos e princípios econômicos.

Na primeira lei, a energia não é criada nem destruída, mas a primeira lei, digamos, econômica, seria contra a termodinâmica. Nela, reside a ideia de que o dinheiro pode ser impresso do nada, no entanto, quilowatts-hora, a energia, não. Portanto, a conclusão imediata é de que o dinheiro nunca pode ser um indicador apropriado.

Dado o segundo princípio, sabemos que toda atividade pode gerar lucros de acordo com a economia, mas, como disse, ela sempre destrói recursos, sempre há irreversibilidade e a consequência disso é de que, em um planeta com recursos limitados, em um planeta finito, o crescimento infinito é impossível. Só que temos vivido todos esses séculos de costas para essa realidade física e, de alguma forma, temos de voltar e entender quais são os limites do planeta.

Reprodução da apresentação da conferencista.

Na imagem [acima] há um exemplo da assimetria entre termodinâmica e economia. Antonio Valero, junto com outro grande economista ecológico espanhol, José Manuel Naredo (1942), desenvolveu uma regra que diz que, na construção de uma casa, o maior consumo energético ocorre nos materiais da obra, que, por sua vez, são o que menos custam por unidade de energia consumida. No entanto, no final do processo, o esforço energético para assinar a escritura da casa é dito que o que mais custa é em dinheiro, 10% na Espanha, por exemplo. Portanto, o que temos que fazer é achatar essa regra do cartório que quantifica a escritura de uma casa e levar em conta que o que custa mais para a natureza precisa custar mais economicamente. Precisamos pagar uma compensação maior que leve a natureza em conta.

Exergética e a possibilidade de quantificar o custo para natureza

E como fazemos isso? Através da exergética [diferencia a qualidade da energia, ou seja, o seu emprego no uso final, com menor degradação da energia], reconhecendo todas essas deficiências da economia e reconhecendo que a termodinâmica pode ser um bom instrumento para avaliar essa perda de riqueza mineral e, em geral, perda de riqueza de recursos. Isso até agora era um problema, pois falávamos apenas metaforicamente. Podemos usar a exergia [capacidade de transformar energia em trabalho, ou seja, em energia organizada] como uma ferramenta contábil.

O que é a exergia e como a usamos para avaliar recursos?

Reprodução da apresentação da conferencista.

Imaginemos uma bola no topo de uma colina. Se der um empurrãozinho nessa bola, ela vai descer irreversivelmente até chegar ao chão. Em termodinâmica, ao chão é o estado de equilíbrio ou o que se chama de estado morto. Quanto mais para o alto for a bola, quanto maior a diferença entre o topo do morro e o solo, mais rapidamente essa bola correrá. Se fosse uma cachoeira, como a Catarata do Iguaçu, com maior inclinação para instalação de uma turbina hidráulica, maior quantidade de energia poderia obter daquela cachoeira.

O que a exergia mede é a qualidade dos sistemas em relação a um ambiente de referência. Neste caso, a energia potencial coincide com a exergia, mas em outros casos em que temos um desequilíbrio de temperatura, ela não é equivalente. E, em geral, o que está concentrado no final acaba se diluindo.

Tudo o que se afasta do estado morto daquele ambiente de referência tem exergia. Uma cachoeira tem exergia, porque está a uma certa altura e porque tem água pura em movimento. Uma geleira tem exergia porque ela tem uma temperatura diferente da temperatura ambiente. Mesmo uma mina tem exergia porque está concentrada e seus recursos não estão dispersos na crosta terrestre.

Claro, descendo o morro é muito fácil a bola rolar. Mas subindo, se tivermos a bola no estado estável de referência [na parte baixa da colina]?

Reprodução da apresentação da conferencista.

Sair deste ponto mais baixo para uma altura determinada custa muita energia. Conseguimos visualizar isso com o que acontece na mineração. Numa mina que é abundante, há o problema de ela estar área perto do topo do morro. O topo do morro seria 100% de concentração de minério refinado. Enquanto uma mina que é menos abundante, por exemplo, uma mina de cobre, é mais baixa que aquele morro. E uma mina que é muito pouco concentrada, por exemplo, ouro, já está muito próximo daquele estado de equilíbrio, daquele estado morto.

