20 Fevereiro 2025
Um lugar, um modo de proceder e uma bandeira. Esses poderiam ser os símbolos que marcariam a COP30. Um lugar, a proteção da Foz do Rio Amazonas, rio-vida da Amazônia. Chão sagrado onde pisam suavemente os povos da terra. Um modo de proceder, a resistência popular, protagonizada pelas organizações de base. Muito mais legítima do que as reuniões entre os diplomatas, nos hotéis de luxo mundo afora. Uma bandeira, o reconhecimento dos direitos da Natureza. A Mãe Terra e todos os seres não humanos, rios, florestas, montanhas etc. devem ser protegidos na sua dignidade, como membros da comunidade planetária.
O artigo é de Gabriel dos Anjos Vilardi, jesuíta, bacharel em Direito pela PUC-SP e bacharel em Filosofia pela FAJE. É mestrando no PPG em Direito da Unisinos e integra a equipe do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Dizem que o país só começa a realmente funcionar depois do Carnaval, mas os prenúncios não parecem bons relativamente a algumas sinalizações dada pelo governo federal. Os maiores prejudicados: os Direitos Humanos e o Direito da Natureza. Em posicionamentos erráticos e infelizes, para não dizer irresponsáveis, fica uma impressão desagradável de que o presidente Lula está autorizando que se passe a boiada. Isto mais especificamente no que se refere à exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas e no tocante ao enfraquecimento dos direitos dos Povos Indígenas.
Nas últimas semanas os movimentos sociais, os ambientalistas e a sociedade civil comprometida com o meio ambiente – que em sua quase totalidade não só votou, como também trabalhou com entusiasmo pela eleição do atual governo – assistiram estarrecidos um Lula com uma assustadora cara de Bolsonaro, fazendo tudo o que não esperavam. Seria a volta do retrocesso do antipolítica ambiental?
Os eventos climáticos extremos que o país enfrentou nos últimos tempos não foram suficientes para despertar a consciência dos governantes do país? As queimadas no Pantanal, as enchentes no Rio Grande do Sul, a seca extrema na Amazônia, as temperaturas altíssimas das semanas anteriores... Nada disto fez diminuir a ganância destruidora das classes política e empresarial? Como confirma Saito, o capitalismo fracassou, só falta avisar as elites:
“Contudo, o Antropoceno, era que a atividade humana cobriu o planeta, pode ser considerado uma era em que as fontes externas para usurpar e transferir os danos ambientais se esgotaram. O capitalismo tem roubado tudo aquilo em que consegue botar as mãos, incluindo petróleo, nutrientes do solo e metais raros. Esse ‘extrativismo’ causa uma carga enorme sobre o planeta. Entretanto, assim como as fronteiras do ‘trabalho barato’ desapareceram, as fronteiras externas da ‘natureza barata’ das quais o capitalismo pode extrair e para as quais consegue transferir danos estão desaparecendo. Não importa o quanto pareça que o capitalismo está funcionando bem; em última análise, o planeta é finito”.[1]
O presidente da República, com um discurso duro e perigoso, cobrou celeridade do IBAMA e o fim da “lenga-lenga” para autorizar a Petrobrás a extrair petróleo no Amapá do seu poderoso aliado e recém-eleito presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Segundo o mandatário, a repartição ambiental é um órgão de governo, dando a entender que a autarquia deveria se dobrar, e rápido, a sua vontade política. Não satisfeito, em outra ocasião quis constranger a ministra do Meio Ambiente, ao dizer ter “certeza que a Marina jamais será contra, porque a Marina é uma pessoa muito inteligente”. Então burros são os ambientalistas, é isso? Sinceramente, uma lógica perigosa.
