18 Novembro 2022
Antonio Turiel é cientista e divulgador, licenciado em Física e Matemática e doutor em Física Teórica pela Universidade Autônoma de Madri. Trabalha como pesquisador no Instituto de Ciências do Mar, do Conselho Superior de Investigações Científicas - CSIC, em Barcelona.
Há mais de uma década, o especialista em recursos energéticos e oceanografia alerta acerca da grande crise de energia que se aproxima. “Podemos nos deparar com uma situação bastante complicada, que pode nos levar a um colapso”, já afirmou. Há alguns meses, publicou El otoño de la civilización (Escritos Contextatarios, 2022), com prefácio de Yayo Herrero e epílogo de Jorge Riechmann.
A entrevista é publicada por La Voz de Medina, 13-11-2022. A tradução é do Cepat.
Desde o início da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, as notícias sobre o conflito bélico e a crise energética fazem parte de uma mesma mensagem. Desta forma, os meios de comunicação estabelecem uma clara conexão entre a guerra, a crise energética e as crises subsequentes. Este panorama parece ser apenas o início do que vem pela frente. Estamos diante de um cenário apocalíptico, cujo centro de gravidade é a crise energética?
Não é um cenário apocalíptico, a não ser que algum louco decida apertar o botão nuclear. Caminhamos para um cenário que já era previsto há décadas: o descenso energético. A quantidade de energia e materiais que teremos disponíveis diminuirá inevitavelmente ao longo do tempo por razões de esgotamento geológico.
Não é que acabará de repente, mas chegará a um limite (que já ultrapassamos no caso do petróleo e do urânio, e provavelmente no caso do carvão – para o gás natural ainda restam alguns anos). A partir daí, a extração e a produção dessas matérias-primas energéticas vão diminuir com o tempo, de forma mais gradual se administrarmos bem a situação, ou mais rapidamente se agirmos mal.
Isso já começava a acontecer antes da guerra na Ucrânia, e agora o conflito acelerou o problema. Por isso, com o fim da guerra, o problema persistirá. Poderá ocorrer uma pequena melhora imediata, mas, em seguida, as coisas seguirão seu curso descendente.
Não é o apocalipse, é uma nova situação à qual podemos nos adaptar, e para isto devemos mudar padrões de consumo e, na verdade, o modelo socioeconômico. Não é o fim do mundo. É o fim de um mundo, depredador e destrutivo, que no fundo é melhor que deixe de existir.
O problema dos recursos energéticos não é algo que surgiu com a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022. A dependência do gás russo vem de longe. A partir de quando, exatamente, você considera que esse problema vem sendo gestado?
No caso específico da enorme dependência do gás russo, o problema começou com a forte substituição do carvão pelo gás nos processos industriais de produção de calor e na geração de energia ocorrida entre o final do século passado e o início deste. Teoricamente, essas mudanças foram motivadas pelo combate às mudanças climáticas, já que o gás é menos intensivo em emissões de CO2 por unidade de energia produzida.
No entanto, na verdade, também havia uma motivação econômica: o gás era muito mais barato, porque é obtido como um subproduto na extração de outros combustíveis fósseis. Ao melhorar a tecnologia de seu aproveitamento e aplicação, seu uso foi rapidamente ampliado.
O modelo de transição ecológica que atualmente é “vendido” como solução para a crise energética passa por uma redução drástica do consumo como o conhecemos hoje. Considera que esta é a solução?
Eu chamo o modelo de transição energética (mais do que ecológico) que está sendo anunciado como o único que existe e é possível de modelo renovável elétrico-industrial (REI): grandes instalações de captação de fluxos renováveis para a produção de energia. O modelo REI tem muitas limitações que raramente são debatidas e que impossibilitam completamente sua implementação na escala em que se pretende. Claro, é inviável pensar que substituirá todo o consumo fóssil nos níveis atuais. Os problemas do modelo REI são quatro:
1. O potencial máximo de produção de energia renovável é finito. Foram realizadas estimativas absurdas sobre a quantidade de energia renovável que pode ser capturada do meio ambiente. Atualmente, as estimativas são muito mais moderadas e vão de quatro vezes o consumo atual a somente 40% do consumo atual. Tanto se partimos para os valores máximos como, mais ainda, se partimos para os mínimos, fica claro que é uma quantidade finita e que seria alcançada neste século, caso seja mantido o ritmo histórico de aumento do consumo. Portanto, nosso sistema econômico, que precisa de crescimento para funcionar, teria que parar em algum momento. Esta é a menor das limitações do modelo REI.