O que podemos compreender é que uma mina nos economiza muita energia por ter os minerais concentrados e não dispersos na crosta. E a termodinâmica também nos revela que quanto mais exausta estiver a mina, mais nos aproximaremos desse estado de equilíbrio e, portanto, os custos para se levar a bola para cima da colina disparam.

O conceito de Thanatia

O que é Thanatia? É precisamente esse solo. Em grego, Thanato significa morte, o estado morto da termodinâmica. Thanatia é um planeta, um modelo de planeta esgotado em matérias-primas. Ou seja, teríamos extraído todas as matérias-primas e as teríamos usado e dispersado por toda a crosta, de modo que não temos mais esses recursos minerais concentrados e os custos para colocar a bola de volta no morro aumentam, disparam e são inviáveis.

Dessa forma, conhecendo Thanatia, sabendo aquele ponto inicial para avaliar a perda de capital mineral, podemos fazer uma estimativa do estado atual das minas, saber se as minas atuais valem a pena. Mas sabemos que as extraímos e produzimos primeiro as matérias-primas refinadas para produzir os diferentes produtos.

Reprodução da apresentação da conferencista.

Uma vez que usamos esses produtos e depois os levamos para o aterro, mais cedo ou mais tarde eles se dispersam na crosta e acabam parando naquele solo de referência, nesse ponto de referência denominado Thanatia. O que estamos fazendo é justamente avaliar a evolução, o caminho que estamos seguindo em direção ao Thanatia.

Reprodução da apresentação da conferencista.

Na imagem acima, temos uma representação da concentração de um elemento frente à estratégia e aos custos necessários para extrair esse elemento. Enquanto estivermos na zona verde, ou seja, altas concentrações do mineral, o custo da mineração será relativo. No entanto, à medida que as minas se degradam, subimos nessa curva que é exponencial. No atual momento, nos aproximamos da zona amarela, porque já é rentável extrair minerais dos próprios aterros. E, quando estivermos no limite, chegaríamos à zona vermelha. Seria quando estivéssemos em Thanatia.

Na medida em que as minas são degradadas, esse bônus que a natureza nos dá de graça, por ter a mina concentrada e não dispersa, vai diminuindo, enquanto os custos associados à mineração aumentam. Com esse pensamento e com essas ferramentas, podemos estabelecer quais os elementos que são realmente raros na natureza e, assim, podemos classificá-los, porque não é a mesma coisa ter uma tonelada de cobalto e ter uma tonelada de ferro, por exemplo. O cobalto está muito mais na zona vermelha [da imagem acima], enquanto o ferro está em verde, é muito mais abundante que o cobalto.

Outra consequência associada ao segundo princípio da termodinâmica e da mineração é o que exponho na imagem abaixo.

Reprodução da apresentação da conferencista

Aqui analisamos milhares de minas de cobre, ouro, zinco ao redor do mundo e observamos como a energia aumenta dependendo da redução do grau mineral. Não é surpresa que a energia baseada na energia associada à mineração aumenta exponencialmente com a redução da lei de mineração, e, também, como a mineração baseada em combustíveis fósseis, precisamos de mais matérias-primas para a transição energética.

Por outro lado, as leis minerais estão diminuindo, porque a energia está disparando. E se essa energia é fóssil, as emissões pelo menos associadas à mineração vão aumentar. Isso parece um paradoxo, porque estamos tentando fazer uma transição energética pela substituição de fontes fósseis por minerais e, por sua vez, os minerais precisam de fósseis que, por sua vez, produzem emissões de CO2. Portanto, estas questões não foram levadas em conta nos cenários de transição e me preocupa, sinceramente, porque não acredito nos números que estão divulgando.

Como as minas são limitadas a este ritmo de produção, o que determinamos é quando será atingido o pico de produção destas matérias-primas essenciais. Fazemos isso também em termos termodinâmicos para considerar a qualidade de cada um desses recursos. Considerando as maiores quantidades de matérias-primas que poderiam estar disponíveis no futuro, pois o pico poderia ser atingido antes do século XXI, exigimos mais do que podemos dar. Se fôssemos considerar as reservas, ou seja, a quantidade de matérias-primas que há disponível, já teríamos atingido o pico. Então, a questão é: estamos nos aproximando de Thanatia? O que essa transição ecológica implica?