Ora presidente, escorregou no tato e na sabedoria política – o que sempre foram seus trunfos pessoais – ou está faltando uma boa assessoria para lhe auxiliar a compreender a complexidade da situação, com todas as suas nuanças? Primeiro, o IBAMA é um órgão de Estado, submetido a uma legislação que trata das exigências técnicas no processo de licenciamento ambiental, segundo a Lei nº 6.938/1981. Existem parâmetros, critérios, requisitos a serem preenchidos. Os funcionários da autarquia não conduzem os procedimentos segundo seu bel-prazer.
Talvez o presidente precise ser lembrado que ainda não se concede licença ambiental no grito, nem para satisfazer os caprichos do governante de plantão! Graças ao corpo de servidores públicos estritamente capacitados para isso, o país conseguiu sobreviver aos descalabros e desmandos do governo anterior. O senhor, presidente Lula, mais do que ninguém – porque provou do arbítrio da gestão passada –, deveria ser reconhecido a tais valiosos técnicos e não os pressionar autoritariamente, como o fez.
Afinal, no governo do Partido dos Trabalhadores (PT), nascido das bases sindicais e com amplo apoio do funcionalismo público, quem tem mais espaço para ser ouvido, os servidores ou os empresários? Com Rubens Casara se pode dizer que a subjetividade neoliberal controla inclusive os quadros mais influentes do maior partido de massas da América Latina? Nesse sentido assevera o pensador:
“Curiosamente, o traço distintivo da massa neoliberal é a circunstância de as pessoas terem sido arrebanhadas pelo egoísmo. As imagens neoliberais, que fazem uma espécie de mixagem entre alguns dados retirados da realidade social (em especial, os preconceitos sedimentados na sociedade e as condutas exibicionistas, paranoicas ou perversas), levam ao egoísmo que, paradoxalmente, irá ‘unir’ as pessoas. Há uma identificação na massa pela vontade de lucrar e de ver prevalecer o seu desejo pessoal, mesmo que, para isso, o desejo do ‘outro’, que também pode estar na mesma massa, deva ser aniquilado. Como a formação da massa neoliberal não está sujeita a qualquer reflexão em razão do empobrecimento subjetivo neoliberal, as contradições entre os interesses dos membros da massa não são percebidas”.[2]
Depois, o senhor deveria ter mais gratidão àquela que durante a sua campanha eleitoral (2022) avalizou seu programa de governo relativamente à área ambiental e garantiu que dessa vez o senhor tinha compreendido o valor da Amazônia. Certamente sua ministra do Meio Ambiente, herdeira política de Chico Mendes, é contada entre os maiores ambientalistas do planeta e seu prestígio internacional não pode ser descartado, com a arrogância e a estupidez de quem despreza as questões ecológicas.
Talvez o presidente precise ser lembrado que ainda não se concede licença ambiental no grito, nem para satisfazer os caprichos do governante de plantão! – Gabriel Vilardi
Nos dois primeiros anos do governo – premido por um austericídio insano, autocraticamente exigido pelo deus-mercado – já se via um ministério esvaziado de orçamento e sem a força política necessária para implementar propostas ousadas nessa seara. Mas, a pergunta da vez é: o presidente irá apostar na humilhação pública de Marina Silva, no ano em que receberá a COP 30, em Belém (PA)? Com que autoridade pretenderá exercer uma liderança no âmbito da Conferência do Clima? Quem têm sido os seus conselheiros sobre estas questões, presidente?
