O capitalismo, em seu moinho satânico, conforme definido por Karl Polanyi, sonha em transformar tudo em dinheiro, ao mesmo tempo, transforma tudo em morte. Basta olhar para o Brasil em chamas e a bruma que cobre o país. Mas, não é só aqui, a indústria bélica continua flertando com a guerra infinita para garantir seus lucros. Diante de um mundo atônito, mais uma vez a voz dissonante foi o papa Francisco, que desde a Ásia, chamou a atenção para os pobres da Terra. Esses e outros assuntos nos Destaques da Semana do IHU.
Confira os destaques na versão em áudio:
Até um dos cientistas mais renomados do país está apavorado com a crise climática. Os extremos do clima chegaram antes do previsto e vieram para ficar. Fogo, fumaça, desmatamento e a exploração predatória e extrativismo levaram todos os biomas brasileiros à extinção. A expectativa de Carlos Nobre é que o Pantanal acabe até 2070 e que percamos metade da Amazônia até lá. Para amenizar os efeitos perversos dessas mudanças, o pesquisador Paulo Artaxo propõe um novo contrato com a natureza.
Moysés Pinto Neto fez uma análise do governo Lula III e foi enfático: “se Lula não mobilizar a sociedade civil, produzindo um movimento de antagonismo, o agro vai continuar reinando com suas queimadas, seus agrotóxicos e sua monocultura, exportando seu modo de existência para outros rincões, tornando o Brasil um grande paraíso para as milícias urbanas e rurais, apoiados muitas vezes por facções religiosas e por um mercado cujo único compromisso é com o próprio bolso. O governo precisa escapar da cilada de reproduzir unicamente o mesmo foco de atenção do ciclo anterior: é bom, é ótimo que o governo esteja voltado a entender e disputar os pobres urbanos por meio de programas de incremento de renda e aquecimento da economia, com um upgrade no consumo, mas é pouco. Precisamos adiar o fim do mundo”. Por aqui, quem tenta parar o relógio do apocalipse também é atacado. Ficamos no pódio dos assassinatos dos defensores do meio ambiente, ocupando a segunda posição. Lutar pela terra é lutar pela vida, mesmo.
”Ainda é possível que todos os seres humanos escapem da pobreza e estejam seguros e protegidos dos danos causados pelas mudanças no sistema Terra, mas a capacidade do planeta de prover e proteger está chegando aos seus limites. Essa é a principal conclusão de um novo e extenso estudo realizado por mais de 60 destacados cientistas da conhecida como Earth Commission (Comissão da Terra), um grupo patrocinado pelo Future Earth”.
Com a frase acima o Brasil virou manchete internacional. O bioma, que este ano já registrou 82 mil focos de incêndio virou o maior emissor de carbono do planeta, passa por uma seca severa, vê morrer seus rios e biodiversidade. Enquanto isso, o governo federal não desiste de potencializar a destruição da Amazônia, prometendo asfaltar a BR-319 e explorar petróleo da Foz do Amazonas.
Esta semana a celebração do dia do Cerrado também foi ofuscada pelas chamas. O bioma, conhecido como o berço das águas, é cortado pelas três das maiores bacias hidrográficas da América do Sul, perdeu 88 milhões de hectares nos últimos 39 anos e, atualmente, rivaliza com a Amazônia em número de incêndios. Falando em água, a bacia do Rio São Francisco, que passa na região, está também ameaçada pela energia nuclear. Junto com o Pantanal, é o ecossistema que mais perdeu água e que agora enfrente sua pior seca nos últimos 700 anos. Uma das maiores áreas de preservação, o Parque das Chapadas dos Veadeiros foi tomado pelo fogo e este já se tornou o bioma mais devastado da história. A ganância desenfreada do agro tem transformado a “savana” brasileira em soja banhada a agrotóxico.
Há semanas as queimadas são destaques por aqui, são tempos sombrios e cinza. A fumaça tomou conta de 60% do território nacional. Ela também fez o Rio Grande do Sul ficar coberto por uma névoa que não deixou o sol raiar. Enquanto isso, em pleno inverno, as temperaturas superaram os 30º graus celsius, prendendo, literalmente, os gaúchos em um domo que combinou calor, fumaça e umidade. Quando a chuva chegou, trouxe uma fuligem preta junto com a água, mas a fumaça ainda não se dissipou. Porto Alegre, foi, essa semana, a segunda cidade mais poluída do mundo. No Pantanal, a cortina das chamas deixa os animais à mercê da fome e da sede. A floresta convertida em chamas virou negócio e mostrou que o crime compensa. Ao menos, a ministra do meio ambiente sinaliza a possibilidade de penas mais rígidas aos criminosos.
É isso que os brigadistas do PREVFOGO/IBAMA estão enfrentando diariamente. Aqui, no Grande Xingu, Mato Grosso.
— O FISCAL do IBAMA 🌎 (@fiscaldoibama.bsky.social) 12 de setembro de 2024 às 14:00
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Ao ver as imagens da seca, queimadas e fumaça, parece que estamos imersos em um cenário distópico, mas o Brasil passa pela pior escassez de água pelo menos desde 1950 e vê seus rios colapsarem. O rio Madeira, maior afluente do rio Amazonas, caiu para o menor nível da história e virou banco de areia em muitos pontos. O rio Paraguai agoniza e tem as projeções indicam a pior estiagem da história. A cegueira dos governantes ignora a situação e prevê a dragagem do rio. Uma pesquisa mostrou ainda que 12 rios do país estão secando. A secura aqui também afeta a navegação e o abastecimento de água na América Latina. Em 60 anos a média de dias seguidos sem chuva aumentou de 80 para 100.
O antes e o depois da seca no Pantanal este ano.
— Leandro Barbosa (@leandrobarbosa.bsky.social) 13 de setembro de 2024 às 08:20
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🏜 RIOS EM SECA Um estudo da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) revelou que, devido à seca que atinge 55% do território brasileiro, 12 grandes rios do país estão secando. A seca já afeta 4,6 milhões de km² e impacta 9 hidrelétricas no Brasil.
— Camarote da República (@camarotedacpi.bsky.social) 12 de setembro de 2024 às 12:27
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Não conseguimos abolir as guerras e estamos cada vez mais insensíveis e indiferentes. A guerra é conveniente para muitos, porque fazem girar o moinho capitalista da acumulação. Enquanto isso, a Europa continua presa à encruzilhada da história. Prestes a completar seu primeiro ano, a Guerra em Gaza fez os palestinos que estavam em “zona segura” acordarem no inferno com a área sendo bombardeada pelo exército israelense, fazendo com que o campo de refugiados se tornasse uma vala comum. A Cisjordânia agoniza com colonos, invasões e bombas israelenses. No Sudão, a guerra está esquecida pela comunidade internacional e a situação humanitária se degrada cada vez mais. O missionário Alex Zanotelli é uma das poucas pessoas a denunciar de forma incessante o descaso europeu. Cínicos, políticos veem as mães chorarem por seus filhos mortos sem reagir.
Hours ago, 6 children were slaughtered along with their mother in an airstrike targeting their house in northern Gaza. The father, Hael Al-Najjar, was a journalist. #GazaHolocaust
— ScriptiZer (@scriptizer.bsky.social) 12 de setembro de 2024 às 01:09
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A voz dissonante em meio a maior crise civilizatória é o papa Francisco, que fala ao deserto em um mundo assombrado pela desigualdade, ganância, guerras e ódio. Um mundo inerte e sem reação. Ele acaba de concluir a viagem mais longa do seu pontificado, à Oceania e à Ásia. Francisco visitou as periferias, esteve com os pobres e refugiados de Singapura, Papua Nova Guiné, Timor Leste e Indonésia. Durantes os encontros, o papa advertiu que o planeta está ameaçado pelos conflitos e as guerras, encorajou os jovens a “enfrentar o futuro com sorrisos de esperança” e clamou por liberdade religiosa. Outra vez o diálogo inter-religioso foi peça-chave das visitas e ele lembrou: Deus é para todos. Além disso, falou sobre desigualdade, paz, ódio, indiferença e justiça social. Na já tradicional conversa com jornalistas, no voo de volta a Roma, Francisco assinalou: a guerra em Gaza é demais! Não estão sendo dados passos para a paz.
"O capitalismo não aceita mais nem regulamentação, nem políticas sociais. Ele quer a neoliberalização geral. No capitalismo, hoje o que está fazendo sucesso é a combinação de fascismo com neoliberalismo. O exemplo mais evidente é a boçalidade indigente e inqualificável do Javier Milei na Argentina. Este é o boçal do nosso tempo: um burguês ilimitado que está destruindo a classe trabalhadora argentina dizendo-se neoliberal e libertário", sublinhou o sociólogo Ricardo Antunes essa semana. Na era da exploração total do trabalhador, o sujeito se confunde com o objetivo de trabalho e elimina a fronteira entre as duas vidas não existe mais. Para dar a dimensão da desigualdade que esse mundo do trabalho tem, basta perceber que o trabalhador leva oito anos para ganhar valor deduzido em despesas médicas por super-ricos. No limiar da subordinação algorítmica está o "sonho capitalista de capitalizar o tempo, a gravidade, para monetizar o universo", frisou Sérgio Amadeu.
As mulheres continuam à margem na Igreja. Uma exclusão com razões doutrinárias e teológicas baseada em uma interpretação bíblica masculinizada para manter a desigualdade de gênero. É dessa forma que Rita Torti enxerga a presença feminina no catolicismo. Em meio a preparação para a segunda sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade, em outubro próximo, há quem não esconda a decepção com ausência do tema da ordenação das mulheres no documento sinodal. Dom Erwin Kräutler é uma dos que expressam a frustração com o atraso da igreja em dar respostas aos desafios do nosso tempo e assinalou que "não se deve mais negar às mulheres a graça da ordenação". Aos cinco anos do tão esperado e comemorado Sínodo da Amazônia, que trouxe avanços, mas que adiou muitos sonhos, o papa já descartou o estudo sobre as mulheres diáconas, desapontando quem guardava esperanças de mudanças desde essa época.
Motivados pelas palavras do professor Célio Turino, encerramos a semana com um extrato do poema que nos convida a sair da inércia para tomar a coragem para criar um novo mundo.
Coragem!
Devemos apagar essa fumaça
como o sol dissolve a névoa
ao amanhecer.
Olhem para os céus!
Não são nuvens
São fuligem da ganância,
Cinzas da vil exploração.
Não há civilização possível
sem refazer o mundo
no calor da luta.
Lutemos!
Apaguemos o fogo no planeta
Com a chama de nosso coração.
Coragem!
A revolução ecológica é urgente
como o sopro
para um pulmão sufocado.
Sejamos o vento
que varre a poeira da história.
Coragem!