A transição e suas implicações

Vimos que efetivamente temos limites minerais para a transição ecológica e a revolução industrial. Esses, na imagem abaixo, são os cenários da Agência Internacional de Energia.

Reprodução da apresentação da conferencista.

Podemos perceber como já tendemos para uma redução do carvão, do gás natural ou do petróleo em favor das energias renováveis. Isso implicará um maior consumo de matérias-primas, que são escassas e que, como disse, são extraídas com recursos renováveis. Portanto, hoje não estamos analisando essa perda de capital mineral.

Somando essa visão termodinâmica dos recursos, o que teríamos de informação hoje é que os minerais não energéticos constituem uma perda de capital mineral ainda maior do que a do carvão, do gás natural ou do petróleo, e não estamos levando isso em conta. Isso é grave, porque simplesmente eles são essenciais para a transição energética.

Reprodução da apresentação da conferencista.

Como enfrentar a situação

Diante disso, o que temos que fazer para evitar esses gargalos e, para sempre, tentar continuar nos desenvolvendo rumo às tecnologias não carbonizadas? Obviamente, uma das estratégias é continuar investindo em novos depósitos, e isso é uma realidade. Novos depósitos, reciclagens [de reaproveitamento de minerais], vão ser buscados em todos os lugares. Na Europa, há uma regulamentação que diz que temos de deixar de depender de países terceiros e que temos de explorar os recursos que temos aqui.

Outra boa estratégia é tentar usar os recursos que já temos na forma de produtos, ir para uma economia circular. A questão é que não estamos reciclando em todos os casos. E se olharmos para as taxas de reciclagem, veremos que não reutilizamos efetivamente tudo. O que estamos recuperando são os mais abundantes, como ferro, alumínio e chumbo. Como há uma diversidade de novas tecnologias, temos um número maior de produtos e materiais. Eles têm características muito melhores com redução de tamanho e peso.

Observe o caso dos celulares, que são impossíveis de serem reciclados totalmente. Paradoxalmente, em um estudo que fizemos há muitos anos com um instituto alemão, vimos que essas tecnologias que parecem muito avançadas também são eficientes do ponto de vista energético, são menos sustentáveis do ponto de vista do uso de materiais.

Uma lâmpada incandescente, que na Europa já não são mais produzidas, continha um filamento de tungstênio, uma tampa de alumínio, um pouco de vidro, mas que era muito ineficiente em termos energéticos. Apareceram as lâmpadas fluorescentes, que são 5 vezes mais eficientes que as incandescentes ou LEDs, que são até 10 vezes mais eficientes que as incandescentes. No entanto, uma lâmpada LED é composta de gálio, índio, arsênio, um monte de metais raros. A fluorescente, então, também tem metais raros, fósforos, mercúrio e acontece que eles nem sempre são reciclados. O mercúrio é recuperado, mas não porque é usado, simplesmente para evitar a poluição de rios e terras.

Assim, estamos vendo uma maior diversidade de elementos para cada tecnologia, quanto mais avançada essa tecnologia, mais recursos estamos investindo. Surge a quimiodiversidade e isso simplesmente impede a reciclagem, isto é, recuperar esses materiais.

Mixologia

Reprodução da apresentação da conferencista.

Isso tudo porque na mixologia metálica é como se misturássemos açúcar e sal. É o equivalente ao morro, descer é muito fácil, mas subir é muito complicado, exige muito mais esforço. Ou seja, misturar é fácil, mas desmisturar é difícil. Misturar açúcar e sal é fácil, mas desmisturar é difícil. Então, a mixologia implica perdas irreversíveis no fim da vida. Portanto, se quisermos recuperar o aço de um produto, ao longo do caminho perderemos minerais tão importantes como platina, cobre, ródio, paládio, prata, etc.

Atualmente, a maioria dos processos de reciclagem enfoca na recuperação do aço, por exemplo. Devemos reconhecer que, termodinamicamente falando, a economia circular é um belo mito, não existe porque em cada volta sempre perdemos uma quantia de energia. É por isso que falamos de economia espiral. Na verdade, ainda estamos longe de ter uma economia espiral efetiva, mas se não formos capazes de conceber estes produtos, tendo em conta o fim da vida útil, essas perdas vão aumentar.

