04 Fevereiro 2025
Na República Democrática do Congo, o movimento armado M23, apoiado pela Ruanda, tomou a cidade de Goma, capital de uma província rica em minerais estratégicos. Essenciais aos smartphones, eles alimentam este conflito mortífero e ecocida.
A entrevista é de Émilie Massemin, publicada por Reporterre, 28-01-2025. A tradução é do Cepat.
Este é um ponto de inflexão na guerra que assola o leste da República Democrática do Congo (RDC) há trinta anos. No domingo, 26 de janeiro, combatentes do Movimento 23 de Março (M23), um grupo armado rebelde, apoiado por 3.000 a 4.000 soldados ruandeses, entraram em Goma, capital da província de Kivu do Norte, onde vive um milhão de pessoas.
No centro deste conflito estão os “minerais de sangue” – coltan, níquel, estanho e ouro –, essenciais na fabricação de equipamentos eletrônicos e especialmente dos smartphones. Reporterre faz um balanço com Fabien Lebrun, sociólogo e autor de Barbarie numérique. Une autre histoire du monde connecté (Barbárie digital. Uma outra história do mundo conectado), publicado pela Edições L’Échappée, outubro de 2024.
Qual é a ligação entre o conflito no leste da RDC e os minerais utilizados na fabricação dos nossos smartphones?
No centro desta guerra estão os minérios de sangue, também chamados de minerais de conflitos: coltan, níquel, estanho e ouro. O coltan se transforma em tântalo, essencial na fabricação de capacitores para smartphones: sem esse metal, muito resistente ao calor e à corrosão que permite a miniaturização dos componentes, os telefones esquentariam tanto que poderiam pegar fogo. Entretanto, dois terços das reservas mundiais de coltan encontram-se no Congo, mais especificamente no leste do país. Os Grandes Lagos Africanos – Congo e Ruanda juntos – são responsáveis pela metade da produção mundial.
O leste do Congo também é rico em cassiterita, de onde provém o estanho, essencial para a soldagem de circuitos eletrônicos; em volfrâmio, ou tungstênio, encontrado em vibradores e alto-falantes de telefones celulares; e em ouro, do qual a indústria digital desvia 10% da extração global para a fabricação de suas placas-mãe e circuitos impressos. Desde a primeira guerra em 1996, estes minerais ocuparam um lugar naquilo que pode ser chamado de economia de guerra, uma economia militarizada que continua até hoje.
Desde abril passado, os rebeldes do M23 controlam a área mineira de Rubaya, que fornece 15% do coltan mundial. Que interesse estratégico eles encontram ali?
Ao controlar administrativamente a região, o M23 pode desenvolver todo um sistema fiscal e assim financiar o conflito. De acordo com um relatório da ONU, o grupo exporta atualmente 120 toneladas de coltan por mês e os impostos que cobra sobre a produção proporcionam-lhe uma renda mensal de cerca de 800 mil dólares. Do ponto de vista econômico e financeiro, os interesses são grandes.
O M23 é apoiado pelo exército ruandês. Durante vários anos, o presidente da RDC, Félix Tshisekedi, acusou a Ruanda de cobiçar os seus recursos minerais. Qual é o papel destes recursos no agravamento das tensões geopolíticas na região?
Estes metais são, se não a principal causa, pelo menos um importante determinante da instabilidade da região dos Grandes Lagos. A exploração e a comercialização destes minerais de sangue estruturam a economia, a indústria e a política da região. Elas produzem rendas que enriquecem as elites e promovem a corrupção.
Falamos muito sobre a Ruanda, um centro para estes minerais essenciais para equipamentos eletrônicos, mas a Uganda e, em menor medida, o Burundi também estão no jogo. O próprio Estado congolês é parcialmente responsável pela situação: 2.000 quilômetros separam Goma da capital, Kinshasa, e as instituições estatais estão ausentes ali.
Quais são as consequências humanas e ecológicas da indústria mineira para os habitantes de Kivu do Norte?
Desde meados da década de 1990, início da revolução digital, o custo humano e ecológico deste conflito em torno dos minerais de sangue tem sido insano. Mesmo antes da violência recrudescida das últimas três semanas, os analistas falavam de vários milhões de mortes, de 7 milhões de deslocados em condições terríveis e 4 milhões de refugiados que fugiram do Congo. Quase 30 milhões de congoleses estão em situação de desnutrição aguda.
Para além do conflito, o custo ecológico é devastador. As terras de Kivu do Norte, férteis e que poderiam ter beneficiado a agricultura local, foram devastadas pelas atividades mineiras. O ar está poluído com gases tóxicos.
A indústria mineira é também parcialmente responsável pela destruição da floresta da bacia do Congo, a segunda maior floresta tropical do mundo, crucial na luta contra as mudanças climáticas. As espécies ameaçadas que ali vivem – gorilas das montanhas, bonobos e rinocerontes – são massacradas por grupos armados que controlam as atividades mineiras.
Mas a primeira vítima do extrativismo é a água, como explica a engenheira Aurore Stéphant, da associação SystExt. Isto é uma realidade no Congo, com centenas de quilômetros de cursos de água contaminados com metais pesados – chumbo, cádmio, etc. O rio Congo é afetado, assim como as águas subterrâneas. Em alguns lugares, não existe mais vida aquática.
O apetite dos Estados ocidentais e das multinacionais tecnológicas por estes recursos não está alheio a este desastre...
A responsabilidade da indústria digital na desestabilização da RDC tem sido apontada há décadas. Em meados de dezembro, o presidente da RDC entrou com uma ação contra a Apple por ocultação de crimes de guerra, lavagem de capitais e fraude ao consumidor.
Já em 2019, a organização internacional Right Advocates entrou com uma ação coletiva contra a Apple, Microsoft, Tesla, Google e Dell, que acusou de lucrar com o trabalho infantil nas minas de cobalto congolesas. Infelizmente, a ação não teve êxito.
Em 2016, a Anistia Internacional e a Afrewatch acusaram grandes marcas de eletrônicos como Apple, Samsung e Sony de comprarem cobalto de comerciantes que se abastecem em minas onde há trabalho infantil.
Em 2000, o aumento dos preços do coltan, alimentado pela produção em massa do Playstation 2, da Sony, levou a uma corrida às atividades mineiras no leste da RDC, com consequências muito prejudiciais para as comunidades.
No entanto, os Estados apoiam muitas vezes estas multinacionais. Em fevereiro, Bruxelas e Kigali [capital de Ruanda] assinaram um acordo para um fornecimento “sustentável” de minerais críticos à União Europeia. Embora saibamos muito bem que 90% dos minerais de sangue que saem de Ruanda vêm do Congo!
Podemos falar de neocolonialismo?
O extrativismo é a prática colonial histórica por excelência. Desde o século XVI, os conquistadores saquearam o ouro e a prata dos ameríndios, os quais exterminaram. Este episódio foi um ponto de inflexão para o enriquecimento dos Estados ocidentais e o nascimento do capitalismo e da globalização.
As atividades de mineração, poluidoras, geradoras de conflitos sociais, de usos da terra e da água, estavam um pouco fora do nosso imaginário. Mas ao longo dos últimos trinta anos, assistimos a um ressurgimento do extrativismo para alimentar a revolução digital.
É óbvio que o acordo que permite à União Europeia saquear a RDC através da Ruanda é tipicamente neocolonial. Assim como o controle da China sobre o cobalto e o cobre congoleses. Quase poderíamos falar de tecnocolonialismo.
O que deveria ser feito para ajudar a acalmar a região de Kivu do Norte?
Não seremos capazes de reduzir a pressão mineira na região dos Grandes Lagos sem a diminuição dos minerais e metais. Para mostrar solidariedade com o Sul, teremos necessariamente de comprar menos e privilegiar dispositivos eletrônicos mais sustentáveis e melhor reparáveis.
A redução da nossa procura de metais raros também implicará a utilização de instrumentos mais lentos e menos eficientes. Toda a nossa vida diária digital e a digitalização de alta velocidade precisa ser revista.