Se essa for a senda pela qual o governo Lula se encaminhar, a frustração nacional e internacional será gigantesca. Isso em um momento em que o mundo encara aterrorizado as ações tirânicas do presidente dos Estados Unidos. Por que não liderar pelo exemplo, presidente Lula? Mostre à comunidade das nações livres que é possível trabalhar conjuntamente para enfrentar a crise climática, com ações enérgicas e duradouras. Retome a melhor tradição da política externa do Itamaraty e invista intensamente em um multilateralismo assentado na dignidade da pessoa humana e da Natureza:
“O efetivo enfrentamento dos problemas ambientais e climáticos exige a atuação articulada e cooperativa de inúmeros atores públicos e privados, nos mais diferentes planos e instâncias (local, regional, nacional, comunitária e internacional). (...) O princípio da cooperação está presente de forma expressa na CF/1988, por intermédio da previsão que há no inciso IX do seu art. 4º sobre a ‘cooperação entre os povos para o progresso da humanidade’, considerando, inclusive, o conteúdo do inciso II do mesmo dispositivo no sentido de estabelecer a ‘prevalência dos direitos humanos’ nas relações do Estado brasileiro no plano internacional”.[3]
Mas a ministra acusou o golpe e reagiu, recordando que o país assumiu o compromisso de fazer a transição energética e descarbonizar a economia. Marina possui seus princípios inegociáveis que, em 2008, a levaram a deixar o governo Lula, quando percebeu que não tinha mais espaço. Provavelmente o fará mais uma vez caso constate que o presidente prefere um Ricardo Salles para chamar de seu. Convicta da importância da floresta em pé e de que o meio ambiente jamais pode ser acusado de atrapalhar o desenvolvimento econômico, a ex-líder seringueira não cederá à truculência dos coronéis do Amapá, ávidos pelos royalties do petróleo.
Para além das disputas internas de poder junto ao presidente, com a aparente vitória da ala desenvolvimentista-neoliberal de Alexandre Silveira e Davi Alcolumbre, o que está em jogo é o próprio Estado Democrático, Social e Ambiental de Direito, estabelecido pela Constituição Federal de 1988. Após anos de reiterados ataques às instituições, contribuirá o atual governo para aumentar o estresse do sistema? Agirá baseado no acosso e na ameaça aos servidores ambientais? Não foi eleito o atual governo para romper com esse modo deplorável de fazer política?
Na semana em que a Procuradoria-Geral da República ofereceu a tão esperada denúncia contra a quadrilha que quis acabar com a democracia no país, reafirmar o compromisso com o Estado Constitucional é imprescindível. O art. 225 da CF dispõe claramente que a todos está assegurado o “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, sendo o “dever do Estado defendê-lo e preservá-lo para as presentes e as futuras gerações”. Assim ensinam Sarlet, Wedy e Fenstersefer:
“O regime jurídico delineado pelo Estado de Direito contemporâneo, além de seguir comprometido com a justiça social (garantia de uma existência digna no que diz com acesso aos bens sociais básicos), assume, como realça José J. Gomes Canotilho, a condição de um Estado de Justiça Ambiental, o que, entre outros aspectos, implica a proibição de práticas discriminatórias que tenham a questão ambiental de fundo, como decisão, seleção, prática administrativa ou atividade material referente à tutela ecológica ou à transformação do território que onere injustamente indivíduos, grupos ou comunidade pertencentes a minorias populacionais em virtude de raça, situação econômica ou localização geográfica. (...) A justiça ambiental deve reforçar a relação entre direitos e deveres ambientais, objetivando uma redistribuição de bens sociais e ambientais capaz de assegurar o acesso aos recursos naturais de forma isonômica”.[4]
Com a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris e os fracassos das duas últimas COPs do Clima, realizadas em países (Emirados Árabes e Azerbaijão) que são grandes produtores de petróleo, a expectativa de que no Brasil seria diferente era enorme. Mas, nessa semana, o Ministério de Minas e Energia acaba de anunciar que o país será membro da OPEP+, o grupo estendido dos maiores produtores de hidrocarbonetos. Com o incontornável declínio dos combustíveis fósseis, qual o sentido dessa entrada tardia e insensata neste clube seleto e poderoso do lobby do petróleo?
As indagações parecem se acumular e com uma ministra do Meio Ambiente, infelizmente, cada vez mais interditada e boicotada, as perspectivas não soam animadoras. Por que o presidente Lula demonstra mais proximidade com figuras de duvidosa consciência ambiental, preferindo renegar os laços afetivos e políticos históricos com uma daquelas que foi uma das cofundadoras do PT?
Uma das interessantes propostas de Marina era a criação da Autoridade Climática, mas isso nunca caminhou internamente nos outros ministérios. No ano passado, com as trágicas queimadas amazônicas o assunto voltou à baila, mas os detratores “marinistas” devem ser poderosos demais. Nada aconteceu, mais uma vez. Seria a centralizadora Casa Civil de Rui Costa um dos algozes ecológicos do governo?
É inadiável que a preocupação com as questões ambientais deixe de ser marginal e que estas assumam a relevância que precisam ter. Continuar insistindo em uma exploração econômica predatória não passa de puro suicídio. Como reconhece o Papa Francisco em sua Carta Encíclica Laudato Si', que completa 10 anos em 2025, tudo está interconectado.
O bem-estar da humanidade não pode ser garantido em detrimento da destruição ecológica. Os seres não humanos e os ecossistemas não podem continuar sendo considerados meros “recursos naturais”. A Foz do Rio Amazonas, onde o governo decidiu extrair petróleo possui um ecossistema extremamente frágil e que será perigosamente posto em risco com uma atividade econômica que traz imenso impacto. Nesta esteira vem reconhecendo a Suprema Corte em reiteradas decisões:
“O princípio da solidariedade ambiental, encadeado com o da dignidade ambiental (que contém o direito à saúde e a preservação do equilíbrio físico, psíquico, mental dos seres do planeta, dentre outros valores a serem observados), não se distancia do componente que em seu título mesmo se contém”.[5]
A quem interessa uma ministra do Meio Ambiente escanteada das decisões centrais do governo, isolada pelos ministros mais poderosos da Esplanada e desprestigiada pelo próprio presidente com inglórias estocadas públicas? Provavelmente àqueles que ela representa um obstáculo a destruição ecológica, tais como a parte fascista do agronegócio, aos empresários ambiciosos que não cumprem o mínimo de garantias ambientais e aos políticos inescrupulosos que só pensam nos benefícios imediatos que irão receber, com as obras públicas faraônicas em seus redutos eleitorais. Para esses representantes do atraso, Marina Silva significa contenção, fiscalização, punição da barbárie.
Por isso, é preciso reconhecer imediatamente a Foz do Rio Amazonas como um sujeito de direitos, tal como o movimento pelo Direito da Natureza vem postulando, nacional e internacionalmente em tantos lugares. Baseado nas cosmologias indígenas, as Constituições do Equador e da Bolívia reconheceram a Pachamama ou Mãe Terra como detentora de direitos. Com suas sabedorias milenárias, os povos originários compreendem que o centro é a vida do próprio planeta, não a cobiça desmedida do ser humano.
De outro modo, o paradigma antropocêntrico ruiu e o quanto antes for superado mais chances a humanidade terá de se reconstruir. Assim, coloca-se como inadiável a tarefa de adotar um outro paradigma que seja ecocêntrico. Para tanto, os Povos Indígenas são fundamentais. No Brasil, são cerca de 305 povos distintos e nessa luta pela sobrevivência suas tradições não podem mais ser descartadas, vítimas de um racismo intolerável.
Ao invés de valorizar suas culturas, o país vem há séculos negando-lhes o direito mais basilar, o reconhecimento de seus territórios ancestrais. Vide a fajuta conciliação conduzida pelo ministro Gilmar Mendes do STF e a proposta de autorizar a mineração em Terras Indígenas. E o Papa Francisco vem insistindo para que se possa aprender com humildade das comunidades originárias:
“A Amazônia deveria ser também um local de diálogo social, especialmente entre os diferentes povos nativos, para encontrar formas de comunhão e luta conjunta. Os demais, somos chamados a participar como ‘convidados’, procurando com o máximo respeito encontrar vias de encontro que enriqueçam a Amazônia. Mas, se queremos dialogar, devemos começar pelos últimos. Estes não são apenas um interlocutor que é preciso convencer, nem mais um que está sentado a uma mesa de iguais. Mas são os principais interlocutores, dos quais primeiro devemos aprender, a quem temos de escutar por um dever de justiça e a quem devemos pedir autorização para poder apresentar as nossas propostas. A sua palavra, as suas esperanças, os seus receios deveriam ser a voz mais forte em qualquer mesa de diálogo sobre a Amazônia. E a grande questão é: Como imaginam eles o ‘bem viver’ para si e seus descendentes?”[6]
Os Povos do Bem Viver não estão preocupados com uma acumulação frenética e ilógica, fruto de um trabalho desumano e escravizador que toma as melhores partes da vida. Ainda que muitas comunidades indígenas sejam perversamente assediadas com promessas ilusórias por políticos mal-intencionados e empresários gananciosos, as lideranças tradicionais resistem. Principalmente as mulheres, os mais velhos e a juventude!
Por isso, é preciso reconhecer imediatamente a Foz do Rio Amazonas como um sujeito de direitos, tal como o movimento pelo Direito da Natureza vem postulando, nacional e internacionalmente em tantos lugares – Gabriel Vilardi
Na região diretamente afetada pelo projeto de extração de petróleo, no coração da Amazônia, existem mais de 8 mil indígenas. Outras centenas de comunidades tradicionais de ribeirinhos, quilombolas e pescadores artesanais compartilham a existência há séculos. Nenhum desses povos e comunidades foram escutados. E aqui não se trata de mera audiência pública, que no geral são esvaziadas e controladas, como simples encenações. O que está em discussão é o direito à consulta livre, prévia, informada e de boa-fé, estabelecido pela Convenção nº 169 da OIT, aqui flagrantemente violado. Até quando esses milhares de habitantes locais continuarão a ser ignorados de forma deliberada?
Para que um projeto de dimensão petrolífera como este possa acontecer, não bastam as licenças ambientais do IBAMA. Se não houver a concordância dos acima mencionados povos da floresta, das águas e dos maretórios (territórios marítimos) o poder público não está autorizado a ir adiante. O Supremo Tribunal já reconheceu a força normativa dos tratados internacionais de Direitos Humanos, como é o caso da Convenção nº 169 da OIT. Seu valor é supralegal, logo cabe às autoridades públicas simplesmente cumprir. Caso contrário, ao Ministério Público Federal caberá tomar as medidas judiciais pertinentes para embargar o ataque absurdo ao meio ambiente e às comunidades.
O Povo Yanomami há tempos luta contra a chaga do garimpo em seu território sagrado e nunca desistiu, mesmo quando o extermínio parecia próximo. O xamã Davi Kopenawa vem advertindo a sociedade da mercadoria sobre a necessidade de uma radical mudança de postura:
“Em sua terra, as águas já estão poluídas, aconteceu o rompimento da barragem em Brumadinho e muitos napëpë [não indígenas] morreram. Em Minas Gerais existiam muitas montanhas bonitas, mas alguns empresários napëpë estragaram a terra com o trator, estragaram në ropë [riqueza das florestas] da terra. Fizeram se transformar em doença, e por ter se transformado em doença, a floresta ficou cheia de doenças, os alimentos pararam de crescer bem e ficou assim, está ficando assim”.[7]
Há alguns anos, em uma empreitada desastrosa o governo do PT impôs a usina hidrelétrica de Belo Monstro, no Pará profundo. As consequências para as comunidades locais, dependentes do regime de águas do rio Xingu, foram considerável e tristemente terríveis. O erro se repetirá, com a anuência de dirigentes políticos que fizeram oposição à destruição da Amazônia, promovida pelo desgoverno Bolsonaro? Onde estão as vozes lúcidas do partido que nasceu do enfrentamento ao autoritarismo da ditadura civil-militar?
Cadê as manifestações contrárias das ministras dos Direitos Humanos (Macaé Evaristo), dos Povos Indígenas (Sônia Guajajara) e da Igualdade Racial (Anielle Franco)? Vão deixar Marina Silva ser desautorizada e atacada, sozinha? Onde estão os militantes e intelectuais da esquerda que realmente acreditam nos Direitos Humanos, serão omissos e coniventes? E, por favor, não venham dizer que este “não é o momento mais apropriado para tecer cobranças públicas, em razão da polarização que o país vive”. Um pouco de coerência com a trajetória política não faz mal. Afinal, calar é se assemelhar a uma das piores faces do bolsonarismo.
No Pará, recentemente o movimento indígena independente – liderado pelo Conselho Indígena do Tapajós e Arapiuns (CITA) –, com o apoio dos quilombolas e professores da rede pública estadual, fez o governo Barbalho retroceder no seu autoritarismo, mostrando que no Norte não há espaço para realeza fajuta. Portanto, é tempo das organizações e comunidades indígenas do Amapá se levantarem contra a maldição do “ouro negro”. E numa aliança com os quilombolas, os ribeirinhos e os pescadores artesanais a força dos filhos do Rio Amazonas se faça ouvir nos palácios de Brasília, barrando toda e qualquer agressão a Mãe Terra e suas comunidades!
Um lugar, um modo de proceder e uma bandeira. Esses poderiam ser os símbolos que marcariam a COP30. Um lugar, a proteção da Foz do Rio Amazonas, rio-vida da Amazônia. Chão sagrado onde pisam suavemente os povos da terra. Um modo de proceder, a resistência popular, protagonizada pelas organizações de base. Muito mais legítima do que as reuniões entre os diplomatas, nos hotéis de luxo mundo afora. Uma bandeira, o reconhecimento dos direitos da Natureza. A Mãe Terra e todos os seres não humanos, rios, florestas, montanhas etc. devem ser protegidos na sua dignidade, como membros da comunidade planetária.
Se os indígenas e as comunidades tradicionais liderarem o movimento, muitos outros se somarão à luta: ambientalistas, sindicatos, igrejas, artistas, movimentos sociais. Seria uma excelente oportunidade de mostrar ao mundo que o único caminho possível para o sucesso da COP30 – e de todas as outras cúpulas ambientais – é a partir da construção das bases, das periferias, dos rincões profundos quase sempre esquecidos.
“Se vocês, napëpë [não indígenas], quiserem ficar sábios, precisam se apaixonar pelo caminho në ropë [riqueza das florestas], precisam mesmo se conectar com në ropë!”[8], profetizou o xamã Yanomami. E aí presidente Lula, qual o seu lado? Escolherão as autoridades a sabedoria ancestral ou a ganância do capital? A profecia do Bem Viver ou a maldição do acumular? A saúde da Mãe Terra ou o envenenamento da Foz do Rio Amazonas? Que possam sentir a fúria dos filhos das águas e das florestas!
[1] SAITO, Kohei. O capital no Antropoceno. São Paulo: Boitempo, 2024. p. 29.
[2] CASARA, Rubens. A construção do idiota: o processo de idiossubjetivação. Rio de Janeiro: daVinci, 2024. p. 240.
[3] SARLET, Ingo Wolfgang; WEDY, Gabriel; FENSTERSEFER, Tiago. Curso de Direito Climático. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023. p. 132-133.
[4] Ibidem, p. 139.
[5] STF, ADPF 760, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 14.03.2024.
[6] FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Pós-sinodal Querida Amazônia. nº 26.
[7] KOPENAWA, Davi. Në Rope. In: CARNEVALLi, Felipe (org.). et al. Terra: antologia afro-indígena. São Paulo: Ubu Editora, 2023. p. 341.
[8] Ibidem, p. 342.