Saídas possíveis na economia em espiral

Reprodução da apresentação da conferencista.

Vendo isso tudo, as ineficiências que temos nos processos, vendo que as mudanças climáticas são um problema realmente importante, concluímos que precisamos aspirar a uma economia descarbonizada porque os materiais, as matérias-primas, são tão ou mais importantes do que reduzir os combustíveis fósseis. No entanto, não podemos ignorar essa economia em espiral. Devemos caminhar para uma “economia inspiral”, porque temos que repensar a economia desde o início, sobretudo em reparar, redesenhar, reutilizar, regular, reformar, reciclar, repensar, reduzir, rever, caminhar para um reconhecimento e tornar os recursos não renováveis em renováveis. Para isso, temos que apostar primeiro na procura, apostar menos na desmaterialização, menos é mais.

Se estivermos caminhando para a minimalização, isso também impedirá a recuperação de matérias-primas, de matérias-primas escassas. Então, temos que desmaterializar, mas sempre pensando no fim da vida, na substituição de materiais críticos por abundantes. A consciência da reutilização e a reciclagem tornam os produtos robustos, modulares e de fácil desmontagem. Aprendamos com a natureza, que não produz resíduos e vive e se regenera exclusivamente pela ação do sol. Em suma, na demanda, o que deve ser feito é reduzir drasticamente a demanda, reduzi-la e avançar para novos modelos de consumo.

Isso tudo é algo que ainda não internalizamos, mas, se fizermos as contas, veremos que não podemos continuar extraindo indefinidamente. Quanto à oferta, obviamente, é necessária uma infraestrutura metalúrgica para a recuperação de materiais secundários, porque hoje estamos tentando recuperar materiais de produtos com tecnologias que não estão de acordo com os materiais que queremos reciclar. Porque cada produto tem características químicas que são extremamente complexas e que dificultam a extração de recursos os desmontando.

Precisamos pensar nos produtos que temos dentro de nossas fronteiras. Importamos principalmente da China, seja na Europa, seja na América Latina, porque não tentar recuperar o que já há por aqui? Para isso, precisamos de uma infraestrutura metalúrgica eficiente nesse sentido.

Também é verdade que, se a procura continuar a aumentar, nunca poderemos prescindir da exploração mineira e é por isso que a União Europeia está promovendo a exploração mineira no seu próprio território para evitar a dependência de outros países. Aqui aparece o efeito Nimby, que na América Latina vocês não têm, temos mais na Europa, onde dizemos “que não sejam extraídos em outros países poluidores, pois vou me dedicar a produzir de forma limpa”. Então, aqui aparecem as contradições. Queremos novos aparatos tecnológicos, mas não queremos novas minas. E por isso temos que ter muito cuidado, porque sabemos de todos esses problemas de extrativismo que estão acontecendo, especialmente na América Latina e em países africanos, onde há abusos diretos e não só ao meio ambiente, mas também às comunidades indígenas, e assim por diante.

E, claro, o que temos que fazer é valorizar. Valorizar adequadamente o capital mineral e isso não pode ser feito em termos de dinheiro, como vimos.

Da dependência fóssil à dependência de matéria-prima

Evitar a dependência de combustíveis fósseis implicará aceitar a dependência de matérias-primas e sem materiais não há energia, mas sem energia não há materiais e soluções. Embora eu tenha apresentado uma visão muito física e poderia ser rotulado de reducionista, a verdade é que as soluções são multidimensionais e muito complexas, já que entram em jogo os problemas sociais da mineração, que são muitos e muito preocupantes.

Reprodução da apresentação da conferencista.

Como visto acima, ao longo da existência do ser humano vemos como começamos essa dependência de minerais na Idade da Pedra, continuamos com a Idade do Bronze e vemos como a intensidade do uso de materiais raros aumentou. Esse processo continuou com a Idade do Ferro, a Idade do Carvão, a Era do Petróleo, a Era Nuclear. Podemos dizer que estamos na era da tabela periódica. Se continuarmos assim, poderemos voltar à Idade da Pedra ou à Idade de Thanatia.

Enfim, temos muitos desafios pela frente. Claro que é um desafio muito importante. Ele não é o único. Juntos temos que lidar com isso e ter a consciência de quais são os limites do planeta.

Assista a íntegra da conferência:

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