2. O modelo REI depende de materiais escassos. Não há no planeta lítio, cobalto, níquel, manganês, prata, neodímio e cobre suficientes para permitir a implantação em massa que se pretende. Pior ainda: muito antes de esgotar esses recursos, a extração das minas alcançaria o teto e começaria a diminuir, razão pela qual alongaria o processo de esgotamento, mas, ao mesmo tempo, dificultaria a transição, ao alongá-la no tempo.
3. O modelo REI depende dos combustíveis fósseis. Atualmente, ninguém completou o ciclo de vida de qualquer sistema renovável usando apenas energia renovável. Em todos os processos, da extração dos materiais, seu transporte, elaboração e fabricação de peças ao seu transporte, instalação, manutenção e, eventualmente, desmontagem, são utilizados combustíveis fósseis. Nem mesmo sabemos se esses sistemas seriam viáveis, caso utilizassem apenas energia renovável em seu ciclo de vida.
4. Temos problemas para aproveitar mais a eletricidade. A eletricidade é um vetor energético muito útil, mas representa apenas 20% do consumo final de energia no mundo, e menos de 25% no caso dos países mais avançados. Existe uma real dificuldade em aumentar o uso da eletricidade para além dos níveis atuais e não esqueçamos que na Espanha e na União Europeia o consumo de eletricidade diminui desde 2008. As duas tecnologias utilizadas para aumentar o consumo de eletricidade – o carro elétrico e o hidrogênio verde – não podem ser massificadas devido às suas necessidades de materiais escassos, dependência de energia fóssil e ineficiência, conforme demonstram repetidos relatórios da Agência Internacional de Energia, Agência Europeia do Ambiente e o IPCC. No entanto, a iniciativa política está ofuscada por essas duas tecnologias, razão pela qual condena a ação pública à inutilidade.
Parece que outra solução possível é o recém-aprovado corredor verde (BarMar), que ligará Barcelona e Marselha e transportará hidrogênio verde, gases renováveis e uma proporção limitada de gás natural como fonte temporária e transitória de energia. No entanto, não está livre de críticas. Qual é a sua opinião acerca desta iniciativa?
É um anúncio de caráter político sem o menor fundamento técnico. Muito provavelmente nunca será feito. A estratégia europeia para o hidrogênio reconhece que a Europa não pode se autoabastecer com o hidrogênio que pode produzir a partir de energia renovável em seu próprio território, e na Espanha tampouco.
Que hidrogênio verde poderíamos exportar, se nem mesmo cobriríamos nossas próprias necessidades? É um projeto baseado na desinformação e confusão de nossas elites políticas, sem falar da complexidade técnica de uma instalação pelo mar e seu alto custo.
Além da diminuição do consumo, você observa nas energias renováveis parte da solução para a dependência europeia do gás russo?
Como eu disse, as energias renováveis do modelo REI têm muitas limitações. Além disso, neste momento, é difícil integrar mais energias renováveis na Europa. Durante as primeiras décadas do século XXI, foram instalados muitos sistemas renováveis e, agora, para poder integrar mais, precisamos dotá-los de sistemas de estabilização, sob pena de que surjam instabilidades que possam derrubar a rede europeia de alta tensão.
Nesse momento, a intermitência das renováveis está sendo suprida com o uso de mais gás nas usinas a gás de ciclo combinado, razão pela qual o nosso consumo de gás para produzir eletricidade não diminui, ao contrário, aumenta. Reduzir o consumo não é tão simples quanto instalar mais usinas de energia renovável.
Seria muito mais eficaz fomentar um consumo de proximidade, embora isso também exigiria instalar muita sobrecapacidade, com pouca eficiência no aproveitamento de recursos. Não existe uma solução simples, nem um modelo de transição rápido e acessível. Novamente, a única solução passa pelo decrescimento de nosso consumo de energia.
As energias renováveis possuem um lado sombrio?
No momento, seu lado sombrio é o seu impacto ambiental, que é maior do que se costuma reconhecer, sobretudo devido à extração de materiais que não são tão abundantes e que, conforme vão se esgotando, forçam o consumo de mais energia fóssil e a produção de mais resíduos poluentes para cada quilo de material extraído e processado. Este problema não é exclusivo das energias renováveis, mas de qualquer atividade humana. Por isso, é preciso avaliar muito bem os impactos e decidir o que vale a pena fazer e o que não.
