20 Fevereiro 2025
"As principais vítimas são e serão os ucranianos, que, após três anos de resistência à invasão russa, parecem estar à beira da exaustão. E eles se descobrem abandonados pelos estadunidenses. Uma reviravolta que certamente não poderá ser compensada pelos europeus", escreve Lucio Caracciolo, jornalista e analista geopolítico italiano, diretor da revista Limes, em artigo publicado por La Repubblica, 18-02-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
O encontro entre sete países da UE mais o Reino Unido, já está na mira do “fraterno” aliado em estrelas e listras para enfrentar a emergência de segurança na Europa, sanciona a superação de esquemas consolidados há três quartos de século.
O formato UE expira junto com aquele OTAN. Isso confirma que a construção europeísta era filha da escolha atlântica estadunidense, de modo que não funciona mais quando o Atlântico se alarga a ponto de impor aos sócios europeus a necessidade de buscar alternativas ao chamado “guarda-chuva nuclear” EUA. A tentativa de formar um núcleo de Estados europeus determinados a refundar juntos os fundamentos de nossa segurança continental é o reconhecimento de uma dramática realidade que foi mascarada por tempo demais pela retórica atlantista e europeísta. Mas por onde se deve recomeçar? Se quisermos traçar um caminho comum entre os “principais países europeus” (definição de Macron), sem fingir que o formato parisiense seja exclusivo - pode ser ampliado, mas também reduzido - é preciso se conscientizar de três realidades inconvenientes.
Primeira, e mais importante. Está em curso uma mudança de regime nos Estados Unidos que está abalando sua identidade, fundamentos e instituições. As elites estadunidenses estão divididas em tudo, menos na prioridade de impedir a ultrapassagem chinesa.
Mais precisamente, não é aceitável que Pequim ultrapasse Washington nas novas tecnologias, a começar pela inteligência artificial e pelo espaço. Todo o resto é uma função desse imperativo. A começar pela tentativa de desarticular a estranha dupla Rússia-China, dois inimigos históricos paradoxalmente unidos pelos Estados Unidos na crise ucraniana.
Nessa inversão de campo, os europeus são marginais e divididos entre aqueles que gostariam de retomar o diálogo e o comércio com a Federação Russa (os antigos europeus ocidentais) e aqueles que desejam que ela desapareça da face da Terra (escandinavos, poloneses e outros bálticos). Quanto a Putin, seu interesse é normalizar as relações com os EUA para não encerrar sua carreira de autocrata como parceiro júnior de Xi Jinping.
Segunda, e relacionada. Os estadunidenses e os russos estão interessados em tirar Israel da armadilha estratégica em que caiu e em construir um equilíbrio no Oriente Médio no qual também estarão envolvidos turcos e sauditas hoje, e iranianos talvez amanhã. O fato de as primeiras negociações entre EUA e Rússia sobre a Ucrânia estarem ocorrendo em Riad simboliza o paralelismo entre os conflitos ucraniano e do Oriente Médio. Ou seja, a necessidade de alargar o campo de negociação por meio de um mecanismo de concessões e entendimentos equilibrados.
Terceira, e estrutural. Os antigos protetores estadunidenses pedem sacrifícios aos não mais protegidos europeus que nós não temos condições de arcar. Não se trata apenas de despesas com a defesa. É a incompatibilidade entre as nossas emergências de segurança e a mentalidade de populações que, há três gerações, introjetaram a certeza de que a guerra na Europa havia sido abolida para sempre. Sem falar em nossa idade mediana, que em breve chegará ao meio século, que exclui a disponibilidade das maiores coletividades continentais de se envolver em qualquer campanha bélica.
As principais vítimas são e serão os ucranianos, que, após três anos de resistência à invasão russa, parecem estar à beira da exaustão. E eles se descobrem abandonados pelos estadunidenses. Uma reviravolta que certamente não poderá ser compensada pelos europeus.
O cenário que já foi visto, previsto e incrivelmente removido está se repetindo pela enésima vez, com os estadunidenses indiferentes ao destino de Kiev porque estão envolvidos em jogos mais importantes e os europeus que não podem ou não querem que as palavras sejam seguidas pelos fatos. Entre imprecisões e hipocrisias. Era uma vez o Ocidente.