31 Mai 2022
Michael E. Mann vem trabalhando desde suas primeiras publicações sobre as mudanças climáticas e colaborou com o IPCC, o Grupo intergovernamental sobre mudanças climáticas. É uma das figuras mais importantes no debate sobre o tema, empenhado em combater a desinformação disseminada pela indústria dos combustíveis fósseis.
Conversamos com ele por ocasião do CICAP Fest, o Festival da ciência e da curiosidade, que será realizado em Pádua de 3 a 5 de junho. Uma entrevista que aborda desde as últimas evidências científicas sobre o estudo do clima, até as sorrateiras ações implementadas pelos "inativistas" para retardar a ação contra a crise climática e o nascimento da atual crise energética, causada pela invasão russa da Ucrânia.
A entrevista com Michael E. Mann é de Rudi Bressa, publicada por Domani, 30-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nos últimos meses, por causa da guerra na Ucrânia, a Europa sofre os efeitos de uma grave crise energética, devido à ligação com os combustíveis fósseis vindos da Rússia. Você acredita que esta crise possa nos empurrar para uma transição energética ou prejudicará os esforços e objetivos alcançados?
Espero que seja o primeiro e não o segundo cenário. Mas como chegamos a este ponto? Como construímos estados autoritários como a Rússia? A culpa é da nossa dependência histórica dos combustíveis fósseis. A Rússia e a Arábia Saudita construíram sua enorme riqueza sobre a nossa dependência de seu petróleo e gás. E a Rússia não teria esse arsenal militar se não a tivéssemos sustentada por anos, comprando gás e petróleo dela. O fato é que, se não nos baseássemos nos combustíveis fósseis, não estaríamos em uma posição em que a Rússia pode usar essa dependência contra nós.
É uma lição sobre os perigos de nossa dependência de combustíveis fósseis. Você está certo quando alude ao fato de que há uma carência de energia de combustível fóssil, e isso está acontecendo porque companhias petrolíferas estão impulsionando o aumento da demanda não aumentando a oferta. E eles estão fazendo isso deliberadamente para aumentar os preços a fim de obter lucros maiores. Em parte, essa crise está sendo dirigida pelas companhias de combustíveis fósseis que estão tentando conseguir lucros enormes, um motivo a mais para nos afastarmos dessas fontes de energia. Certamente existem medidas de curto prazo, como explorar outros recursos, mas isso significa novas extrações, novos oleodutos, enfim, é exatamente a direção oposta a que deveríamos ir.
Hoje, a ciência sobre as mudanças climáticas fez grandes avanços. Temos uma melhor compreensão dos efeitos e ligações com os eventos extremos. Mas ainda pode melhorar? Teremos modelos cada vez mais confiáveis?
A comunidade científica melhorou a forma como atribui eventos específicos às mudanças climáticas. Embora isso não fosse possível há 15 anos, hoje nos permite atribuir eventos climáticos extremos específicos às mudanças climáticas. Agora podemos usar os modelos para concluir que esses tipos de eventos teriam sido extremamente improváveis na ausência do aquecimento do planeta causado pelo homem. Mas há também outro aspecto importante: os cientistas trabalharam por muito tempo para determinar como nossas emissões se traduzem no aquecimento do planeta. E um dos principais desenvolvimentos da última década foi entender que, se parássemos de emitir CO2 na atmosfera, as temperaturas superficiais do planeta se estabilizariam muito rapidamente.
Além disso, agora sabemos que também os oceanos continuariam a armazenar CO2. O efeito é que quando se para de emitir dióxido de carbono, as temperaturas superficiais param de aumentar quase imediatamente. E isso é realmente importante porque nos mostra como nossas ações têm um impacto direto.
Como você explica em seu último livro, La nuova guerra del clima, ao longo dos anos passamos de campanhas negacionistas para campanhas de distração de massa. São aqueles que você chama de inativistas. Como funciona essa técnica e como podemos nos defender?
