‘Estou apavorado. Ninguém previa isso; é muito rápido’, diz Carlos Nobre sobre crise climática

Arte: Marcelo Zanotti | IHU

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12 Setembro 2024

Biomas brasileiros estão gravemente ameaçados pelo aquecimento global; Pantanal deve perder toda a sua área alagada antes mesmo do fim do século

Referência internacional em estudos sobre aquecimento global, o climatologista Carlos Nobre está apavorado. Em entrevista ao Estadão, ele conta que a crise climática explodiu um pouco antes do que os próprios cientistas previam. Tudo indica que 2024 deve bater mais um recorde de temperatura.

As ondas de calor e as secas intensas assolam o planeta. O Brasil arde em chamas - já são mais de 5 mil focos de incêndio em todo o País. Se em maio o Rio Grande do Sul ficou quase inteiro debaixo da água, em setembro São Paulo sufoca sob uma espessa camada de poluição.

A entrevista é de Roberta Jansen, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 12-09-2024.

Eis alguns trechos da entrevista.

Temos uma seca recorde, temperaturas elevadíssimas, e fogo se alastrando por todo o País. Já vivemos algo parecido antes?

Nesse nível não. Esse é o máximo que já experimentamos. A crise explodiu. Temos a maior temperatura que o planeta experimentou em 100 mil anos. Desde que existem civilizações, há dez mil anos, nunca chegamos nesse nível, em que todos os eventos climáticos se tornaram tão intensos e muito mais frequentes. São secas em todo o mundo, tempestades, ressacas e, agora, a explosão desses incêndios.

Infelizmente, não é só aqui. No ano passado, tivemos grandes incêndios no Canadá, nos Estados Unidos, no sul da Europa. A diferença é de que lá o fogo foi causado por descargas elétricas. Aqui não: praticamente não teve nenhuma descarga elétrica. Entre 95% a 97% são causados pelo homem. A seca e as temperaturas elevadas estão diretamente relacionadas às mudanças climáticas. Isso ajuda o fogo a se propagar. Mas os incêndios são criminosos.

Na semana passada, a ministra Marina falou que o Pantanal chegaria a um ponto irreversível, que o perderíamos até 2100. Concorda?

Sim, acho até que ela foi otimista. Acho que o Pantanal acaba até 2070, sem falar nos outros biomas. A Amazônia, o Cerrado, a Caatinga: todos os biomas estão em risco. Se o desmatamento continuar desse jeito, a Amazônia vai perder pelo menos 50% da floresta até 2070. Para ter ideia, a Caatinga já avançou 200 mil quilômetros quadrados pelo Cerrado. Há uma região no norte da Bahia que já é tão seca que poderá ter, em futuro próximo, um clima semidesértico, com precipitações abaixo de 400 milímetros por ano. O Pantanal já reduziu 30% nos últimos 30 anos; está secando. E agora o fogo destrói sua vegetação. Se continuarmos com emissões altas e só conseguirmos zerá-las em 2050, o que já é um enorme desafio, poderemos chegar a 2100 com temperatura a 2,5ºC da média. Se isso acontecer, o Pantanal não terá mais lago.

O aumento de 1,5ºC era o máximo que deveríamos chegar, segundo os acordos climáticos mais importantes firmados nas últimas décadas...

O objetivo era não deixar o aumento passar de 1,5ºC e, a partir de 2050, já começar a remover, no mínimo, 5 bilhões de toneladas de CO2 por ano da atmosfera, para chegar em 2100 com aumento de 1ºC. Mas infelizmente já estamos atingindo 1,5ºC. Estou apavorado. Ninguém previa isso; é muito rápido.

Nenhum cientista havia previsto isso?

Não, nenhum. No começo de 2022 a ciência previu, muito bem, que teríamos um El Niño (fenômeno climático ligado ao aumento das temperaturas da Terra) forte e a temperatura anual poderia ficar 1,3ºC acima da média. De fato, tivemos um El Niño forte, o terceiro mais forte dos registros, mas o aumento da temperatura chegou a 1,5ºC. No nosso pior cenário, chegaríamos a um aumento de 1,5ºC em 2028. Milhares de cientistas estão tentando explicar o que aconteceu. E outra: o El Niño praticamente desapareceu em maio (e começa a dar lugar ao fenômeno La Niña, ligado ao resfriamento do planeta), mas os oceanos continuam quentes, continuam induzindo a seca na Amazônia. Estamos tentando explicar por que aumentou mais do que tínhamos previsto.

A íntegra da entrevista pode ser lida aqui.

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