Evidentemente, outro problema está na questão da equidade. Atualmente, estão sendo concedidos auxílios econômicos para a instalação de painéis solares que beneficiam sobretudo pessoas que vivem em uma habitação unifamiliar, na qual dispõem de uma área ampla e bem orientada para a captação de energia solar, ou seja, que vivem em uma habitação que tipicamente corresponde a uma família com rendas mais altas. No momento de projetar esses auxílios, é preciso pensar em como ajudar as pessoas que vivem em blocos de apartamentos mal orientados ou que recebem sombra de outros blocos, que costumam pertencer justamente a famílias com menos recursos.
O uso de energias renováveis está ligado a outro aspecto: a reciclagem relacionada à produção desse tipo de energia, de seus componentes. A gestão desses resíduos está sendo esquecida?
Não está sendo esquecida. De fato, é uma questão cada vez mais presente. O problema com a reciclagem é que exige muita energia. Desta forma, com os métodos de fabricação utilizados até agora e pela falta de políticas públicas que fomentassem a reciclagem no final da vida útil dos sistemas renováveis, incentivava-se a descartar as partes dos aerogeradores e dos painéis fotovoltaicos de forma descontrolada, criando resíduos algumas vezes perigosos.
Atualmente, confere-se cada vez mais importância a este aspecto e, nesse sentido, trabalha-se para criar peças de aerogerador mais facilmente reutilizáveis e recicláveis. No entanto, ainda há muito trabalho a ser feito em relação aos painéis fotovoltaicos e os resíduos tóxicos que são gerados.
Existe algum país no cenário internacional que possa servir como exemplo para a Espanha e a União Europeia implementarem uma transição ecológica efetiva?
Eu penso que, ao contrário, estão sendo apresentados como exemplos países cujos modelos não são extensíveis. Por exemplo, a Islândia (país com grande potencial geotérmico graças ao vulcanismo e a baixa população), a Dinamarca (além de sua baixa população, está muito interconectada com a Alemanha, portanto, não pode ser considerada isoladamente) e a Noruega (país pouco povoado, muito montanhoso, com muita precipitação em forma de neve, o que lhe confere um grande potencial hidroelétrico).
Além disso, todos esses países seguem dependendo fortemente do petróleo para o transporte (automóveis, caminhões, navios, aviões) e a maquinaria em geral, e também no restante de combustíveis fósseis. A verdade é que não existe país que seja uma boa referência, ao contrário, ela precisa ser construída.
Considera que este ponto crítico em que estamos poderia, de alguma forma, ser visto como uma oportunidade para forçar uma mudança de modelo energético e superar esta crise?
Obviamente, esta crise pode e deve ser uma oportunidade para forçar uma mudança de modelo energético, mas isso não quer dizer que essa mudança esteja baseada em desenvolvimentos meramente tecnológicos, que buscam substituir os combustíveis fósseis por renováveis modelo REI. A mudança tem que ser muito mais profunda, com um forte componente socioeconômico que inclua uma diminuição do consumo espúrio e o abandono do crescentismo como base da economia.
O que seria necessário acontecer para podermos ser otimistas?
Simplesmente, a implementação de um modelo socioeconômico completamente diferente, que não esteja baseado no absurdo de almejar o crescimento ilimitado, em um planeta finito. Do ponto de vista científico-tecnológico, sabe-se o que deve ser feito para satisfazer as necessidades e manter um nível de vida muito semelhante ao que temos hoje na Espanha, com um consumo de energia que seria um décimo do nosso consumo atual.
A maior parte da energia é desperdiçada simplesmente porque há incentivos econômicos para o seu esbanjamento, mas isso é algo que podemos mudar. As transformações não são de inovações tecnológicas, mas sociais. Nesse sentido, são notícias boas, porque o limitador não é o material, ao contrário do que os crescentistas querem fazer acreditar.
Qual deveria ser o papel das universidades e centros de pesquisa, neste assunto?
A primeira coisa seria incorporar em seus planos de estudos uma revisão crítica do crescimento e da verdadeira sustentabilidade, em todas as carreiras, mas especialmente naquelas relacionadas às ciências econômicas. Não pode ser que mais de cinquenta anos após a fundação da economia ecológica por Nicholas Georgescu-Roegen, ainda se ensine os modelos de economias lineares e abertas como o paradigma fundamental.
É preciso se inclinar o máximo possível a modelos fechados e circulares, nos quais a economia faz parte do ecossistema, e não o contrário. Desse modo, os novos graduados poderão ajudar a definir políticas econômicas verdadeiramente sustentáveis e orientadas à satisfação das necessidades humanas, em vez de uma acumulação incessante e insensata do capital acima da preservação do capital natural.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“A única solução para a crise energética passa pelo decrescimento de nosso consumo de energia”. Entrevista com Antonio Turiel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU