16 Janeiro 2023
É uma viagem muito aguardada aquela que o Papa Francisco tem em sua agenda entre 31 de janeiro e 5 de fevereiro próximo à República Democrática do Congo e ao Sudão do Sul. Uma visita já marcada para o passado mês de julho, mas adiada por motivos de saúde. Dois países africanos abalados por conflitos, onde a paz continua sendo uma miragem distante.
A reportagem é de Enzo Nucci, publicada por Settimana News, 13-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O empenho de Francisco com essas nações vem de longa data. Fica gravada em nossa memória a poderosa imagem do Papa no Vaticano que, em 11 de abril de 2019, invocando o fim da guerra civil no Sudão do Sul, beijou os pés dos dois eternos adversários: o presidente Salva Kiir e seu vice Riek Machar. Assim como em julho passado, ele apelou aos governantes de Kinshasa e Juba convidando-os a "virar a página para traçar novas rotas, novos caminhos de reconciliação e perdão".
O apelo caiu no vazio e nos últimos meses as coisas pioraram. De fato, Francisco teve que cancelar sua visita a Goma (onde o embaixador Attanasio foi morto) devido à insegurança que reina na área.
De fato, o enésimo cessar-fogo no leste da República Democrática do Congo durou apenas 5 dias porque os combates recomeçaram entre o exército do governo (apoiado por militares de Uganda, Quênia, Sudão do Sul, Burundi) e os numerosos e heterogêneos grupos rebeldes, entre os quais se destaca o M23 (Movimento 23 de Março). Em jogo está o controle dos enormes recursos minerais do subsolo e uma intrincada teia de interesses políticos das nações vizinhas.
Kinshasa acusa os rebeldes do massacre de 272 civis (entre os quais 17 crianças) na aldeia de Kishishe, 70 quilómetros ao norte de Goma, mas o M23 nega as acusações. Segundo algumas fontes, o massacre foi supostamente uma retaliação em resposta a um ataque no qual personalidades proeminentes de nacionalidade ruandesa (operando apenas extraoficialmente na área) foram mortas por uma milícia de autodefesa local.
Para aquecer ainda mais o clima já quente, acrescentou-se a ameaça do presidente ruandês, Paul Kagame, de também enviar suas forças armadas para a região oriental de Kivu em resposta aos projéteis de artilharia que caíram em Ruanda.
Uma intervenção aberta do governo de Kigali (que por baixo da mesa, mas nem tanto, apoia os rebeldes) tornaria o conflito muito mais duro e sangrento, prolongando assim o sofrimento de centenas de milhares de refugiados congoleses (390.000 só nos últimos meses), e tornando cada vez mais opaca e inútil a presença dos capacetes azuis da ONU da Monusco, a maior missão de paz do mundo.
E também caiu no vazio o apelo de Antony Blinken, secretário de Estado dos EUA, que pediu publicamente a Ruanda que bloqueasse o apoio ao M23 para promover a paz. Mas de Kigali veio mais uma mentira obstinada com o objetivo de negar qualquer relação com os rebeldes. Uma mentira ainda mais problemática quando se considera que Ruanda é o melhor aliado dos EUA na África.
A Igreja congolesa organizou manifestações em todo o país para pedir a paz, destacando também a ambiguidade do Ocidente que se cala sobre o papel de Ruanda, interessado em dividir a nação com foco na insegurança. Em particular, os católicos congoleses denunciam que em novembro a Comissão Europeia destinou 20 milhões de dólares para apoiar o exército de Kigali na luta contra as formações jihadistas na área de Cabo Delgado, em Moçambique.
A situação é igualmente complexa no Sudão do Sul, onde a divisão política entre os dois contendores está se tornando cada vez mais profunda, alimentando mais massacres, ferimentos, estupros, saques e extorsões em várias partes da mais jovem nação africana: na região do Alto Nilo, no Kordofan ocidental, nos estados federais de Jonglei e Unity.
Outros 20.000 civis se juntaram recentemente à enorme massa de refugiados sul-sudaneses, a maior do continente africano. As lutas entre as várias facções do exército leais aos dois líderes se entrelaçam com confrontos interétnicos e aqueles gerados por interesses políticos locais.
A ingovernabilidade é o traço distintivo. Em outubro passado, o partido governista (SPLM), que apoia Kiir, depôs seu vice Machar, manobra rejeitada pela oposição, mas que não contribui para acalmar os ânimos. As eleições marcadas para fevereiro de 2023 foram adiadas para o final de 2024 com o objetivo de reconfirmar o atual presidente no cargo desde 2011.
O Papa Francisco terá que se munir da paciência de Jó e exibir o melhor de suas habilidades diplomáticas para se mover nesse espinheiro de violência.
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O papa em meio às violências, no Congo e no Sudão do Sul - Instituto Humanitas Unisinos - IHU