A palavra inativista refere-se a alguém que está trabalhando para prevenir a mudança, para prevenir a ação. E estamos falando de empresas poluidoras, de mídias conservadoras e políticos que serviram como atendentes para a indústria dos combustíveis fósseis, promovendo sua agenda. Hoje, é muito difícil para os inativistas negarem que a mudança climática está acontecendo. Isso não significa que tenham desistido da luta, apenas mudaram suas táticas. É a que eu chamo de nova guerra do clima, que inclui várias técnicas para retardar as ações, com promessas tecnológicas como a captura e o sequestro de carbono ou a geoengenharia. Uma desculpa para continuar com o business as usual.
La nuova guerra del clima. Le battaglie per riprenderci il pianeta
Também inclui ações direcionadas para dividir os ativistas: se conseguirem nos dividir, a comunidade não poderá mais falar como uma voz unida. Por fim, deslocaram a atenção para o comportamento individual, como se fosse apenas uma questão de mudar de dieta ou reciclar o plástico. É claro que devemos fazer todo o possível para reduzir nossa pegada, mas também devemos nos conscientizar que nossas ações, sozinhas, não podem alcançar as reduções de que precisamos. Se conseguem nos convencer de que é tarde demais para fazer alguma coisa, nos levam à negação e, portanto, à inação. Eles querem pessoas desengajadas e que fiquem à margem, em vez de estarem na linha de frente. Por isso, quando encontramos amigos, familiares, colegas que estão convencidos de que é tarde demais, devemos explicar-lhes que não é isso e que eles são, de certa forma, vítimas de uma campanha de distração de massa.
Ao longo dos anos, você sofreu inúmeras campanhas difamatórias justamente por parte desses grupos. Campanhas difamatórias destinadas a desacreditar o seu trabalho. O que você sentiu nesses momentos?
Houve alguns momentos difíceis, sem dúvida, quando fui atacado e políticos conservadores me submeteram a uma caça às bruxas. Alguns deles queriam que eu fosse demitido da minha universidade. Ou quando fui retratado como um dos bandidos em mídias como a Fox News, como alguém que estava fabricando provas científicas das mudanças climáticas para ficar rico. Também houve ameaças de morte contra mim e até contra minha família.
Mas sempre tentei olhar em frente, graças também à ajuda de colegas que já haviam passado por momentos similares e que me deram conselhos. Entendi que não se tratava de algo pessoal, mas que minha ciência era uma ameaça. Há momentos em que agradeço brincando aos meus detratores por me fornecerem um palco que estou usando para tentar comunicar a crise climática ao público.
No terceiro relatório do IPCC sobre a mitigação, muita ênfase é dada ao comportamento individual. Mas isso não poderia nos levar a uma maior polarização?
Este é realmente um ponto muito importante. O estilo de vida tem sido usado como um bate-estaca pelos inativistas. E eles são muito ativos nas redes sociais, usando bots e trolls. Estou falando de países como a Rússia que estão engajados nessa guerra cibernética e tentaram interferir na aprovação de leis sobre o clima de outros países, já que o maior recurso da Rússia são os combustíveis fósseis. E Putin combateu duramente para impedir as ações climáticas. Uma das coisas que fizeram foi criar divisões dentro da comunidade de defensores do clima online.
E uma das maneiras de fazer isso é nos colocar uns contra outros por nossas escolhas, porque o que há de mais pessoal do que o próprio estilo de vida? Ser atacados porque não somos veganos ou porque ocasionalmente pegamos um avião para visitar a vovó durante as férias é muito polarizador. Temos que ter muito cuidado. Claro que devemos fazer tudo o que pudermos para reduzir nossa pegada, inclusive porque as coisas que muitas vezes nos fazem poupar dinheiro, nos tornam mais saudáveis e fazem com que nos sintamos melhor. O que realmente precisamos são de incentivos dos governos, para que não apenas aqueles que se preocupam com o clima façam escolhas conscientes, mas que todos as façam porque são mais convenientes. Em suma, é fundamental não estar uns contra os outros.
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“Esta crise é uma lição sobre os perigos da dependência dos combustíveis fósseis”. Entrevista com Michael E. Mann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU